Domingo XXIX do Tempo Comum – ano A – 18 de outubro de 2020

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Domingo XXIX do Tempo Comum – ano A – 18 de outubro de 2020

1 – «Mestre, sabemos que és sincero e que ensinas, segundo a verdade, o caminho de Deus, sem Te deixares influenciar por ninguém, pois não fazes aceção de pessoas».

Fariseus e herodianos procuram testar Jesus, armando-lhe ciladas, procurando apanhá-l’O em falso. Esta afirmação tem o condão pedagógico de sintonizar com as multidões, dando a atender que reconhecem a Jesus o que é popularmente aceite. Não se trata, como se pode ver no seguimento, de um elogio de admiração, de reconhecimento, é antes, para mostrarem que estas verdades são apenas aparentes e que logo Jesus cairá na esparrela, deixará a descoberto a fachada. Pelo menos é isso que pensam fariseus, doutores da Lei, anciãos do povo, herodianos. O ciúme e a inveja, pela aceitação que Jesus tem, sobretudo, junto das pessoas mais simples, junto do povo, geram irritação e levam-nos a provocar ocasiões para O enredar em contradição.

Os dirigentes do povo, políticos e religiosos, veem-n’O como adversário, achando que Ele coloca em causa os seus lugares, sabendo-se que as lideranças são pouco estimadas pelas exigências que fazem, pelos impostos que cobram, por se colocarem numa estrato à parte, superior e quase intocável, olhando para o povo como fonte de interesse, de subserviência, exigindo sacrifícios e adulação, para, por sua vez, viverem à grande e à francesa…

A conduta de Jesus, só por si, denuncia, põe a descoberto o proceder das classes “superiores”. O mesmo sucedia com os profetas. A postura com que viviam a Palavra de Deus e se tornavam defensores dos mais pobres, dos órfãos e das viúvas, a proximidade e a convivência com aqueles que eram excluídos, colocados numa esfera inferior, afastados da vida cultural, social, religiosa, fazia com que os governantes, e seus apaniguados, os considerassem perigosos, agitadores e revolucionários, sentindo-se expostos pelos seus comportamentos tão diferentes.

2 – Um jovem ganhou a sua autonomia, alugou um compartimento numa cave, com pouca luz, contando com dois janelinhos, e ainda sem instalação elétrica. Mas era o seu espaço. Tratou de arrumar tudo, no quarto, na pequena sala-cozinha, na casa de banho. Usava uma gambiarra a petróleo e algumas velas. Uma semana depois, conjugando com o horário de trabalho, tinha a casa num brinco.

O primeiro ordenado serviu para solicitar a instalação elétrica.

Feita a baixada, quando as lâmpadas se acenderam, verificou que afinal a casa não estava no brinquinho que parecia antes, havia pó acumulado em alguns sítios, havia nódoas amareladas nas paredes que via brancas, lavadas, limpas.

A intensidade da luz pôs a descoberto os pontos negativos da casa. Não foi esta luz que lá colocou as manchas amareladas ou o pó, mas fez ver melhor o que estava encoberto pela pouca luz anterior. A vinda de Jesus é essa LUZ que irradia e põe a descoberto as malvadezas dos grupos liderantes, as suas tropelias, abusos, prepotência, ganância. Quando não há um termo de comparação, aceita-se o que se vê como única realidade; quando há termo de comparação, é possível ver as diferenças e as possibilidades de outro caminho.

Tal como tinha acontecido em relação aos Profetas, também em relação a Jesus se gera desconforto e descontentamento por parte daqueles que estavam bem instalados no poder e nos privilégios. Então há que eliminar a “oposição”, há que desacreditar a sua bondade e delicadeza. Chegará o momento em que O prendem, O julgam e O matam, mas se puderem desacreditá-l’O melhor, pois evitam descontentamento popular.

3 – Depois do elogio (aparente), a pergunta ardilosa: «É lícito ou não pagar tributo a César?».

O povo judeu vivia sob o jugo do império romano, sujeito a uma elevada carga de impostos. Contando, como o Evangelho deixa entrever, com abusos e arbitrariedades dos publicanos, os célebres cobradores de impostos, que, tendo as costas quentes, exigiam elevadas maquias ficando com uma parte para si.

Jesus, conhecendo a sua malícia, respondeu: «Porque Me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo». Eles apresentaram-Lhe um denário e Jesus perguntou: «De quem é esta imagem e esta inscrição?». Eles responderam: «De César». Disse-Lhes Jesus: «Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus».

Sendo uma potência invasora, por maior que fosse a pacificação, havia sempre doses suficientes de descontentamento e animosidade contra o império, havendo alguns levantamentos populares, mas que facilmente eram silenciados e destruídos pelos soldados romanos presentes na Judeia. Como Jesus era próximo e cúmplice das pessoas, do dito “povo”, seria opositor das políticas oficiais e da submissão ao imperador romano, pelo sacrifício que exigia às populações mais frágeis e com menos recursos. Nesse caso, Jesus estaria em maus lençóis, pois, colocando-se contra o imperador, seria acusado de revolucionário, instigador de revolta, agitador. Veremos que no final será essa a justificação-desculpa para O julgar e para O condenar à morte por crucifixão.

Se, pelo contrário, Jesus sancionasse o imposto à potência invasora, estaria a sancionar o sacrifício das populações. A Sua resposta, como expectável, seria sempre favorável aos seus opositores e gerador de contradição junto dos seus seguidores.

Porém, Jesus não Se deixa enredar pelos fariseus e expõe a instrumentalização que fazem os dirigentes das classes pobres. São estes, os pobres, pescadores, camponeses, assalariados que pagam a fatura ao império, às autoridades judaicas, ao Templo.

4 – Ocorre, neste penúltimo Domingo de outubro, o Dia Mundial das Missões. Na sua mensagem para esta comemoração, o Santo Padre, o Papa Francisco, parte de expressão de Isaías: “Eis-me aqui, envia-me” (6, 8). O Papa sublinha que a missão da Igreja decorre do amor de Deus que está “em saída”, vindo ao nosso encontro, fazendo-Se nosso irmão, em Jesus Cristo. Na Cruz, o amor de Deus é levado ao limite da entrega. Cristo é o missionário do Pai, mostra-nos com as palavras e com os gestos, com as Suas obras e com toda a Sua vida, com a Sua paixão redentora que o amor de Deus não tem limites, condições, entraves.

Fazendo experiência deste amor, só podemos responder como Isaías: eis-me aqui, envia-me! Cabe-nos levar o amor de Deus a todos os recantos do planeta, a todas as pessoas, as que estão perto, da nossa família, amigos e vizinhos, e as que estão longe, no compromisso solidário e fraterno com quem vai e com as pessoas que podem ser ajudadas com a nossa partilha e generosidade.

O primeiro plano da missão, e da vocação, é a oração, terreno fértil para acolhermos a vontade de Deus. «Deus eterno e omnipotente, dai-nos a graça de consagrarmos sempre ao vosso serviço a dedicação da nossa vontade e a sinceridade do nosso coração». Logo a iniciarmos a Eucaristia pedimos que Deus nos conceda a graça para nos dedicarmos a Ele de todo o coração. Respondemos ao Seu amor por nós, e pela humanidade inteira, servindo os mais frágeis, os pobres, vivendo em dinâmica de caridade. Também nisto não nos podemos escusar com a desculpa de “César”, pois é a Deus que havemos de prestar contas pelos pobres que servimos e cuidamos ou pelo esquecimento e indiferença a que os votamos.

5 – Deus vela por aqueles que O amam e se deixam iluminar pela Sua palavra.

O profeta Isaías, na primeira leitura, sublinha o cuidado e amor de Deus para com o Seu povo e para com Ciro, que tem a responsabilidade de guiar o povo Eleito. O Senhor tomou-o pela mão direita para o conduzir, também, na adversidade. Não há armas nem reis que impeçam o caminho de Ciro e daqueles que moldam a sua vida segundo a vontade de Deus.

Diz o Senhor: «Por causa de Jacob, meu servo, e de Israel, meu eleito, Eu te chamei pelo teu nome e te dei um título glorioso, quando ainda não Me conhecias. Eu sou o Senhor e não há outro; fora de Mim não há Deus. Eu te cingi, quando ainda não Me conhecias, para que se saiba, do Oriente ao Ocidente, que fora de Mim não há outro. Eu sou o Senhor e mais ninguém».

Deus é cioso. E quando Deus é Deus, e O reconhecemos como tal, não há lugar para a idolatria de pessoas, de ideologias, de sistemas de poder e controlo. Não há “césares” que possam autodenominar-se como deus e escravizar os mais frágeis, sacrificando-os para uma vida regalada e numa bolha de privilégios e sobranceria, pois também César é criatura, também César é filho de Deus. Esta é a base da fraternidade, bem vincada na nova Encíclica do Papa Francisco “Fratelli tutti”. Se Deus é Deus e Deus é Pai, de Jesus e Pai-nosso, então somos irmãos e não há desculpas para não sermos família e cuidarmos uns dos outros. O Papa contrapõe o Bom Samaritano a todos os césares, a todos os que se fecham ao amor e esmagam os outros pela indiferença, pelo desprezo ou pelo poder e exploração. “Todos nós, crentes, devemos reconhecer isto: em primeiro lugar está o amor, o amor nunca deve ser colocado em risco, o maior perigo é não amar”.

6 – A saudação de Paulo aos tessalonicenses sublinha como estes se alimentam da graça de Deus. “Recordamos a atividade da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança em Nosso Senhor Jesus Cristo, na presença de Deus, nosso Pai. Nós sabemos, irmãos amados por Deus, como fostes escolhidos. O nosso Evangelho não vos foi pregado somente com palavras, mas também com obras poderosas, com a ação do Espírito Santo”.

É o nosso compromisso missionário: viver e anunciar o Evangelho. Discípulos que são simultaneamente missionários, seguidores de Jesus que transparecem, em palavras e obras de caridade, o Evangelho da alegria, da paz e da ternura.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 45, 1. 4-6; Sl 95 (96); 1 Tes 1, 1-5b; Mt 22, 15-21.