
Domingo VI do Tempo Comum – ano C – 2025
1 – Evangelizar, é a nossa vocação prioritária e essencial que decorre da nossa condição de batizados, discípulos de Jesus. Anunciar a Boa Nova aos pobres, a todos aqueles cujo coração está disponível para acolherMaria, Mãe de Jesus, é, desde logo, um modelo de acolhimento à misericórdia divina: eis, faça-Se em mim, o que é da Tua vontade! Ainda que nem tudo compreenda! Mas o mistério é mesmo assim, exige perguntar e tentar compreender, mas no final o que importa verdadeiramente é acolher e viver o próprio mistério, deixando-nos surpreender pela Sua vinda.
Se, como para Jesus Cristo, a nossa missão é levar o Evangelho a todo o mundo, então temos que saber que Evangelho levaremos e Quem anunciaremos. Paulo, na missiva aos Coríntios, sublinha que o Evangelho é Cristo, no mistério da Sua morte e da Sua ressurreição, da Sua vida por inteiro oferecida pela salvação da humanidade. É o Evangelho que recebeu em Igreja e que integra a Cruz e a vida nova na qual somos enxertados pelo Batismo, mergulhando na Sua morte e deixando-nos recriar na Sua Páscoa. A última palavra é da Ressurreição.
2 – O Batismo marca o início da caminhada de fé. Tornamo-nos novas criaturas, mas teremos constantemente de conferir a nossa fidelidade a Jesus Cristo e o nosso compromisso com a Sua mensagem e com a Sua vida. A caminhar, podemos distrair-nos, olhar demasiado para os nossos pés e não tanto para os outros que seguem connosco e para a luz que nos guia, para a meta que nos atrai e que Jesus tornou visível para nós.
Algumas causas: cansaço da caminhada, sofrimento pelas perdas que vamos enfrentando, preocupações prioritárias com o presente e com o futuro, conflitos inevitáveis na família, na escola e no trabalho, exigências profissionais cada vez mais acentuadas, desafios em acompanhar as modas, a tendências, a opinião da maioria.
Daí a urgência, diante de tantas palavras (ou ruído) e de tantas ideologias, de voltarmos a percorrer o tempo, a Palavra e a vida de Jesus. Quando escutamos (lemos) o Evangelho devemos colocar-nos na primeira fila, entre os grupos a quem Jesus se dirige, entre a multidão. Não vale colocar-nos ao lado ou detrás de Jesus, qual guarda-costas, numa espécie de show off a proteger ou a realçar um personagem importante, de frente para os outros! Os outros somos nós, fariseus, saduceus, escribas, multidão, discípulos, apóstolos, doentes, leprosos, publicanos, pecadores, somos nós, mulheres de vida duvidosa, estrangeiros, Judas e Herodes, Pilatos e Caifás, somos nós os outros. Então é para nós que Jesus fala, é a nós que Jesus interpela, chama e envia.
É connosco que Jesus conta. Ainda que sejamos inconstantes, ainda que por vezes deixemos que as trevas toldem o nosso olhar e o nosso coração e paralisemos diante do sofrimento que nos pede ajuda, ainda assim, Jesus chama-nos, conta connosco para levar o Evangelho a todo o mundo. Estamos a caminho e como caminhantes não cessemos de perscrutar a vontade de Deus, procurando sintonizar com o Seu amor.
3 – Quando se dirige à multidão, Jesus coloca-se de forma a ser visto e a ser ouvido por todos. Na margem do lago, sobe para a barca de Simão, afasta-se um pouco e dessa forma facilita a comunicação. Sem megafones ou aparelhagens sonoras, não era fácil fazer-se ouvir. Desta feita, ao descer do monte, num sítio plano, Jesus coloca-se numa posição que Lhe permite olhar os discípulos e a multidão para lhes comunicar a Sua mensagem.
O monte é um lugar (teológico) de encontro privilegiado com Deus. O monte e o deserto, o silêncio e a oração, o Templo e o coração, evitando o ruído, a azáfama, a confusão, as distrações variadas. Jesus desce com os Apóstolos em direção à multidão, como Moisés a descer do Horeb (Sinai) para falar ao Povo e lhe revelar os Mandamentos. Com as Bem-aventuranças, Jesus dá vida, músculo e carne, cor e alma aos Mandamentos.
Jesus dirige-se, antes de mais, para os discípulos, que estão inseridos na multidão. A multidão é impessoal, os discípulos têm rosto, têm olhar, são confrontados, deixam-se confrontar por Jesus. Também nós somos multidão, também estamos entre as pessoas vindas da Judeia e de Jerusalém, de Tabuaço e de Lamego, de Penude e de Viseu. E agora, chegamo-nos à frente? Deixamos que o olhar de Jesus nos inunde a alma? Abrimos os ouvidos do coração para que as Suas palavras ressoem em nós e nos mobilizem? Ou preferimos manter-nos à distância? Somos da nossa terra ou escolhemos ser de Jesus?
4 – «Bem-aventurados vós, os pobres, porque é vosso o reino de Deus. Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis saciados. Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque haveis de rir. Bem-aventurados sereis, quando os homens vos odiarem, quando vos rejeitarem e insultarem e proscreverem o vosso nome como infame, por causa do Filho do homem. Alegrai-vos e exultai nesse dia, porque é grande no Céu a vossa recompensa».
A fé não nos garante nem riqueza (material) nem sossego e acomodação, mas enriquece a nossa vida, dá alma ao nosso trabalho, dá significado às nossas relações humanas, sociais, familiares e profissionais, impede o cinismo e a morte, torna-nos mais humanos, possibilita uma vida de esperança, na abertura ao Transcendente, na confiança de que tudo terá um sentido e não se perderá, pois Deus é também o nosso futuro e o nosso fim. Como tudo na vida, precisamos de persistência, de humildade, tornando-nos pobres, na pobreza do amor que acolhe Deus e que se gasta com os outros e a favor deles, ao jeito de Jesus. A vida ninguém Lha tira, Ele dá-no-la, abundantemente, gastando-se até ao último fôlego, até à última gota de sangue. Tudo por amor. Só o amor nos conduz a Deus e nos salva de nós próprios!
Em contrapartida, a maldição: quando nos colocamos no lugar de Deus e nos fechamos aos outros, estamos a unir-nos com a morte, com a destruição da vida como dom, como tarefa, como compromisso. «Mas ai de vós, os ricos, porque já recebestes a vossa consolação. Ai de vós, que agora estais saciados, porque haveis de ter fome. Ai de vós, que rides agora, porque haveis de entristecer-vos e chorar. Ai de vós, quando todos os homens vos elogiarem. Era assim que os seus antepassados tratavam os falsos profetas».
Jesus não elogia o choro e abomina o riso, nada disso! Não privilegia o sofrimento, diabolizando a festa e a saúde, nada disso! O que Jesus sacraliza é a nossa abertura à graça de Deus e o nosso empenho pela verdade, pela justiça e pela paz, mesmo que isso exija suor e lágrimas, sacrifício e perseguição, injúria e maledicência. A nossa fidelidade há de ser com Jesus e com o Evangelho da Compaixão e não com os nossos caprichos e gostos imediatos.
5 – O caminho poderá ser longo e espinhoso, para quem opta pela vida, pela verdade e pela justiça, pelo amor, pelo serviço e pela paz, mas estamos certos que não prosseguimos sozinhos. Ele segue connosco. Isso mesmo Lhe pedimos na oração: «Senhor, que prometestes estar presente nos corações retos e sinceros, ajudai-nos com a vossa graça a viver de tal modo que mereçamos ser vossa morada». A Sua promessa é inquebrantável, mas temos de estar alerta para vislumbrarmos a Sua presença e nos deixarmos guiar por Ele.
Seremos Bem-aventurados se confiarmos no Senhor. «Bendito quem confia no Senhor e põe no Senhor a sua esperança. É como a árvore plantada à beira da água, que estende as suas raízes para a corrente: nada tem a temer quando vem o calor e a sua folhagem mantém-se sempre verde; em ano de estiagem não se inquieta e não deixa de produzir os seus frutos».
Pelo contrário, quem se substitui a Deus, acabará por se perder. «Maldito quem confia no homem e põe na carne toda a sua esperança, afastando o seu coração do Senhor. Será como o cardo na estepe, que nem percebe quando chega a felicidade: habitará na aridez do deserto, terra salobre, onde ninguém habita».
E, como expectável, o salmo sintoniza-nos com o Profeta Jeremias, fazendo-nos rezar a Palavra de Deus: «Feliz o homem que não segue o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, mas antes se compraz na lei do Senhor, e nela medita dia e noite. É como árvore plantada à beira das águas: dá fruto a seu tempo e sua folhagem não murcha. Tudo quanto fizer será bem-sucedido. Bem diferente é a sorte dos ímpios: são como palha que o vento leva. O Senhor vela pelo caminho dos justos, mas o caminho dos pecadores leva à perdição».
A lógica é a mesma da primeira leitura e do Evangelho: é feliz e terá vida duradoura aquele que põe a sua confiança no Senhor, pois não sairá defraudado, ainda que percorra caminhos pedregosos. Aquele que se enrola sobre si mesmo, jamais saberá o que é a alegria do dom e da vida gasta a favor dos outros, a paz da partilha e do amor!
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (C): Jer 17, 5-8; Sl 1; 1 Cor 15, 12. 16-20; Lc 6, 17. 20-26.