Domingo XI do Tempo Comum – ano B – 2024

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Domingo XI do Tempo Comum – ano B – 2024

1 – Vivemos um tempo de paradoxos, de dúvidas e interrogações, de extremismos. Os extremos tocam-se pela agressividade, pela violência, pelos fundamentalismos ideológicos, políticos ou religiosos. Criam barreiras que separam, deixando de fora os que não partilham os mesmos ideais e os mesmos métodos, isolam os mais fracos, os que têm menos recursos e menor capacidade de reagir.

Em todos os campos da vida humana há novidades, avanços, desafios e a tentação de superar todos os limites, em defesa de uma pretensa liberdade absoluta, colocada antes da pessoa, da vida, da dignidade. Têm-se acelerado, multiplicando, os avanços técnicos, os meios de comunicação social e de locomoção, a medicina, a indústria, a mecanização da agricultura. A vida está amplamente facilitada. Todavia, há o reverso da medalha: a exclusão social; a exploração no trabalho, em muitos casos trabalho escravo de adultos, mas também crianças; bairros de lata e de dependências várias; comércio de armas e tráfico de pessoas e de órgãos humanos; escassez de água e de pão para milhões de pessoas. Uma multidão infindável sem acesso à habitação, à cultura, à educação, abaixo do limiar da pobreza.

Também em Portugal estes desequilíbrios sociais e económicos se têm acentuado ao longo do tempo. Há responsabilidade de todos, dos próprios, quando tiveram oportunidades, mas sobretudo daqueles que ao longo das gerações têm o poder político e económico para melhorar a vida de todos. As crises económicas só acentuam as discrepâncias, quais “injeções de cavalo”, quem tem forças sobrevive e sai fortalecido, quem não aguenta é excluído, morre! Somos todos responsáveis por todos!

A OCDE, num relatório de 2018, dizia que «a mobilidade de rendimentos de uma geração para a seguinte, bem como o nível de desigualdade salarial em Portugal, pode demorar cinco gerações para que as crianças de uma família na base da distribuição de rendimentos consigam um salário médio». Quem nasce pobre dificilmente enriquece, só passados 125 anos um descendente de famílias pobres consegue obter um salário médio! Preocupante! É muito triste e pode gerar revolta!

2 – Sabiamente, o Papa Bento XVI, no início do seu ministério petrino (24/04/2005), falava nos desertos exteriores que se multiplicavam (guerra, violência, fome…) e nos desertos interiores que se acentuavam, com a perda de sentido: vazios existenciais, dúvidas, cansaço, havendo cada vez mais pessoas a não saber qual o seu lugar no mundo. Por outro lado, Deus já nem é questionado, está esquecido ou secundarizado! É um risco que corremos também na Igreja: viver como se Deus não existisse, ou como se não fosse importante, ou só importasse no fim da vida ou nos apertos da vida!

Os santos experimentaram o que se apelida de noite de fé. Santa Teresa de Calcutá é a mais recente de um número de santos que se questionaram e questionaram Deus no confronto com uma realidade avassaladora de miséria, de exclusão, de sofrimento “inocente”! Santa Teresinha do Menino Jesus deparou-se com a doença “mortal”, protestando com Deus, tal como Job: que mal tinha feito para que Deus permitisse tão grande sofrimento?! As respostas nem sempre são clarividentes e muitas vezes levam a novas perguntas. Para Santa Teresinha, a esperança pode falhar, a fé em Deus também, mas o caminho seguro para Deus será o amor. Assim Santa Teresa de Calcutá prossegue com a sua “noite da fé”, sujeita a muitas interrogações, mas não vacilando na hora de amar Jesus em cada pessoa a cuidar.

3 – Jesus desafia à confiança em Deus: «O reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. Dorme e levanta-se, noite e dia, enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como. A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga, por fim o trigo maduro na espiga. E quando o trigo o permite, logo se mete a foice, porque já chegou o tempo da colheita».

Numa leitura apressada dá a ideia que o trabalho humano (e braçal) é dispensável. Jesus é uma pessoa ligada à terra. As famílias sobreviviam à custa do trabalho de todos os seus membros, podendo ter alguma arte, como seria o Seu caso, mas disponíveis para fazer o que fosse necessário.

O homem lança a semente à terra! Antes disso é preciso cavar, ajeitar a terra e eliminar as ervas ruins, cavando mais fundo. No caso do trigo e do centeio é semear e deixar crescer… até chegar o tempo de cortar! Pelo meio, outros cuidados! Logo nos primeiros dias é necessário estar atento afastando as aves para que não comam as sementes visíveis ou esgravatem na terra à procura das que estão mais fundas! Por isso se colocam espantalhos! É preciso vigiar ratazanas e cava-terras que luram a terra e danificam a sementeira. Se antes há cuidados, depois é preciso “malhar” ou debulhar, separando o trigo da palha, aproveitando um e outro. O trigo será moído, obtém-se a farinha, e coze-se o pão!

4 – Na segunda parábola, Jesus clarifica e acentua a confiança em Deus. Quando esmiuçamos uma parábola devemos ver os diferentes enfoques, colocando-nos como destinatários e intervenientes. Porém, as parábolas têm também um enquadramento, uma mensagem geral, que se capta do seu conjunto. O Reino de Deus «é como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes que há sobre a terra; mas, depois de semeado, começa a crescer e torna-se a maior de todas as plantas da horta, estendendo de tal forma os seus ramos que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra».

A oração inicial provoca-nos à mesma confiança: «Deus misericordioso, fortaleza dos que esperam em Vós, atendei propício as nossas súplicas; e, como sem Vós nada pode a fraqueza humana, concedei-nos sempre o auxílio da vossa graça, para que as nossas vontades e ações Vos sejam agradáveis no cumprimento fiel dos vossos mandamentos».

A benevolência de Deus chama-nos à vida e sustenta-nos neste mundo que Ele nos dá como chão e como casa, atendendo às nossas súplicas, mas implicando-nos na transformação de todas as realidades que estejam longe ou desfasados do reino de Deus que não é apenas uma realidade futura, mas está aí, está aqui, na história e no tempo. Jesus encolheu a eternidade e estendeu o tempo, encurtou as distâncias que nos separam de Deus e da eternidade. Ele veio, em Pessoa, viver connosco. Não veio viver por nós, mas viver como um de nós. Assumindo-nos, para que com Ele possamos aprender, crescer, e O assumamos na nossa vida, criando as condições para que a semente em nós semeada possa germinar.

5 – Deus, que nos criou por amor, não cessa de Se manifestar através das gerações, dando-nos sinais, enviando-nos mensageiros. Ezequiel, num tempo de grande adversidade, traz ao Povo da Primeira Aliança as Palavras de Deus e os Seus desígnios. Deus não desiste da planta, pois fará surgir um rebento novo, arrancá-lo-á e plantá-lo-á na excelsa montanha de Israel e este rebento «lançará ramos e dará frutos e tornar-se-á um cedro majestoso. Nele farão ninho todas as aves, toda a espécie de pássaros habitará à sombra dos seus ramos. E todas as árvores do campo hão de saber que Eu sou o Senhor; humilho a árvore elevada e elevo a árvore modesta, faço secar a árvore verde e reverdeço a árvore seca. Eu, o Senhor, digo e faço».

Das palavras do Senhor depreende-se também a Sua omnipotência. Deus pode renovar todas as coisas. Antecipa-se aqui o cântico de Nossa Senhora: o Senhor levanta os caídos e derruba os poderosos dos seus tronos!

O salmo faz-nos também cantar esta certeza: «O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro do Líbano; plantado na casa do Senhor, florescerá nos átrios do nosso Deus. Mesmo na velhice dará o seu fruto, cheio de seiva e de vigor». Mesmo quando a barca irrompe pelo mar encapelado, Deus vela por ela e não a deixa afundar.

6 – Paulo relembra-nos, novamente, que não há dois mundos intransponíveis entre si, mas há tempos diferentes e em cada tempo nos cabe viver de acordo com a Palavra de Deus. Porquanto vivemos como exilados, caminhamos, contudo, à luz da fé, mas não ainda da visão clara. Estamos cheios de confiança no Senhor, empenhemo-nos «em ser-Lhe agradáveis, quer continuemos a habitar no corpo, quer tenhamos de sair dele. Todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que receba cada qual o que tiver merecido, enquanto esteve no corpo, quer o bem, quer o mal».

Nesta como em outras missivas, o Apóstolo transparece o seu despojamento e “indiferença” diante do que lhe pode acontecer. Entenda-se, aproximando-se a hora da morte, de bom grado partirá para a visão clara de Jesus Cristo, para o encontro definitivo com Ele, face a face. Porém, se ainda não é a hora de partir, importa viver o melhor possível, treinando-se já para a vida futura. Se é mais útil estar no mundo, confessa, então que a sua vida seja oportunidade de mais pessoas conhecerem Jesus e aderirem ao Seu Evangelho de amor!

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Ez 17, 22-24; Sl 91 (92); 2 Cor 5, 6-10; Mc 4, 26-34.