Domingo XXIII do Tempo Comum – ano B – 2021

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Domingo XXIII do Tempo Comum – ano B – 2021

1 – «Tende coragem, não temais. Aí está o vosso Deus; vem para fazer justiça e dar a recompensa; Ele próprio vem salvar-nos».

O Profeta Isaías convoca-nos à coragem e à esperança. Os tempos podem ser adversos, mas Deus não abandona o Seu povo, não abandona os seus fiéis. Ele próprio virá como justo Juiz, como Bom Pastor, como Deus connosco, Mensageiro da Paz, para nos guiar por caminhos seguros e nos conduzir ao redil, à comunidade, para que sejamos família.

Então, prossegue o Profeta, “se abrirão os olhos dos cegos e se desimpedirão os ouvidos dos surdos. Então o coxo saltará como um veado e a língua do mudo cantará de alegria. As águas brotarão no deserto e as torrentes na aridez da planície; a terra seca transformar-se-á em lago e a terra árida em nascentes de água”.

A harmonia e a felicidade, a saúde e a paz estão inscritas no coração de cada um de nós. Diante dos contratempos, o desânimo e desalento ou a paciência e a expectativa. Nem todos reagimos da mesma forma e cada um, em momentos diferentes, poderá reagir de maneira distinta. Porém, Isaías não nos desafia ao otimismo, mas à esperança em Deus que não falta às Suas promessas e está presente, não apenas nos dias bons, mas em todo o tempo, também no meio da tormenta.

A esperança é uma virtude teologal, é-nos concedida por Deus. Por isso, tal como a fé e a caridade, devemos rezá-la para que Deus não nos falte com a Sua ternura. Melhor, Ele não nos falta, mas por vezes o nosso coração está fechado diante das tempestades que nos sucedem. O otimismo, como a expectativa, firma-se no nosso desejo que as coisas corram bem ou que melhorem, entretanto. Não há promessas, não há certezas, existe apenas o nosso anseio. É uma atitude mais passiva, esperamos que as circunstâncias mudem a nosso favor. A esperança baseia-se no amor de Deus e na fé que a Ele nos une. Deus é garantia de salvação. Por maiores que sejam as tempestades, Ele mantém-Se perto de nós, deixa-Se ver, faz-Se sentir. Neste caso, a espera é ativa, leva-nos a agir, a comprometer-nos com os outros e com o mundo, sabendo que a última palavra é de Deus. Portanto, podemos viver na certeza de que Deus não falha e não nos deixa para trás, e que não é em vão o que fizermos em Seu nome.

2 – A promessa de Deus, revelada pelos Patriarcas e Juízes, pelos Reis, Profetas e Sacerdotes, cumpre-Se em Jesus Cristo. Ele é o Príncipe da Paz, o Emanuel, o Messias que nos traz a bondade e a misericórdia de Deus, que nos mostra como Deus age no mundo e na história, atendendo as nossas preces.

Alguns poderão desejar uma fé apenas espiritual e pessoal, entre eles e Deus, desligada da vida, ou remetida para a esfera privada, mas essa não é a fé que Jesus nos traz. A fé que move Jesus liga-O e compromete-O com cada pessoa, especialmente com quem sofre. Veio para nos mostrar a vontade do Pai, o amor do Pai, a misericórdia do Pai e realizar as Suas obras, para que ninguém se perca. Ele não deixa ninguém sem resposta. Faz o que está ao Seu alcance. Sabendo disso, trazem-Lhe um surdo que mal podia falar. Suplicam e intercedem por este homem, para que imponha as mãos sobre ele.

Jesus retira-Se com este homem surdo, com dificuldades de comunicar, para um lugar mais reservado, “meteu-lhe os dedos nos ouvidos e com saliva tocou-lhe a língua. Depois, erguendo os olhos ao Céu, suspirou e disse-lhe: «Efatá», que quer dizer «Abre-te». Imediatamente se abriram os ouvidos do homem, soltou-se-lhe a prisão da língua e começou a falar corretamente”.

O bem mostra-se por si mesmo, não é preciso exibi-lo, ainda que não faça mal anunciá-lo, neste tempo de comunicação, até para contrapor a todo o mal, não como exibição barata, mas como desafio e certeza que é possível mudar o mundo.

O que Isaías anunciava realiza-se com a vinda de Jesus, os cegos veem, os coxos andam, os surdos ouvem, os mudos falam, os oprimidos são libertados. Com Jesus inicia um tempo novo, de graça e de salvação, irrompe um reino de justiça e de paz. «Tudo o que faz é admirável: faz que os surdos oiçam e que os mudos falem». Jesus recomenda discrição, mas a alegria gera anúncio. Até podemos sofrer sozinhos, mas é mais difícil fazer festa individualmente.

3 – Também o Salmo nos faz ver a soberania de Deus e o Seu amor por todas as criaturas, especialmente por esta obra-prima que Ele criou à Sua imagem e semelhança.

“O Senhor faz justiça aos oprimidos, dá pão aos que têm fome e a liberdade aos cativos. O Senhor ilumina os olhos dos cegos, o Senhor levanta os abatidos, o Senhor ama os justos. O Senhor protege os peregrinos, ampara o órfão e a viúva e entrava o caminho aos pecadores. O Senhor reina eternamente; o teu Deus, ó Sião, é rei por todas as gerações”.

Olhando para a frente, vemos como Jesus traduz e concretiza, no tempo, este reinado de Deus.

4 – O conteúdo da fé, que Jesus nos anuncia, faz-nos reconhecer e sentir que somos filhos amados de Deus e que não há nenhuma desolação que possa colocar em causa o amor divino. Deus é Pai que nos ama com coração de Mãe. Na Sua infinita misericórdia, criou-nos por amor, por amor nos chama à vida e, na fidelidade a este amor eterno, garante-nos vida em abundância além das fronteiras da história e do tempo.

Iniciámos a Eucaristia a rezar a nossa fé, a solidificar a nossa esperança, na certeza da nossa filiação e do favor de Deus que vem em socorro das nossas dúvidas e aflições, das nossas hesitações e dos nossos pecados. “Senhor nosso Deus, que nos enviastes o Salvador e nos fizestes vossos filhos adotivos, atendei com paternal bondade as nossas súplicas e concedei que, pela nossa fé em Cristo, alcancemos a verdadeira liberdade e a herança eterna”.

A oração sintoniza-nos com a liturgia da Palavra e com as nossas súplicas. Por outro lado, quando nos dirigimos ao Pai comum, o que pedimos é para também vivermos e partilharmos com os outros. A fé comporta riscos… arriscamo-nos a gastar a vida em prol dos outros ao modo de Jesus, não apenas dando, mas dando-nos. A esperança anima o nosso compromisso caritativo, pois mesmo que não vejamos frutos imediatos, estamos certos que Deus está a operar na história das nossas vidas e do mundo.

5 – A Epístola de São Tiago, que nos vem a ser servida como segunda leitura, põe-nos de sobreaviso sobre a fé que professamos. É sobejamente conhecida a expressão desafiadora do Apóstolo: mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé. A fé que professamos tem como paradigma Jesus Cristo, a Sua vida dada por inteiro, a Sua mensagem, os seus gestos e as suas obras. Há, desde logo, uma grande intimidade de Jesus com Deus Pai, visível nos momentos de oração, mas também nos prodígios realizados. A cada momento cabe-nos aferir se também a nossa vida, o nosso proceder, a nossa intimidade com o Pai estão no mesmo comprimento de onda.

Com efeito, diz São Tiago, “a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo não deve admitir aceção de pessoas”. Mas  para que não haja interpretações conforme o gosto de cada um, o Apóstolo exemplifica: “Pode acontecer que na vossa assembleia entre um homem bem vestido e com anéis de ouro e entre também um pobre e mal vestido; talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais: «Tu, senta-te aqui em bom lugar», e ao pobre: «Tu, fica aí de pé», ou então: «Senta-te aí, abaixo do estrado dos meus pés». Não estareis a estabelecer distinções entre vós e a tornar-vos juízes com maus critérios? Escutai, meus caríssimos irmãos: Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que Ele prometeu àqueles que O amam?”

Esta passagem da Epístola remete-nos, como não poderia deixar de ser, para Jesus e está em conformidade com as intervenções dos outros apóstolos, de São Pedro (Deus não faz aceção de pessoas), de São Paulo (Ele que era rico, fez-Se pobre…), de São João (é mentiroso aquele que diz amar a Deus e odeia o seu irmão…).

6 – Peçamos ao Senhor, nosso Deus, que abra os nossos ouvidos para escutarmos os lamentos e sofrimentos dos irmãos, que solte a nossa língua para dizermos o bem, abençoarmos os outros e comunicarmos as maravilhas que Deus realiza em nós e no mundo, que ilumine os nossos olhos para nos reconhecermos como irmãos. Que a exemplo de Maria, acolhendo a vontade de Deus, corramos a anunciar a paz, a comunicar a boa notícia e a ajudar quem precisa de um abraço e de um sorriso, de quem precisa de uma mão e do pão.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Is 35, 4-7a; Sl 145 (146); Tg 2, 1-5; Mc 7, 31-37.