Domingo XIX do Tempo Comum – B – 2021
1 – A morte não se encara de ânimo leve! Quando nos dizem que uma pessoa morreu, familiar ou amigo, mesmo em situações em que estávamos à espera, é sempre como que um murro no estômago. Nem todas as pessoas reagem da mesma forma. Depende de muitas variáveis, da idade, se foi mais ou menos repentina, a proximidade afetiva, o tempo percorrido em conjunto, o sofrimento em que se encontrava. Depende da maturidade emocional, da interioridade da pessoa. Conta também se havia ou não contas a ajustar, distâncias que deveriam ter sido resolvidas antes de ter chegado esse momento.
A fé, dizem alguns, nem sempre ajuda! Em muitas situações a dimensão psicológica secundariza qualquer racionalidade ou qualquer escolha, tornando-se extremamente difícil controlar as emoções. Mas a fé, amadurecida, bem compreendida, ajudará a encarar a morte com maior naturalidade, como um processo incluído na vida. Ainda que a primeira reação possa ser de grande desolação, passados os instantes iniciais, a fé enquadra a esperança na ressurreição e na vida eterna.
Esta é a garantia de Jesus: «Quem acredita tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram. Mas este pão é o que desce do Céu, para que não morra quem dele comer. Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo».
2 – A promessa de Jesus começou a cumprir-se com a o mistério da encarnação. N’Ele, Deus faz-Se um de nós. Ao longo da Sua vida terrena, Jesus mostra-Se pronto para a entrega, para o sacrifício, para fazer com que a Sua vida traga vida abundante à nossa vida.
A Sua proximidade e vizinhança deixa muitos perplexos! É também assim connosco! Por vezes, surpreendemo-nos, positiva e negativamente, com os amigos e vizinhos; contamos com uns e há ocasiões em que a ajuda vem mesmo de quem não esperávamos.
Perante a clarividência das afirmações de Jesus, não é possível ficar-se indiferente, pelo menos a Quem o escuta. Logo chovem algumas críticas, murmurações, interrogações: «Não é Ele Jesus, o filho de José? Não conhecemos o seu pai e a sua mãe? Como é que Ele diz agora: ‘Eu desci do Céu’?».
Os judeus conhecem-n’O, sabem qual a Sua origem, quem são os Seus pais, a Sua terra! Porém, conhecem-n’O pela rama, pelo que ouviram dizer, pelos dados que permitem produzir estatísticas. Mas à Sua identidade mais profunda nem todos têm acesso. «Ninguém pode vir a Mim, se o Pai, que Me enviou, não o trouxer; e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia. Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino vem a Mim. Não porque alguém tenha visto o Pai; só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai».
3 – A Deus nunca jamais Alguém O viu, o Filho é que O dá a conhecer. Quem Me vê, dirá Jesus a Filipe, vê o Pai. Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida! Ninguém vai ao Pai se não por Mim! E, como se vê hoje, ninguém chega verdadeiramente a Jesus se o Pai o não impelir pelo Seu Espírito.
Jesus dá-nos acesso ao Pai. E só o Espírito do Pai é que nos permite saber Quem é Jesus, a Sua identidade primordial. Quando Pedro confessar que Jesus é o Messias, o Filho de Deus vivo, ouvirá de Jesus precisamente a resposta: não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas Meu Pai que está nos Céus.
Se olharmos para Jesus (com os olhos da carne) veremos um homem como os outros! Ainda que realize milagres. Se olharmos para Jesus com o coração, com os olhos da fé, veremos que é o Filho de Deus, o Pão descido dos Céus, mesmo que não fizesse qualquer prodígio.
Conhecer (verdadeiramente) Jesus leva-nos a acolhê-l’O, amá-l’O, segui-l’O, procurando agir do mesmo modo que Ele, dando a vida, sendo alimento oferecido, partilhado, multiplicado. Cabe-nos, pela oração, reconhecer-nos filhos, para nos tratarmos como irmãos em Cristo. “Deus eterno e omnipotente, a quem podemos chamar nosso Pai, fazei crescer o espírito filial em nossos corações para merecermos entrar um dia na posse da herança prometida”.
4 – O salmo desafia-nos a deixar-nos preencher da glória de Deus e a saborear o alimento que Ele nos dá. E o alimento duradouro é Ele próprio.
“A toda a hora bendirei o Senhor, o seu louvor estará sempre na minha boca. A minha alma gloria-se no Senhor: escutem e alegrem-se os humildes. / Enaltecei comigo o Senhor e exaltemos juntos o seu nome. Procurei o Senhor e Ele atendeu-me, libertou-me de toda a ansiedade. / Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes, o vosso rosto não se cobrirá de vergonha. Este pobre clamou e o Senhor o ouviu, salvou-o de todas as angústias. / O Anjo do Senhor protege os que O temem e defende-os dos perigos. Saboreai e vede como o Senhor é bom: feliz o homem que n’Ele se refugia”.
Se Ele vem em nosso auxílio, nada há a temer. Ele escuta-nos com amor. Rezemos-Lhe com o mesmo amor, confiantes que Ele não nos deixará sem resposta.
5 – Pessoas com fé podem passar por momentos de desolação, de dúvida e de hesitação, mas prevalecerá a promessa de Deus, a confiança que Ele não abandona os Seus servos. Ao longo da história encontramos amigos de Jesus que passaram por momentos de grande provação, como Joana d’Arc, Santa Teresinha do Menino Jesus, Santa Teresa de Calcutá.
Na Bíblia, encontramos outros exemplos, como Moisés perante as murmurações sistemáticas do povo; Jonas, depois de pregar em Nínive e chegar à conclusão que os seus avisos não surtiram o efeito que ele esperava, mas conduziram à salvação do Povo, que era a vontade de Deus.
Alguns Profetas enfrentam a adversidade, a perseguição e a morte. Pelo caminho, alguns deparam-se com o desencanto, pois anunciam Deus e as Sua palavras, mas não veem os furtos da sua pregação. O grande Profeta Elias mostra-nos bem que pode haver momentos de desalento, mas também nos possibilita ver que o alimento que nos vem de Deus reanima a nossa fé, a nossa esperança, e faz-nos caminhar, com alegria.
6 – Durante um dia, Elias percorreu o deserto. Ao entardecer, sentou-se debaixo de um junípero e exclamou: «Já basta, Senhor. Tirai-me a vida, porque não sou melhor que meus pais». Elias fica prostrado por terra. Há nuvens escuras sobre a sua cabeça, no seu coração. Anoiteceu. O cansaço toma conta dele. Sente-se derrotado. Mas Deus está com ele. Caminha com Ele também no deserto, no cansaço e nas trevas e ordena ao Seu anjo que o alimente. “Um Anjo tocou-lhe e disse: «Levanta-te e come». Ele olhou e viu à sua cabeceira um pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água. Comeu e bebeu e tornou a deitar-se”. O corpo alimenta-se, mas continua com os olhos pesados, com o corpo a puxá-lo para a desistência. Então, o Anjo do Senhor manifesta-se uma segunda vez e, tocando-lhe, diz: «Levanta-te e come, porque ainda tens um longo caminho a percorrer».
Agora sim, Elias percebe que não chegou ali sozinho. Caminhou à deriva, mas o Senhor nem por um instante o desamparou. Deus deu-lhe o tempo necessário para ele absorver as desilusões e lidar com as adversidades. Com Elias, percebemos que Deus está sempre perto de nós, envia-nos sinais, coloca alimento e fontes de água no nosso caminho. Se estivermos demasiado centrados em nós deixaremos de O ver, de perceber os Seus sinais e de nos alimentarmos da Sua presença.
“Elias levantou-se, comeu e bebeu. Depois, fortalecido com aquele alimento, caminhou durante quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus, Horeb”. Há momentos que temos o estômago cheio, mas estamos e sentimo-nos vazios, esfomeados. E há momentos, de tão preenchidos que estamos, em que nem nos apercebemos há quanto tempo estamos sem comer!
7 – O meu alimento é fazer a vontade de Meu Pai. Quando os apóstolos regressam da cidade, onde tinham ido comprar alimentos, encontram Jesus, que tinha estado a conversar com a Samaritana, junto ao poço de Jacob, insistem com Ele para que coma. Mas pelos vistos Jesus está saciado!
Seguindo Jesus, como discípulos missionários, cabe-nos procurar viver na mesma dinâmica. O nosso alimento, o meu e o teu, é fazer a vontade de Deus expressa na vida de Jesus, nas Suas palavras, prodígios, no mistério da Sua morte e ressurreição.
São Paulo recorda à comunidade cristã como deve viver para se manter fiel à sua origem e identidade, à sua pertença a Jesus Cristo. “Não contristeis o Espírito Santo de Deus… Seja eliminado do meio de vós tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência e toda a espécie de maldade. Sede bondosos e compassivos uns para com os outros e perdoai-vos mutuamente, como Deus também vos perdoou em Cristo. Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados. Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo, que nos amou e Se entregou por nós, oferecendo-Se como vítima agradável a Deus”.
A referência, o modelo, o paradigma é Jesus Cristo. Ele viveu amando, servindo, dando-Se, entregando-Se para que, eu e tu, e todos, tenhamos vida em abundância. O Apóstolo coloca-nos perante critérios e caminhos que nos permitem ser cristãos.
Pe. Manuel Gonçalves
Leituras para a Eucaristia (ano B): 1 Reis 19, 4-8; Sl 33 (34); Ef 4, 30 – 5, 2; Jo 6, 41-51.