Domingo XXII do Tempo Comum – C – 2022
1 – Jesus passou fazendo o bem e curando os doentes. Esta afirmação é como que uma radiografia de Jesus, da Sua vida e missão entre nós. São Pedro, após a ressurreição, dá testemunho firme sobre o Mestre dos Mestres, sublinhando que Deus, que se revela em plenitude em Jesus Cristo, não faz exceção de pessoas (cf. Atos 10, 34-43).
O Evangelho deste Domingo mostra-nos isso mesmo. Num sábado, Jesus vai tomar uma refeição em casa de um dos principais fariseus. Todos O observam. Jesus não faz aceção de pessoas. Quando toma a iniciativa vai ao encontro das multidões, dos pobres, doentes, dos mais pequenos da sociedade. Se convidado ou interpelado, Jesus não deixa de entrar no coração, na casa, na vida dos “ricos”, dos fariseus, dos escribas. Ele veio para salvar-nos, a todos! Salva-nos do orgulho, da sobranceria, da soberba. Abramos-Lhe uma nesga e Ele irradiará de luz a nossa vida!
A riqueza que nos pesa e nos sobrecarrega, a riqueza que nos afasta dos outros e nos torna adversários e, até mesmo, inimigos, a guerrear pelo mesmo pedaço de terra, de ouro, de poder, transformar-se-á, com Jesus, terra de partilha, se nos deixamos guiar pelo Seu Espírito de Amor, em lógica pobreza e desprendimento! Só quem ama consegue olhar nos olhos do outro e reconhecê-lo como irmão ou como igual. Quem ama é pobre, pois predispõe-se a ser mendigo do amor e da felicidade do outro. É esta a pobreza de Jesus e há de ser a dos seus discípulos. A pobreza espiritual gera abertura e liga-nos aos outros, comprometendo-nos na construção de um mundo que seja casa de todos e para todos e em que todos nos sintamos, de verdade e de facto, irmãos.
A opção preferencial de Jesus pelos mais pobres não é excludente, é prioridade, prevalência, iniciativa de ir ao encontro de quem (mais) precisa. A preocupação de Jesus é reabilitar, curar, incluir, devolver direitos de cidadania e fazer com que se sintam filhos amados de Deus que é Pai.
2 – Os fariseus são um grupo (religioso) proeminente e respeitado, ou temido, pela comunidade. Referido a este ou outro grupo, nenhum epíteto será motivo para Jesus o manter à margem ou manter-Se afastado. Ao longo da Sua vida pública, os evangelhos mostram confrontos entre Jesus e fariseus, saduceus, doutores da Lei.
Houve, na verdade, momentos de crispação e de discordância entre Jesus e os fariseus, pelo que mais se estranha o convite que Lhe é feito por parte de uma figura proeminente. Mas também é admirável que Jesus não tenha hesitado em aceitar tal convite. No mundo judaico, sentar-se com alguém à mesa implica familiaridade e proximidade, diria, supõe comunhão de ideias e de vida. É normal que os olhos se fixem em Jesus para ver o que Ele dirá ou o que fará.
Por sua vez, diz-nos o evangelista, também Jesus observa os convidados e não Se sente constrangido por estar em casa deste homem “importante”, e também aí não deixará de dizer o que pensa e ao que vem. O anúncio do Reino de Deus não tem pausas, nem conveniências, é para todos, em todo o tempo e em todas as situações e circunstâncias.
Os convidados atropelam-se para escolherem os primeiros lugares, o mais próximo do dono da casa, para serem servidos em primeiro lugar e na certeza que nesses lugares as iguarias serão mais abundantes. Então Jesus diz-lhes: «Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu; então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer: ‘Dá o lugar a este’; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar. Por isso, quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar; e quando vier aquele que te convidou, dirá: ‘Amigo, sobe mais para cima’; ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».
Um conselho muito útil para uma convivência social salutar, mas apontando também para as opções do Reino de Deus. É de notar que nos nossos dias, para evitar esses constrangimentos, nas refeições de batizados e casamentos os lugares são previamente determinados!
3 – Na primeira leitura é-nos oferecida a sabedoria de Ben-Sirá, que está em sintonia com as palavras proferidas por Jesus, apontando a humildade como caminho para o reconhecimento. O estatuto social, político ou religioso, ou a responsabilidade na comunidade, deve levar a uma maior humildade: “Quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te e encontrarás graça diante do Senhor. Porque é grande o poder do Senhor e os humildes cantam a sua glória”. A abertura aos outros, o reconhecimento que podemos aprender com eles, a missão do serviço ao próximo, segundo o mandato do Senhor, ajuda-nos a amadurecer e torna-nos verdadeiramente irmãos.
Pelo contrário, diz o sábio de Israel ao seu filho e nós também, “a desgraça do soberbo não tem cura, porque a árvore da maldade criou nele raízes”. A soberba e a arrogância impedem-nos de reconhecer a sabedoria que nos encaminha para o bem e nos liga aos outros.
Ressoam as palavras de Jesus ditas aos Seus discípulos e que hoje somos nós: o Filho do Homem veio para servir, não para ser servido; quem entre vós quiser ser o primeiro seja o último e o servo de todos.
4 – Logo de seguida, Jesus acrescenta: «Quando ofereceres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos nem os teus irmãos, nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos, não seja que eles por sua vez te convidem e assim serás retribuído. Mas quando ofereceres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te: ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos».
Clarividente, nestas palavras, a opção preferencial de Jesus: os mais pobres, aqueles que a sociedade colocou de parte ou que as circunstâncias da vida atiraram para as margens. Uma Igreja pobre, humilde, transparente, disponível, lunar, deixando que a Luz brilhe através das suas opções, ao serviço dos mais pobres, ao lado dos injustiçados, a favor da vida e da paz, da conciliação e de um mundo mais fraterno.
A postura de Jesus é revolucionária, desafiando-nos ao cuidado, atenção e serviço dos mais frágeis. Há mais alegria em dar do que em receber! O que fizerdes ao mais pequenos dos meus irmãos é a Mim que o fazeis.
5 – Com o Batismo, tornamo-nos novas criaturas. Mortos para o pecado, ressuscitamos com Cristo para vivermos na dinâmica do Reino de Deus, na paz e na alegria, no amor e no serviço, na justiça e na verdade. A oração dilata o nosso coração e predispõe-se a acolher a vontade de Deus que, por sua vez, nos compromete uns com os outros. «Deus do universo, de quem procede todo o dom perfeito, infundi em nossos corações o amor do vosso nome e, estreitando a nossa união convosco, dai vida ao que em nós é bom e protegei com solicitude esta vida nova».
Como nos recorda a Epístola aos Hebreus, no mistério pascal de Jesus Cristo, aproximamo-nos da eternidade, pelo que devemos prosseguir até atingir a perfeição de Cristo, mediador da Nova Aliança, oferecendo-Se e oferecendo-nos ao Pai para que tenhamos vida em abundância.
A referência não somos nós, nem as nossas limitações, mas Jesus e o Seu amor infinito por nós, por todos, preferencialmente pelos mais desfavorecidos. Prossigamos na Sua senda, para que Ele viva em nós e (também) através de nós Se manifeste ao mundo.
O salmista coloca-nos na mesma atitude de reconhecimento e louvor de Deus, acolhendo os Seus desígnios e a certeza das Suas maravilhas a favor dos oprimidos. «Cantai a Deus, entoai um cântico ao seu nome… Pai dos órfãos e defensor das viúvas, é Deus na sua morada santa. Aos abandonados Deus prepara uma casa, conduz os cativos à liberdade. / Derramastes, ó Deus, uma chuva de bênçãos, restaurastes a vossa herança enfraquecida. A vossa grei estabeleceu-se numa terra que a vossa bondade, ó Deus, preparara ao oprimido».
O que rezamos leva o nosso propósito de o realizar ou o de criar as condições facilitadoras para que Deus possa agir em nós e através de nós.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (C): Sir 3, 19-21. 30-31; Sl 67 (68); Hebr 12, 18-19. 22-24a Ev: Lc 14, 1. 7-14.