Domingo XVI do Tempo Comum – ano B – 2024

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Domingo XVI do Tempo Comum – ano B – 2024

1 – A fé não é uma realidade abstrata. A fé liga-nos aos outros, no tempo e no espaço, ao passado, aos nossos contemporâneos e ao futuro, aos que estão perto e aos que estão longe, aos que peregrinam na história e aos que se encontram na eternidade de Deus.

Com efeito, “o para sempre é feito de agoras” (Emily Dickinson). Se vivêssemos idealmente como seres espirituais, sem fronteiras nem limites, sem corpos nem encontros, não seríamos o que somos, em vez de homens e mulheres, seríamos anjos, não seríamos deste mundo.

Somos de carne e osso, situamo-nos no tempo e na história. A nossa vida não se dilui em intenções, generalizações, globalizações, sem identidade nem rosto. A vida é concretizável no nascer, na interação com os nossos pais, irmãos, família, com os vizinhos, com os colegas de escola, com os colegas de brincadeira e, mais tarde, de trabalho.

Quando Jesus fala, ainda que fale às multidões, quando Jesus age, ainda que o faça a favor da humanidade inteira, fixa os olhos em pessoas concretas, com quem dialoga, a quem abraça, a quem sorri, a quem cura, a quem toca.

Quando olhamos para um líder mundial, ficamos com a sensação que é alguém inacessível, protegido por seguranças que não deixam ninguém aproximar-se. Está acima dos simples mortais. Jesus não é um líder mundial, nem uma superestrela. É uma pessoa simples, está aí, bem perto, cuidando de nós. Os apóstolos foram enviados a pregar, a curar, a expulsar os demónios. Partiram em nome de Jesus para fazer o bem às pessoas que encontrassem necessitadas de saúde/salvação. Regressam. Entusiasmados com a missão, contam tudo a Jesus, confidenciam-lhe o que viveram. Também nós somos chamados a confidenciar a nossa vida a Jesus.

Depois de os ouvir com atenção, a preocupação muito “banal” e humana de Jesus: «Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco». E são Marcos acrescenta: “De facto, havia sempre tanta gente a chegar e a partir que eles nem tinham tempo de comer. Partiram, então, de barco para um lugar isolado, sem mais ninguém”.

2 – A fé aproxima pessoas, não é incolor, vive-se no sorriso, na palavra, no gesto, num aperto de mão, num afago, numa selfie. A fé também não é um bicho de 7 cabeças, que nos isole ou nos eleve acima dos demais.

A delicadeza de Jesus ocupa por inteiro o Evangelho deste domingo e todo o domingo, toda a Palavra e toda a nossa vida. Depois da confidência dos apóstolos poderíamos esperar um belo discurso de Jesus, uma oração poética, mais perguntas ou mais recomendações. Jesus está atento aos seus amigos: vinde, descansai e comei, que bem precisais.

É uma delicadeza que se alarga à multidão.

“Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-Se de toda aquela gente, porque eram como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas”.

Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. Jesus interpreta os tempos. Há um tempo para alimentar o corpo. Não adianta pregar a estômagos vazios. Há um tempo para refletir, para orar, para dar sentido à vida, para apalavrar a existência.

Há pessoas miseráveis a viver em palácios, há pessoas felizes a viver em favelas. Quem tem muito pode pensar que a felicidade não passa pelos bens, ainda que não os dispense nem os partilhe com quem nada tem. A fé compromete-nos na transformação do mundo, na luta contra as injustiças, na promoção das pessoas e na inclusão dos mais frágeis.

A palavra já existia, Ela está no início, Jesus é a Palavra (o Verbo) de Deus que Se faz carne, Se faz corpo. Sem palavra, não há vida. É pela Palavra que Deus cria o mundo. Jesus põe-se a ensinar aquela multidão, quais ovelhas sem pastor que precisam de encontrar um sentido definitivo para as suas vidas. Jesus fala-lhes de Deus. Fala do Amor que é Deus e que abraça cada um. Fala-lhes de esperança e vida nova. Desafia-os a viver, a fazer da vida um milagre.

3 – Jesus faz-nos chegar à plenitude do tempo e da história.

E com Ele dá-nos Deus. O Céu está entre nós. Fez a Sua tenda no mundo. Mas desde sempre, desde que nos criou, que Deus não cessa de vigiar a nossa felicidade, desafiando-nos, envolvendo-nos, provocando-nos, alertando-nos para os perigos de desaparecermos. A Palavra de Deus é como espada de dois gumes, denúncia o mal para introduzir o bem.

Nos últimos domingos fomos visitados por Ezequiel e por Amós. Hoje Deus visita-nos pelo grande profeta Jeremias: «Ai dos pastores que perdem e dispersam as ovelhas do meu rebanho!… Vou ocupar-Me de vós e castigar-vos, pedir-vos contas das vossas más ações… Eu mesmo reunirei o resto das minhas ovelhas de todas as terras onde se dispersaram… Dar-lhes-ei pastores que as apascentem e não mais terão medo nem sobressalto; nem se perderá nenhuma delas… Dias virão, diz o Senhor, em que farei surgir para David um rebento justo. Será um verdadeiro rei e governará com sabedoria; há de exercer no país o direito e a justiça».

O que Deus diz aos pastores, diz a cada um de nós. Somos responsáveis uns pelos outros. Deus pedir-nos-á contas dos nossos irmãos. «Onde está o teu irmão Abel?» Caim bem se desculpa: «Sou, porventura, guarda do meu irmão?». Garantia de Deus para todos: «A voz de sangue do teu irmão clama da terra até Mim». (Gn 4, 8-16).

A promessa de Deus vem desde sempre. Caim é expulso do Jardim, mas é protegido por Deus. Há pastores que dispersam e perdem as ovelhas, mas Deus fará surgir um rebento justo, que para nós é Jesus, o Bom Pastor, que Se compadece da multidão e por ela dá a Sua vida. As palavras de Jesus identificam-se com o salmo. Ele “é meu pastor: nada me falta. Leva-me a descansar em verdes prados, conduz-me às águas refrescantes e reconforta a minha alma. Para mim preparais a mesa à vista dos meus adversários; com óleo me perfumais a cabeça, e o meu cálice transborda”.

5 – Jesus Cristo dá a Sua vida para nos congregar como povo santo: um só rebanho com um só pastor. Uma verdadeira família para Deus. Para que todos sejam Um como Eu e Tu somos Um (cf. Jo 17, 21) De todos os povos dispersos, Jesus forma o Seu corpo.

O sublinhado de São Paulo é ilustrativo: “Cristo é, de facto, a nossa paz. Foi Ele que fez de judeus e gregos um só povo e derrubou o muro da inimizade que os separava… E assim, de uns e outros, Ele fez em Si próprio um só homem novo, estabelecendo a paz. Pela cruz reconciliou com Deus uns e outros, reunidos num só Corpo, levando em Si próprio a morte à inimizade. Cristo veio anunciar a boa nova da paz, paz para vós, que estáveis longe, e paz para aqueles que estavam perto. Por Ele, uns e outros podemos aproximar-nos do Pai, num só Espírito”.

O ponto de partida, o fundamento e o fim da nossa vida é a Santíssima Trindade.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Jer 23, 1-6; Sl 22 (23); Ef 2, 13-18; Mc 6, 30-34.