Domingo VI da Páscoa – ano C – 2022

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Domingo VI da Páscoa – ano C – 2022

1 – «Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará; Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada. Quem Me não ama não guarda a minha palavra. Ora a palavra que ouvis não é minha, mas do Pai que Me enviou».

É significativa a forma como Jesus explicita o discipulado. Amar, viver e testemunhar Jesus, são verbos e compromissos interligados. O amor é, no dizer de António Damásio, um sentimento de fundo, base de outros sentimentos, fundamento da vida que dá sentido às opções de cada dia. Por outro lado, não existe uma definição cabal do que é o amor. Este não é palpável, visível a olho nu, no entanto, expressa-se, visualiza-se, mostra-se pelas atitudes, pela expressividade do rosto, pelos gestos de carinho, pela alegria do encontro, pela sintonia e sincronia do coração e da vontade.

Quando se ama alguém é natural que se queira o bem da pessoa amada, procurando conhecer e corresponder, tanto quanto possível, aos seus gostos, àquilo que a fará sentir-se bem, feliz, amada. Se diz que ama, mas tudo faz para contrariar, desviando-se ou ignorando os desejos da pessoa amada, então talvez não ame, talvez seja um capricho.

Como podes dizer que me amas, se não fazes nada do que te peço?

Como podes dizer que me amas, se não sabes o que não gosto?

Como podes dizer que me amas, se não fazes nada para me veres feliz?

Como podes dizer que me amas, se não sabes a minha cor preferida, o meu prato preferido?

Como podes dizer que me amas, se fazes apenas o que me irrita e chateia?

Como podes dizer que me amas, se não percebes que hoje preciso de um abraço?

Talvez já tenhamos escutado estes e outros desabafos e/ou protestos! Nestas expressões, ficam claras as palavras de Jesus. Como é que Lhe dizemos que O amamos? Guardando as Suas palavras, vivendo os Seus mandamentos, imitando-O na ternura, na proximidade, na compaixão, na humanidade.

2 – Antes de partir… Jesus prepara os Seus discípulos. A Sua partida não é absoluta. Ele morre, mas regressará à vida. É o que acontece com a ressurreição. Jesus volta a reencontrar-se com os Doze e com os demais discípulos, congregando-os como comunidade, tornando definitivo o envio.

A morte traz, habitualmente, muitas fissuras, dor, tristeza, angústia, desespero, desolação. A fé, mesmo que não anule a tristeza da separação (física), lança luz e consolação, dá-nos a esperança do reencontro e da vida nova, em plenitude, junto de Deus. Jesus tem consciência do embotamento dos Seus discípulos e, por conseguinte, previne-os, apaziguando os seus corações. Ele estará, sempre, presente, de uma forma nova, por ação do Paráclito, o Espírito Santo. O Espírito Santo ensinar-nos-á todas as coisas e nos recordará quanto nos disse Jesus. Precisamos de fazer a nossa parte em estudar, refletir, mas sobretudo rezar, para que Ele inspire os nossos pensamentos, desejos e ações.

«Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como a dá o mundo». A paz que Jesus nos dá não é exterior, não é imposta nem negociável. Quando olhamos para o nosso mundo, muito terreno, e, cada vez menos humano, a paz é uma conquista, uma imposição, uma negociação. É bem conhecido o adágio de que a paz se prepara através do reforço do armamento, criando novas armas, mais letais, para decidir das condições da paz. Ora, a paz de Jesus não tem condições, nem reservas, nem medos, nem ameaças, enforma-se de amor e de ternura, de perdão e misericórdia, de justiça e liberdade, de fraternidade. «Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. Ouvistes que Eu vos disse: Vou partir, mas voltarei para junto de vós».

3 – «Deus todo-poderoso, concedei-nos a graça de viver dignamente estes dias de alegria, em honra de Cristo ressuscitado, de modo que a nossa vida corresponda sempre aos mistérios que celebramos».

Ao rezarmos predispomo-nos a acolher os desígnios de Deus. Só assim a oração faz sentido. O que pedimos converte-se em opção, em compromisso, com a verdade e com o bem, em fazer com que a nossa vida transpareça a vida nova de Cristo, os novos céus e a nossa terra em que somos inseridos pelo mistério da Sua morte e ressurreição de Jesus, no Sacramento do Batismo.

Deus Pai, através do Espírito Santos, assume-nos como filhos bem-amados no Filho Jesus, para com Ele nos identificarmos, sem nos instrumentalizar ou nos converter em marionetas.

A oração ajuda-nos a ser cúmplices na mesma vontade de amar, servir e cuidar, tal como fez Jesus na Sua vida histórica. “Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção, resplandeça sobre nós a luz do seu rosto /Os povos Vos louvem, ó Deus, todos os povos Vos louvem. Deus nos dê a sua bênção e chegue o seu louvor aos confins da terra”. A invocação do salmista é garantida pela confiança em Deus: “Na terra se conhecerão os vossos caminhos e entre os povos a vossa salvação. Alegrem-se e exultem as nações, porque julgais os povos com justiça e governais as nações sobre a terra”.

Como é que nos aproximamos uns dos outros? Como é que nos conhecemos mutuamente? Conversando! Trocamos ideias, pensamentos, falamos de projetos e de sonhos, do que nos faz felizes e do que nos aborrece! Assim nos vamos conhecendo, sendo que, verdadeiramente, só podemos amar o que (ou quem) conhecemos. A oração sincroniza-nos com Deus, deixando que Ele reze em nós a vida e a Sua vontade para nós e para o mundo. Nem sempre nos é fácil colocar a nossa vida nas mãos de Deus, mas é, garantidamente, a única fonte de paz e de felicidade.

4 – Guardar as palavras de Jesus, os Seus mandamentos, mantém-nos ligados a Ele e entre nós, na certeza de que Deus permanece na nossa vida. A fé liga-nos, mas não anula o caminho, a responsabilidade, o compromisso ou as adversidades. Que o digam os Apóstolos!

Há um fulgor inicial na propagação do Evangelho! O entusiasmo da pregação aprofunda-se com a adesão de muitos judeus à fé cristã e, logo, de muitos gentios. Diga-se que a “internacionalização” missionária se deve, muito, aos contratempos, pois os apóstolos sairão de Jerusalém sobretudo a partir das perseguições à Igreja, por ocasião da morte de Estêvão e, ainda mais, com a morte de São Tiago.

Na segunda leitura, que hoje nos é servida, são narradas dificuldades na assimilação da fé! Dois mundos diferentes, os judeus que aderiram ao Evangelho e pagãos, gentios, que se convertem à fé cristã. Na comunidade de Antioquia, alguns judeus (convertidos) querem impor aos gentios convertidos os usos e as tradições mosaicas: «Se não receberdes a circuncisão, segundo a Lei de Moisés, não podereis salvar-vos».

Paulo e Barnabé têm com eles forte discussão. Da discussão nasce a luz. A Igreja em Antioquia decide enviar Paulo e Barnabé, e mais alguns discípulos à Igreja-Mãe, a Jerusalém para debaterem o assunto com os Apóstolos e os anciãos. Estes, por sua vez, com Paulo e Barnabé, enviam Judas (Barsabás) e Silas, com uma missiva (e a missão de clarificar, integrar e apaziguar): «O Espírito Santo e nós decidimos não vos impor mais nenhuma obrigação, além destas que são indispensáveis: abster-vos da carne imolada aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e das relações imorais. Procedereis bem, evitando tudo isso. Adeus».

Quando decorre a preparação para o Sínodo sobre a sinodalidade da Igreja, aqui está uma amostra de como funciona: discussão, diálogo, abertura, oração, caminho conjunto!

5 – «Na cidade não vi nenhum templo, porque o seu templo é o Senhor Deus omnipotente e o Cordeiro. A cidade não precisa da luz do sol nem da lua, porque a glória de Deus a ilumina e a sua lâmpada é o Cordeiro».

As visões do Apóstolo são uma provocação em tempo de provação. As perseguições à Igreja, aos cristãos, não abalam a fé e a confiança no poder de Deus, na vitória do bem sobre o mal, na prevalência do amor sobre a violência. Os tempos são tempestuosos, mas a fé abre o coração e a vida. O livro do Apocalipse está imbuído de confiança. O Cordeiro de Deus, Jesus Cristo, ofereceu a vida por todos, por mim e por ti, pela humanidade inteira. A história geme ainda as dores do parto, mas a soberania de Deus estender-se-á a todo o mundo. Imerge, por entre a morte, a ressurreição de Jesus, a plenitude da salvação.

Na fé de São João, e da Igreja, perpassa a certeza que Deus não abandona os que n’Ele creem. Os que foram mortos por causa do nome de Jesus vivem agora na glória do Pai. Nem a morte nos separa do amor de Deus. A profecia não é uma alienação do presente, é um desafio à resiliência, a persistir no bem, a prosseguir o anúncio do Evangelho. A glória em Deus é certa, cabe-nos torná-la visível já no tempo presente. «Um Anjo transportou-me em espírito ao cimo de uma alta montanha e mostrou-me a cidade santa de Jerusalém, que descia do Céu, da presença de Deus, resplandecente da glória de Deus…».

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Atos 15, 1-2. 22-29; Sl 66 (67); Ap 21, 10-14. 22-23; Jo 14, 23-29.