Domingo XXIX do Tempo Comum – ano B – 2024

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Domingo XXIX do Tempo Comum – ano B – 2024

1 – «O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de todos».

Mais que discursos sobre o bem, a verdade, o amor, o perdão, o serviço, Jesus apresenta-Se com a Sua vida feita doação, entrega, docilidade, fazendo-Se próximo de todos, particularmente dos mais desfavorecidos, pobres, doentes, pecadores e publicanos, mulheres e crianças, estrangeiros, gente simples e excluída da cultura, da política, da economia e da religião. Ele é o CENTRO, a referência para o nosso proceder, é n’Ele que teremos que rever a nossa postura e validar as nossas escolhas. Ele passou fazendo o bem, dirá são Pedro, sem aceção de pessoas, privilegiando o encontro com os esquecidos e/ou ostracizados.

O discipulado há de ter a mesma marca de Jesus. O cristão é de Cristo e como agiu Cristo assim os que são d’Ele terão agir, imitando-O. Os discípulos estão a aprender, estão a caminho. Temos sempre muito que aprender, estamos a caminho como peregrinos, para nos tornarmos verdadeiramente discípulos missionários. Neste Dia Mundial das Missões, avivamos o compromisso de sermos, em todos os momentos e em toda a parte, missionários, apóstolos. Mas só o seremos coerentemente se estivermos perto de Jesus, contagiados pelo Seu amor, para transbordarmos na alegria do encontro, testemunhando-O.

Tiago e João chegam-se à frente: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda». A disputa de lugares e de poder vem ao de cima. Jesus, ainda assim, relembra-lhes que o caminho não é de “glória” (mundana), mas de provação, de perseguição e sofrimento, clarificando que o reino de Deus não consiste em lugares, mas em serviço: «Bebereis o cálice que Eu vou beber e sereis batizados com o batismo com que Eu vou ser batizado. Mas sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não Me pertence a Mim concedê-lo; é para aqueles a quem está reservado».

2 – A resposta a Tiago e João são clarividentes. Jesus assenta-lhes o estômago. Porém, os outros dez, ouvindo esta troca de palavras, indignam-se com Tiago e com o João, não tanto pelo atrevimento que tiveram, mas porque se anteciparam ao desejo de todos.

Depois da confissão de fé de Pedro, Jesus diz a todos que o Filho do Homem vai ser entregue às autoridades dos judeus, vai ser morto e três dias depois ressuscitará. Os discípulos fixam-se, como acontece connosco, nas notícias negativas, na morte de Jesus, mas não por muito tempo. Logo depois começam a discutir quem Lhe sucederá, quem ocupará o melhor lugar no reino que Ele vem inaugurar. Jesus vai-lhes dizendo que o caminho é o do serviço, colocando como referência as crianças: quem não se tornar como criança, não entrará no Reino de Deus…

Uma e outra vez, e outra vez ainda, Jesus deixa claro qual é o caminho do discípulo: «Sabeis que os que são considerados como chefes das nações exercem domínio sobre elas e os grandes fazem sentir sobre elas o seu poder. Não deve ser assim entre vós: quem entre vós quiser tornar-se grande, será vosso servo, e quem quiser entre vós ser o primeiro, será escravo de todos».

Quem quiser ser o maior, seja o servo de todos, pois também Ele veio para servir e dar a vida por todos. Não Se apresentou com requisitos de poder ou privilégio, não Se valeu da Sua igualdade com Deus, mas assumiu-Se como servo, tornando-Se obediente até à morte e à morte na Cruz. A Sua glória confunde-se com a Sua morte, gastando-Se até ao último fôlego, até à última gota de sangue.

3 – «Deus eterno e omnipotente, dai-nos a graça de consagrarmos sempre ao vosso serviço a dedicação da nossa vontade e a sinceridade do nosso coração». A oração com que iniciamos a Eucaristia deste domingo envolve-nos no serviço dedicado aos outros, na predisposição de procurarmos ser fiéis ao Evangelho da caridade, escutando a Palavra de Deus para a pormos em prática.

Se nos pusermos no lugar dos primeiros discípulos, talvez consigamos perceber os seus anseios. Foram escolhidos de classes desfavorecidas, estão do lado dos que sofrem com a elevada carga de impostos, com a sujeição fácil à prisão e à perseguição. Sabem que se falarem muito contra as autoridades podem ser silenciados com a prisão e nalguns casos com a morte, como aconteceu com João Batista. Em Jesus, a expetativa de que as coisas venham a ser diferentes e se inicie uma nova era, em que também sejam protagonistas e tenham uma palavra a dizer. Se são seus amigos será expectável que possam beneficiar da sua ascensão “política”. Se O seguem agora, no futuro, serão compensados por essa fidelidade.

É compreensível e defensável que todos, eu e tu incluídos, queiram ser reconhecidos. É humano. O problema do nosso tempo é a invisibilidade. Há tanta gente que não conta, a não ser para a estatística, que vive à margem, esquecida, excluída e quando conta é como estorvo, como pedra no sapato! Promove-se a cultura do descarte, nas palavras do Papa Francisco, a globalização da indiferença. A globalização económica, que deveria ser inclusiva, converteu-se em cultura de exclusão, apoiada em números percentuais, sacrificando as pessoas aos “ratings”, valorizando-se a bolsa de valores, rentabilizando e multiplicando os lucros. A competitividade das empresas e da economia está a destruir pessoas e comunidades, a excluí-las e a expulsá-las das suas casas e dos seus países, quando deveria ser suporte para tornar mais fácil a vida de todos, contribuindo para reforçar os laços familiares e comunitários.

Excluídas, as pessoas têm direito a lutar, a reclamar, a trabalhar para serem reconhecidas como pessoas, a tornarem-se visíveis e, quem sabe, serem promovidas das periferias para o centro. Os apóstolos situam-se, para já, neste patamar e nesta luta. A ideia é derrubar os que ocupam os lugares de poder e substituindo-os, assumindo os seus lugares. Troca por troca. Nada melhora!

4 – A lógica do Evangelho, todavia, a postura de Jesus assenta no serviço e no amor. A opção não é ser o centro, mas colocar os outros no centro, tal como as crianças, os pobres, os mais pequenos e fazer-se o menor e servo de todos. Foi o que Ele fez. Sendo rico fez-Se pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza, com o Seu amor. E como Ele fez, assim deverão fazer os que O seguem.

A profecia faz-nos visualizar a vida e oferenda de Jesus. «Aprouve ao Senhor esmagar o seu servo pelo sofrimento. Mas, se oferecer a sua vida como sacrifício de expiação, terá uma descendência duradoira, viverá longos dias, e a obra do Senhor prosperará em suas mãos. Terminados os sofrimentos, verá a luz e ficará saciado na sua sabedoria. O justo, meu servo, justificará a muitos e tomará sobre si as suas iniquidades».

Não é uma vida que se aniquila ou se tira. É, antes de mais, uma vida oferecida, partilhada, vicária. Ele tomará em Si as nossas iniquidades, justificando-nos, redimindo-nos, ressuscitando-nos.

Jesus é o Servo sofredor, apresentado por Isaías, mas simultaneamente o Sumo Sacerdote que nos santifica, que nos faz participantes da vida divina, como transparece a Epístola aos Hebreus: «Tendo nós um sumo sacerdote que penetrou os Céus, Jesus, Filho de Deus, permaneçamos firmes na profissão da nossa fé. Na verdade, nós não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas. Pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, exceto no pecado. Vamos, portanto, cheios de confiança ao trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um auxílio oportuno».

A firmeza da fé solidifica-se e enriquece na prática da caridade. Se acreditamos que Jesus é o Filho de Deus, que, pela Sua morte e ressurreição, nos insere na vida divina, cabe-nos não defraudar a vida que em nós iniciou pelo Batismo: fomos sepultados com Cristo para o pecado, para as trevas e para a morte e com Ele ressuscitámos para a luz, para a fraternidade e para o amor.

5 – A opção de Deus, visível em Jesus, levar-nos-á, como crentes, a agir do mesmo modo. Ora como rezamos no salmo, Deus está do lado dos pobres, dos simples, dos crentes. «Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem, para os que esperam na sua bondade, para libertar da morte as suas almas e os alimentar no tempo da fome».

A nossa oração será sincera sempre e quando nos predispusermos a ser como as crianças, os últimos e servos de todos. Então podemos rezar com fé e confiança: «A nossa alma espera o Senhor: Ele é o nosso amparo e protetor. Venha sobre nós a vossa bondade, porque em Vós esperamos, Senhor».

Não se trata de sermos ingénuos, mas de escolhermos a alegria do Evangelho anunciado com palavras e com a nossa vida.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Is 53, 10-11; Sl 32 (33); Hebr 4, 14-16; Mc 10, 35-45.