Domingo XXIX do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo XXIX do Tempo Comum – C – 2022

1 – A oração é o combustível da fé! É uma expressão que escutamos amiúde. Se a fé é dom, dádiva de Deus, acolhido por mim e por ti, então há que o agradecer e que o alimentar, através da oração, procurando traduzir em obras e compromisso quanto Deus nos pede. Quando vamos rezar, fazemo-lo, na maioria das vezes, talvez, como interceção, súplica, prece, pedindo a Deus que realize o que Lhe pedimos. Mas a oração também tem outro sentido ou direção: o que nos é pedido por Deus. Sem esquecer o louvor e a ação de graças.

A oração é diálogo, falamos e escutamos. Pode ser por esta ordem, mas talvez devêssemos, assim nos dizem os santos e os místicos, procurar, primeiramente, colocar-nos à escuta para percebermos o que Deus nos pede em cada momento e em cada situação. Então, ao invés de pedirmos a Deus para que se realize a nossa vontade, comecemos por pedir, como no Pai-nosso, que se realize a Sua santa vontade, em nós e para o mundo.

Jesus incentiva os seus discípulos a rezar, sempre, sem desanimar, na certeza que Deus não deixará de atender as suas súplicas. A vida de Jesus, narrada nos evangelhos, é atravessada pela oração. Nos momentos fundamentais, início da vida pública, chamamento dos apóstolos, ressuscitação de Lázaro, Última Ceia (antes das horas que O levarão à Cruz), no Jardim das Oliveiras e, quando as forças ameaçam deixá-l’O, no alto da Cruz, continua a ser a oração o Seu chão, ligando-O a Deus, Seu e nosso Pai.

2 – Já antes Jesus tinha desafiado os Seus discípulos à persistência e confiança na oração: «Pedi e ser-vos-á dado, procurai e encontrareis, batei e abrir-se-vos-á; pois todo o que pede recebe, o que procura encontra, e ao que bate abrir-se-á. Haverá algum pai entre vós a quem o filho peça um peixe, e em vez do peixe lhe dê uma serpente? Ou que peça um ovo e lhe dê um escorpião? Ora, se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espírito Santo àqueles que lho pedem» (Lc 11, 9-13).

A parábola de hoje é diferente, mas assume contornos semelhantes. Jesus revela a confiança em Deus, desafiando à oração constante dos discípulos: «Em certa cidade vivia um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. Havia naquela cidade uma viúva que vinha ter com ele e lhe dizia: ‘Faz-me justiça contra o meu adversário’. Durante muito tempo ele não quis atendê-la. Mas depois disse consigo: ‘É certo que eu não temo a Deus nem respeito os homens; mas, porque esta viúva me importuna, vou fazer-lhe justiça, para que não venha incomodar-me indefinidamente’».

A conclusão é óbvia, se o juiz, que é iníquo e que não respeita ninguém, tratando tão somente dos seus interesses, acaba por ouvir os apelos insistentes daquela pobre viúva, muito mais Deus concederá o Espírito Santo àqueles que Lho pedem. «E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar muito tempo? Eu vos digo que lhes fará justiça bem depressa. Mas quando voltar o Filho do homem, encontrará fé sobre a terra?».

Para que a oração seja autêntica é necessária a fé. São dois elementos interligados. A fé é dom de Deus que se reza, se suplica, para que Ele, o Bom Deus, sustente e amadureça a nossa fé. Mas, por outro lado, é a fé que nos permite rezar. Só rezamos porque acreditamos que Deus existe e que Deus é bom. Há momentos em que sobrevém a dúvida ou a hesitação, mas a experiência de descoberta e de encontro com o Deus de Jesus Cristo permite-nos rezar também nas trevas, também na travessia dos desertos e das tempestades.

3 – O povo de Israel faz a experiência de um Deus que liberta e guia. Através de Moisés, Deus liberta o povo da escravidão do Egito e guia-o através do deserto em direção a Canaã, terra onde corre leite e mel, terra de abundância, de liberdade e de paz.

Para entrar na Terra Prometida, os hebreus têm de fazer pela vida. Deus aponta o caminho, mas cabe-lhes desbravar esse caminho e percorrê-lo, enfrentando as adversidades que vêm pela frente. A confiança em Deus e a certeza de que lhes é favorável, permitem a resistência e o combate: «Quando Moisés tinha as mãos levantadas, Israel ganhava vantagem; mas quando as deixava cair, tinha vantagem Amalec. Como as mãos de Moisés se iam tornando pesadas, trouxeram uma pedra e colocaram-na por debaixo para que ele se sentasse, enquanto Aarão e Hur, um de cada lado, lhe seguravam as mãos. Assim se mantiveram firmes as suas mãos até ao pôr do sol e Josué desbaratou Amalec e o seu povo ao fio da espada».

Obviamente, Deus não é belicista. Deus-guerreiro é uma imagem de Deus que os judeus terão que purificar e que Jesus desmistifica e corrige. Sublinha-se, porquanto, a fé de Moisés e de todo o povo. A vitória, segundo eles, deve-se à intervenção de Deus. Eles lutam, mas entregam-se confiantes no auxílio do Senhor Deus.

4 – O salmista faz-nos levantar os olhos para o monte, para o alto: «O meu auxílio vem do Senhor, que fez o céu e a terra. / Não permitirá que vacilem os teus passos, não dormirá Aquele que te guarda. Não há de dormir nem adormecer Aquele que guarda Israel. / O Senhor é quem te guarda, o Senhor está a teu lado, Ele é o teu abrigo. O sol não te fará mal durante o dia, nem a lua durante a noite. / O Senhor te defende de todo o mal, o Senhor vela pela tua vida. Ele te protege quando vais e quando vens, agora e para sempre».

É uma oração que exprime bem a confiança do salmista, convidando-nos a rezar com a mesma persistência e convicção. Por outras palavras, somos interpelados a fazer a experiência da fé, a olharmos bem no fundo da nossa alma, para descobrirmos e nos encontrarmos com a voz de Deus que ressoa em nós. Ele não nos falha. E nós, entregamo-nos a Ele de todo o coração? Confiamos-Lhe a nossa vida? Acreditamos na Sua palavra, também, nas adversidades? Deus salva-nos, mas não age sem que Lho permitamos. Bate à nossa porta, mas só entra se Lhe abrirmos a porta e O deixarmos entrar. Como dirá santo Agostinho, criou-se sem nós, mas não nos salva sem nós, sem a nossa permissão, a nossa cooperação, sem acolhermos a Sua vontade, o Seu amor.

Ao rezarmos, perscrutemos os desígnios de Deus para nós e para o mundo. Se estamos ligados ao Senhor, n’Ele estamos ligados e comprometidos uns com os outros. «Deus todo-poderoso e eterno, dai-nos a graça de consagrarmos sempre ao vosso serviço a dedicação da nossa vontade e a sinceridade do nosso coração». Criemos as condições para que Deus possa agir em nós e através de nós.

5 – A fé, como a oração, alimenta-se da Palavra de Deus. Tanto quanto possível, todos os dias deveríamos ler e/ou escutar e meditar a Palavra de Deus, deixando-nos inspirar pelo amor que atravessas as páginas da Bíblia. A história é lugar de encontro com o amor de Deus. Deus não é uma ideia abstrata que só encontraremos se nos alhearmos de tudo. Podemos encontrá-l’O nos acontecimentos, na história, nas pessoas com quem nos cruzamos.

Os hebreus perceberam isso e cuidaram por nos transmitir os tempos, os lugares, os acontecimentos em que vislumbraram a mão, a presença de Deus. Em Jesus Cristo, Deus faz-Se história, faz-Se um de nós, entra no tempo e no espaço, humaniza-Se e humaniza-nos, irmanando-nos.

O apóstolo são Paulo, o maior missionário de todos os tempos, no dizer de Bento XVI, recomenda-nos vivamente: «… as Sagradas Escrituras; elas podem dar-te a sabedoria que leva à salvação, pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura, inspirada por Deus, é útil para ensinar, persuadir, corrigir e formar segundo a justiça. Assim o homem de Deus será perfeito, bem preparado para todas as boas obras. Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino».

O mês de outubro é especialmente mês das missões. Mas, pensando bem, não há mês, nem dia, nem hora, nem instante algum em que a Igreja não seja missionária e em que os cristãos não sejam evangelizadores: «Proclama a palavra, insiste a propósito e fora de propósito, argumenta, ameaça e exorta, com toda a paciência e doutrina».

O encontro com Jesus, a fé, não nos encerra em nós, não nos isola, pelo contrário, gera abertura aos outros, provoca anúncio. Não podemos calar o que descobrimos e experimentámos. A alegria não pode ser contida, ela extravasa no rosto, nas palavras e nas obras.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Ex 17, 8-13; Sl 120 (121); 2 Tim 3, 14 – 4, 2; Lc 18, 1-8.