Domingo XXIV do Tempo Comum – C – 2022

Watch Now

Download

Domingo XXIV do Tempo Comum – C – 2022

1 – O amor em nós é imperfeito. Melhor, não é o amor que é imperfeito, nós é que somos limitados e vacilantes! Não somos deuses, somos humanos, estamos a caminho, em estado de crescimento, constante, e de aprendizagem. Não sabemos tudo e não temos acesso imediato a todo o conhecimento do mundo para, em tempo real, nas escolhas que fazemos, no que dizemos, tomarmos as melhores decisões.

A nossa imperfeição não é um obstáculo à vivência do amor, pelo contrário, desde que tenhamos consciência das nossas fragilidades e, ainda assim, apostemos em dar o melhor de nós e a buscar o melhor dos outros, sem desistir, sem ter medo, sem viver obcecados por um mundo perfeito! Isso não significa que em cada momento não procuremos o melhor mundo e melhorar o mundo em que vivemos.

O amor é a maior força que existe no ser humano. Melhor, é a força divina que nos habita! Por amor, Deus criou-nos e por amor nos desafia a viver na alegria e na abundância. Sem amor, a vida humana não existiria, pois é o amor que nos une, nos aproxima, nos humaniza. A falta de amor, ao invés, desumaniza-nos, desagrega-nos, desfamiliariza-nos.

O amor não se faz, quando muito constrói-se, melhor, alimenta-se, cultiva-se! Vale aqui a máxima popular “Não se dá o que não se tem!”. Ou se tem ou não se tem. Não fazemos amor! Daí também o relativismo de dizermos que amamos muito! Ou amamos ou não amamos! O amor não é quantificável. Liga-nos ao outro/a totalmente, por inteiro. Pedaços de amor, não são amor! Não há meias verdades! Não há meios buracos! Ou meia escuridão! Contudo, precisamos de dizer e exprimir o amor, também em palavras, mesmo que insuficientes!

Por vezes, dizemos que para uma relação dar certo é preciso muito mais que amor! Talvez sim! Ou talvez não! Ama e faz o que quiseres, diz-nos Santo Agostinho. O amor inclui outros ingredientes. Diz-nos São Paulo: “O amor é paciente, o amor é prestável, não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita nem guarda ressentimento. Não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará” (1 Cor 13, 4-8).

2 – Jesus mostra que o amor de Deus não tem limites, não faz aceção de pessoas, privilegia os excluídos, os pequenos, os pobres! Alegra-se com os retornados à vida, pródigos de amor e de perdão, a precisarem de um olhar, um abraço, um colo!

Jesus não exclui ninguém, optando, prevalentemente, por se aproximar dos excluídos: doentes, mulheres, crianças, pecadores, publicanos, pobres, estrangeiros, pessoas malquistas como os samaritanos. Mas, como se percebe, optar, preferir não é excluir. Não são os sãos que precisam de médico! O filho do Homem veio para os pecadores, para os que estavam perdidos! São estes que precisam de cura e de ser integrados na família e na sociedade.

A intimidade de Jesus com os publicanos e com os pecadores gera desaprovação por parte dos fariseus e dos doutores da Lei. Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és! Se Jesus viesse de Deus, se fosse profeta, dizem eles, então deveria ser próximo dos bons, dos justos, das pessoas com um estatuto social mais elevado. Junta-te aos bons e serás como eles, junta-te aos maus e serás pior que eles! Ora, Jesus junta-se precisamente aos que são considerados ralé, lixo, escumalha! Para ser como eles? Pelo contrário, para os reabilitar! Vale a primeira parte da expressão, invertendo-a, quem se junta a Jesus pode tornar-se justo, delicado e bondoso como Ele! Fareis as obras que Eu faço e ainda maiores!

3 – Para responder às murmurações, Jesus conta-lhes uma parábola (que se desdobra em três). Vale a pena ler e reler cada uma das parábolas. A primeira salienta a alegria do Bom Pastor por reencontrar a ovelha perdida: «Quem de vós, que possua cem ovelhas e tenha perdido uma delas, não deixa as outras noventa e nove no deserto, para ir à procura da que anda perdida, até a encontrar? Quando a encontra, põe-na alegremente aos ombros e, ao chegar a casa, chama os amigos e vizinhos e diz-lhes: ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida’».

A segunda expressa a felicidade, que se converte em festa, da mulher que encontra a moeda perdida: «Qual é a mulher que, possuindo dez dracmas e tendo perdido uma, não acende uma lâmpada, varre a casa e procura cuidadosamente a moeda até a encontrar? Quando a encontra, chama as amigas e vizinhas e diz-lhes: ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma perdida’».

E Jesus conclui dizendo que «haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se arrependa, do que por noventa e nove justos, que não precisam de arrependimento… haverá alegria entre os Anjos de Deus por um só pecador que se arrependa».

4 – A terceira das parábolas é das mais expressivas de todo o Evangelho: um Pai tem dois filhos, a quem dá tudo, tempo, carinho e bens!

O mais novo conclui que é tempo de abalar e experimentar novas coisas, conhecer outros mundos, encontrar outras pessoas. Talvez haja um mundo melhor, uma vida mais festiva e mais descontraída, sem o olhar do Pai, sem precisar de trabalhar! Sai de casa e cedo esbanja os seus bens, perdendo-se numa vida dissoluta. Os novos amigos são-no enquanto tem dinheiro, deixam de o ser quando ele precisa de ajuda. Após tantos contratempos e adversidades percebe que a felicidade que procurava afinal esteve sempre em casa do Pai. E regressa, pedindo perdão, reconhecendo que nem merece ser tratado por filho, tal foi o desplante em desejar a morte ao pai (a herança recebe-se por morte dos progenitores).

A figura do Pai ocupa toda a parábola e “justifica” a postura de Jesus, transparecendo a misericórdia de Deus que age como Pai, com amor de Mãe. Se olharmos para cada pormenor da parábola talvez nos faça espécie a benevolência paterna, a safadeza do filho mais novo que, aparentemente, é recompensado pelo seu atrevimento. É precisamente isso que o filho mais velho faz sentir ao Pai: esse teu filho consumiu os teus bens com mulheres de má vida e tu faz-lhe uma festa, matando o vitelo gordo? Como vemos, o filho mais velho assume-se filho, mas não reconhece o irmão. Para ele, o irmão morreu, desapareceu, fugiu, não é justo readquirir o estatuto de filho!

Se o nosso olhar for o do Pai então valorizaremos a vida, a felicidade dos filhos (o bem dos outros) e o amor que sentimos e, consequentemente, deixaremos de nos fixar nos erros, nos pecados, nas injustiças! Não é fácil! Em nós prevalece (sobretudo) a consciência da justiça, da verdade e do meritório. O mérito deve ser compensado! Mas sem negar tudo isso, Jesus desafia-nos a revestirmos as nossas escolhas com a misericórdia de Deus. São os pecadores que precisam de amor! São os doentes que precisam de aconchego! São os pródigos que precisam de abraços! Mas o amor do Pai, o carinho da Mãe, não é divisível, chega para um, dois, três, cem filhos. Dá-se a cada um totalmente! A injustiça é superada pelo amor, pela alegria e pela festa. Tenho a impressão que esta parábola só será bem compreendida por aqueles que são pais e, melhor, pelas mães. Se um filho estiver doente vai merecer toda a atenção, cuidado, toda a disponibilidade materna/paterna… e outros filhos vão sentir-se (um pouco) excluídos e até quererão ficar doentes para receberem o mesmo tratamento fidalgo!

5 – Dum ponto de vista de justiça e numa perspetiva económica, teríamos muito que contestar. Há um desperdício muito grande de recursos. A mulher que encontra a moeda perdida, gasta muito mais no chá com as vizinhas do que o valor da moeda. O pastor que sai em busca da ovelha perdida não terá corrido o risco de perder as noventa e nove? O filho pródigo gastou a herança e o pai gasta uma fortuna para manifestar a alegria do reencontro! Jesus seria um péssimo ministro das finanças!

Em algum momento, por certo, todos já fizemos constatações semelhantes: os pais esfolaram-se a trabalhar para os filhos estoirarem tudo! Mas se falarmos com os pais, vão encolher os ombros e continuar a sacrificar-se pelos filhos. Não há dinheiro nenhum que compre o amor ou a felicidade! E onde o amor se expressa de forma mais sublime, umbilical, é precisamente no amor que liga a Mãe ao Filho. É este o AMOR que Deus nos manifesta em Cristo que, sem culpa, entrega a Sua vida por nós.

6 – A vontade de Deus é que ninguém se perca. É esse o mistério da Encarnação. É esse o mistério maior da nossa fé: a morte e a ressurreição de Jesus. É isso que nos dizem as parábolas. Alguém perdido, uma ovelha, uma moeda, um filho… é demasiado para um amor infindo!

A oração inicial da Eucaristia dá tom a toda a celebração: «Deus, Criador e Senhor de todas as coisas, lançai sobre nós o vosso olhar; e para sentirmos em nós os efeitos do vosso amor, dai-nos a graça de Vos servirmos com todo o coração». Comprometemo-nos com o que pedimos: olhar para a vida e para os outros com o olhar de Deus, fazendo sobressair os efeitos do amor em nós.

Na primeira leitura, o Senhor alerta Moisés para que se despache e desça rapidamente para junto do povo que se transviou. Moisés interroga-se se não será tempo de Deus se inflamar e castigar o povo, mas logo percebe que o Deus libertador não poderá coincidir com um Deus destruidor!

7 – Na missiva a Timóteo, Paulo apresenta-nos o testemunho pessoal da sua redenção. “Alcancei misericórdia, porque agi por ignorância, quando ainda era descrente. A graça de Nosso Senhor superabundou em mim, com a fé e a caridade que temos em Cristo Jesus”.

A salvação revelada em plenitude em Jesus Cristo é para chegar a todos. Na verdade, diz-nos Paulo, “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores e eu sou o primeiro deles. Mas alcancei misericórdia, para que, em mim primeiramente, Jesus Cristo manifestasse toda a sua magnanimidade, como exemplo para os que hão de acreditar n’Ele, para a vida eterna”. Como em outros lugares e momentos, o Apóstolo sublinha a instrumentalidade da sua conversão, vocação e missão. Cristo chamou-me e enviou para que outros possam alcançar, através de mim e de ti, a mesma graça.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Ex 32, 7-11. 13-14; Sl 50 (51); 1 Tim 1, 12-17; Lc 15, 1-32.