Domingo XVII do Tempo Comum – ano B – 2024

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Domingo XVII do Tempo Comum – ano B – 2024

1 – O bem faz milagres e centuplica-se. O que se partilha, mesmo que pouco, dá para muitos! A docilidade e delicadeza de Jesus hão de mover-nos para a bondade para com todos, para que as palavras e os gestos produzam a abundância da ajuda, da partilha, da multiplicação do pão e da vida.

Na semana passada, seguindo o evangelho de São Marcos, víamos como Jesus, depois do regresso dos Apóstolos, procura proporcionar-lhes um momento de descanso. Mas a presença da multidão não Lhe permite um momento de pausa. É visível a compaixão para com aquelas muitas pessoas que se apresentam como ovelhas sem pastor, e recomeça a ensinar-lhes muitas coisas.

Hoje, outro evangelista, são João, mas o mesmo enfoque do cuidado, da atenção, da proximidade de Jesus e da Sua resposta pronta às necessidades da multidão que se aproxima, ora para O escutar, ora por ver os milagres que Ele fazia, por curiosidade ou arrastados pelos amigos e vizinhos. As multidões que vão a Fátima ou que vão ao encontro do Papa são movidas por diferentes razões, algumas vão quase por desporto ou para manter a linha, mas pode acontecer que Deus lhes dê a volta!

Jesus sobe ao monte, com os discípulos, levanta o olhar para a multidão que vem ao seu encontro. Se fosse político talvez ponderasse fazer um belo discurso, arrebatador, empolgante! E estaria no seu direito, pois as pessoas estavam ali por Sua causa. Mas Jesus olha mais longe, não tanto para uma multidão anónima a convencer, mas para as pessoas que a compõem, percebendo que tem de fazer alguma coisa para que não desfaleçam. Já diz o ditado que não se pode pregar a estômagos vazios!

2 – A primeira provocação é dirigida a Filipe: «Onde havemos de comprar pão para lhes dar de comer?». É provocação, pois o evangelista acrescenta que Jesus sabia o que ia fazer! Os discípulos vão-se apercebendo que não podem lavar as mãos diante das dificuldades e dos contratempos. Perante as dúvidas entrevistas por Filipe: «Duzentos denários de pão não chegam para dar um bocadinho a cada um», a ordem de Jesus é clara: «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mt 14, 16).

Os discípulos fazem as contas. As possibilidades são diminutas para a quantidade de pessoas. Nem dinheiro nem pão suficiente, como se vê pela intervenção de André: «Está aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Mas que é isso para tanta gente?». Os discípulos fazem sobretudo um diagnóstico, fixam-se nos problemas. Também nos acontece por vezes! Jesus procura respostas, aponta caminhos possíveis: «Mandai-os sentar». É tarefa que também nos cabe!

Jesus faz o que está ao Seu alcance. Toma os pães e os peixes, dá graças e distribui-os pelos 5 mil homens (além das mulheres e das crianças). Comeram quanto quiseram. Todos ficaram saciados. Por fim, Jesus manda que se recolha o que sobrou para que nada se perca. As sobras, com os bocados dos pães de cevada, deram para encher 12 cestos. A abundância da multiplicação ou da partilha.

São João, neste sexto capítulo do seu evangelho, fala-nos de Jesus como o Pão vivo que desce do Céu e Se torna alimento até à vida eterna. Recorde-se que o quarto evangelho não narra especificamente a Última Ceia, com a instituição da Eucaristia, mas narra o episódio do Lava-pés. Em todo o caso, como Seus discípulos havemos de imitar os Seus gestos. Aqui sobressai a certeza que com Cristo o alimento se multiplicará, sobejando em abundância. Dará para todos os presentes e para os que venham depois!

3 – O milagre da multiplicação continua a produzir-se na atualidade! Falta o milagre da partilha.

Jesus faz o que está ao Seu alcance. E nós? Como discípulos deste tempo temos em mão a tarefa de distribuir o pão que Deus nos dá em abundância.

Num primeiro momento vemos que os discípulos procuram situar Jesus diante dos obstáculos. A seguir, Jesus coloca-os, e a nós também, diante do compromisso com os outros, procurando respostas. André olha em volta e vê que há um rapazito que tem alguns pães (5) e alguns peixes (2), ainda que não perceba que já é uma ajuda enorme. Tendo em conta a simbologia hebraica, o 7 é o número da perfeição, da plenitude, têm o que é necessário para agir.

Mas não termina ali o trabalho dos discípulos. Eles são responsáveis por levar a Jesus o jovem rapaz com os pães e os peixes. Subentende-se que serão eles a distribuir os pães e os peixes pela multidão. Nota evidenciada nos evangelhos sinóticos. E depois de todos estarem saciados, sãos os discípulos que recolhem o que sobrou, para que nada se perca!

Ao longo do tempo, muitos se debruçaram sobre estes milagres da multiplicação dos pães, uns fixando-se mais no milagre da multiplicação, outros sobretudo no milagre da partilha. Há um exemplo concreto que pode ajudar-nos a perceber a partilha: sempre que havia uma excursão, passeio, piquenique, as pessoas levavam a mais para partilharem com quem tinha menos e, alguns, chegavam a casa com mais do que tinham levado. O Papa Francisco diz que o milagre não está no início, mas na partilha, acontece enquanto se distribuem os pães e os peixes. Mas seja qual for a acentuação, o milagre existe, sendo que é mais difícil a partilha que a multiplicação.

No nosso tempo, a riqueza, os alimentos, os bens de consumo multiplicaram-se e são mais que suficientes para toda a humanidade. Porém, a riqueza continua concentrada num número reduzido de pessoas, havendo uma multidão faminta a viver na miséria. Falta cumprir a partilha, a justa redistribuição da riqueza e dos bens materiais. Afinal, tudo o que existe no mundo é “multiplicado” a partir do que existe previamente a nós. As matérias-primas estão antes da produção. São de todos. Também o que daí se produz deveria chegar a todos.

4 – A primeira leitura traça um cenário idêntico ao do Evangelho, antecipando a abundância do alimento que nos vem de Deus. Um homem traz a Eliseu, o homem de Deus, 20 pães de cevada e trigo novo, os primeiros frutos da colheita.

O profeta poderia sentir-se honrado com tão generosa oferta, mas logo diz ao servo: «Dá-os a comer a essa gente». O servo, contudo, entrevê as dificuldades, calculando que 20 pães sejam insuficientes para saciar a fome a 100 pessoas. Eliseu, evocando a garantia do Senhor – comerão e ainda há de sobrar – manda que o servo faça o que lhe pede e distribua os pães por aquela gente. As pessoas comeram (até ficarem saciadas) e ainda sobrou, cumprindo-se a Palavra do Senhor.

Como este servo, como os discípulos, quantas vezes encolhemos os ombros, lamentando o que se passa e esperando que alguém resolva, pois é algo maior que as nossas forças e possibilidades. A oração pode desafiar-nos a confiar mais em Deus e agir mais confiantes: «Deus, protetor dos que em Vós esperam, sem Vós nada tem valor, nada é santo. Multiplicai sobre nós a vossa misericórdia, para que, conduzidos por Vós, usemos de tal modo os bens temporais que possamos aderir desde já aos bens eternos». Na oração é percetível que a vida eterna JÁ se manifesta na vida presente.

O salmista, mais que suplicar, evoca a certeza da benevolência de Deus: «Todos têm os olhos postos em Vós, e a seu tempo lhes dais o alimento. Abris as vossas mãos e todos saciais generosamente. O Senhor é justo em todos os seus caminhos e perfeito em todas as suas obras. O Senhor está perto de quantos O invocam, de quantos O invocam em verdade». A fé na bondade de Deus levar-nos-á a agir do mesmo modo, abrindo as mãos para a todos saciarmos generosamente.

5 – O que nos liga aos outros, despertando-nos para a solidariedade, não se reduz a uma dimensão meramente horizontal. Fazemos parte da mesma humanidade, temos uma origem comum, estamos no mesmo barco, beneficiamos do bem que os outros fazem, somos prejudicados pelo mal que os outros fazem. Assim também eles serão atingidos pelo bem e pelo mal que fizermos.

A horizontalidade já é um bom ponto de partida e, para quem não tem fé, pode ser a única referência. Para nós cristãos, e para os crentes de outras religiões, existe como critério mais duradouro e profundo: a relação vertical que garante, potencia e purifica a relação horizontal. A cruz traduz na perfeição as duas dimensões: um tronco que se fixa na terra e aponta para o alto, para os céus, e uma haste horizontal que aponta para os outros. Cristo faz-Se homem, mas é verdadeiro Deus, introduzindo-nos, pelo mistério da morte e da ressurreição, na vida divina. De braços abertos na Cruz, abraçando a humanidade; com os olhos e o coração a apontar para o Pai, nas mãos de Quem entrega o Seu Espírito.

Paulo desafia a nossa caridade. Não somos, diz-nos muitas vezes o Papa Francisco, uma ONG, por mais meritórias que sejam as ONG’s, somos Corpo de Cristo. A caridade não é apenas solidariedade que nos leva a fazer coisas pelos outros, mas exige de nós todo o tempo, em que tudo conta para expressar ternura e compaixão. Não damos coisas, bens materiais e ficámos sossegados. Também isso, mas não só isso, tempo, cuidado, afeto, presença, acompanhamento, inclusão, procurando não apenas ser vizinhos que se dão bem e se apoiam, mas tornar-se verdadeiramente irmãos, da mesma carne e do mesmo sangue, cujo fundamento, referência, início é Jesus Cristo.

Prisioneiro pela causa do Senhor, Paulo recomenda-nos o empenho pela unidade, agindo com humildade, mansidão e paciência: «suportai-vos uns aos outros com caridade», pois «há um só Corpo e um só Espírito… Há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, atua em todos e em todos Se encontra». Ligar-nos aos outros é ligar-nos a Deus!

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): 2 Re 4, 42-44; Sl 144 (145); Ef 4, 1-6; Jo 6, 1-15.