Domingo XXV do Tempo Comum – ano B – 2024

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Domingo XXV do Tempo Comum – ano B – 2024

1 – «Senhor, que fizestes consistir a plenitude da lei no vosso amor e no amor do próximo, dai-nos a graça de cumprirmos este duplo mandamento, para alcançarmos a vida eterna».

A oração inicial da Eucaristia prepara-nos para escutar a Palavra de Deus e para, à partida, percebermos o fio condutor da mensagem nela contida, iluminando as nossas opções de vida. A Palavra de Deus é sempre desafio, é sempre luz, que nos provoca e compromete, nos envolve e nos transforma. Só assim é viva e eficaz. Qual espada de dois gumes, põe a descoberto as nossas insuficiências, manias e fracassos, interpela-nos a dizer e a fazer o bem ou a melhorar e aglutinar o que já fazemos em prol uns dos outros.

Rezamos dirigindo-nos a Deus. A oração pressupõe humildade de quem se reconhece na sua fragilidade, invocando o poder e o amor de Deus. Em algumas situações, a oração pode ser contraproducente, quando nos coloca numa atitude de sobranceria, de prepotência, quando agradecemos a Deus porque somos melhores que os outros e por não precisarmos ninguém. Ou, em alternativa, só precisamos de Deus, garantia que sairemos vencedores. Os que estão ao nosso lado, mais que companhia ou ajuda, são um estorvo, fazem-nos perder tempo, incomodam-nos. Eu cá tenho a minha fé. Eu e Deus é que sabemos, os outros não importam!

Como releva são Tiago, a fé sem obras é oca. Do mesmo modo a oração. Se rezamos voltados para Deus, mas sem ligação e sem abertura ao nosso semelhante, então a oração é um palavreado inútil, vazio, pois corta um pé do tripé em que assenta: Deus, o próximo e cada um de nós. Amar a Deus implica amar os que Ele ama, logo, a humanidade inteira, concretizável em cada pessoa que Ele coloca à nossa beira. Rezar com o coração fechado à conversão, convictos que não há nada que em nós possa mudar e que Deus não precisa de agir em nós, estamos bem como estamos, sem abertura aos outros, seria, de facto, uma oração contraditória, pois rezar implica abertura para acolhermos a vontade de Deus.

2 – Ao amor de Deus para connosco respondemos com amor em relação aos outros, em forma de serviço, de cuidado e de ajuda. É a nossa identidade, a nossa missão, o nosso compromisso. Não temos como fugir se a nossa opção de vida é seguir Jesus. Seguir Jesus, com efeito, é a nossa primeira vocação. Fomos batizados na Sua morte e ressurreição, para sermos plasmados pelo Seu Espírito.

Fácil dizer! Dizemos muitas vezes. Difícil fazer! Dizemos outras tantas! Há momentos em que vem ao de cima a nossa fragilidade, o nosso pecado, o nosso egoísmo, mas também o medo, a desconfiança e a vontade de fazermos tudo à nossa maneira, e talvez que os outros se sujeitem aos nossos interesses. Não é de hoje.

Logo depois da confissão de fé de Pedro, Jesus diz-lhes ao vem, ou melhor, diz-lhes o que vai acontecer daqui para a frente. «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens, que vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará».

Pedro reagiu da forma que vimos, repreendendo Jesus. Ao anúncio da paixão, Jesus acrescenta imediatamente o anúncio da ressurreição. Mas já tinha feito estragos, os discípulos já não O escutaram direito. Nem sequer compreenderam. Mas tiveram receio de perguntar. Chegados a Cafarnaum, já em casa, Jesus interroga-os sobre o que vinham a discutir pelo caminho. Percebemos então que os discípulos discutiam sobre qual deles era o maior. Se o reino de Deus se vai manifestar, se Jesus vai ser morto, então há que avaliar qual é o mais importante, o mais apto para Lhe suceder nesse novo reino.

Num primeiro momento poderíamos pensar que a repreensão de Pedro a Jesus era muito dele, afinal os outros afinam pelo mesmo diapasão.

3 – Jesus parece deixá-los estender ao comprido. Durante o caminho, desta vez, mantém-se em silêncio. Parece não ouvir. Talvez fosse a falar com os seus botões (se os houvesse naquele tempo!) ou a rezar! Já num ambiente mais tranquilo, Jesus toma a iniciativa a responde-lhes.

As respostas de Jesus não se pautam pelo excesso de palavras, por explicações complexas, por tentativas de convencer. Frequentemente recorre a imagens ou a situações concretas vividas na presença dos discípulos.

Sem rodeios, nem margem para equívocos, Jesus diz-lhes: «Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos». Entre os líderes das nações, dir-lhes-á noutra ocasião, discutem-se os lugares e o poder de cada um; não seja assim entre vós, quem quiser ser o mais importante coloque-se ao serviço dos outros. Vale para eles, vale para nós. E mesmo os que detêm autoridade, devem exercê-la como serviço, desde o Papa ao mais simples trabalhador da vinha do Senhor. Aliás, o Papa apresenta-se como o Servo dos Servos de Deus, o que vai à frente em dinâmica de serviço.

Vem então o exemplo. Jesus toma uma criança, coloca-a no meio dos discípulos, abraça-a e diz-lhes: «Quem receber uma destas crianças em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou». Simplicidade, alguma ingenuidade, pobreza, despojamento, dependência, vulnerabilidade! Serviço e cuidado! Ao tempo de Jesus, as crianças não eram tidas nem achadas, faziam parte do número dos pobres, dos últimos, dos invisíveis. Mas é deles, dos simples e dos pobres, dos humildes e dos puros de coração, o Reino de Deus. Quem quiser seguir Jesus terá de ser como as crianças, com a alegria e a espontaneidade de quem se entrega, com a humildade de quem pede ajuda, com a candura de quem se aproxima de todos sem preconceitos!

4 – Vamos crescendo e vamo-nos dando conta que perdemos muito da espontaneidade, da capacidade de sonhar, de rir e de brincar, a certeza que de que poderíamos ajudar a construir um mundo melhor, mais justo, mais humano, em que todos pudessem viver lado a lado sem medos nem desconfianças. Já não somos crianças, tornamo-nos adultos e, no entanto, Jesus exige que sejamos como crianças.

O mundo aparentemente é dos poderosos, dos que detêm o poder e o dinheiro, dos que agem na sombra, ágeis nas maquinações, especialistas em corrupção, controlando as pessoas e as situações para se eternizarem nos seus castelos e palácios, imunes à pobreza, às dificuldades, escondendo as suas fraquezas no uso da força, da violência e da chantagem.

Na primeira leitura, do livro da Sabedoria, vemos como os ímpios se sentem ameaçados pelo justo e por isso procuram todos os meios para o desacreditar, pondo-o em causa, «porque nos incomoda e se opõe às nossas obras… Vejamos se as suas palavras são verdadeiras, observemos como é a sua morte. Porque, se o justo é filho de Deus, Deus o protegerá e o livrará das mãos dos seus adversários. Provemo-lo com ultrajes e torturas, para conhecermos a sua mansidão e apreciarmos a sua paciência. Condenemo-lo à morte infame, porque, segundo diz, Alguém virá socorrê-lo».

A luz incomoda quem se move na escuridão, pois pode expor as trapaças e um modo de vida feito à custa dos outros.

5 – A Epístola de são Tiago é incisiva, clara, provocadora. Há oito dias dizia-nos resolutamente que a fé se expressa, se vive, se concretiza e amadurece pelas obras. Hoje mostra o que nos torna ímpios e o que pode fazer com que sejamos como crianças.

«Onde há inveja e rivalidade, também há desordem e toda a espécie de más ações. Mas a sabedoria que vem do alto é pura, pacífica, compreensiva e generosa, cheia de misericórdia e de boas obras, imparcial e sem hipocrisia. O fruto da justiça semeia-se na paz para aqueles que praticam a paz. De onde vêm as guerras? De onde procedem os conflitos entre vós? Não é precisamente das paixões que lutam nos vossos membros? Cobiçais e nada conseguis: então assassinais. Sois invejosos e não podeis obter nada: então entrais em conflitos e guerras. Nada tendes, porque nada pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões».

Deixemo-nos guiar pela sabedoria que vem do alto, não cessemos de rezar, pedindo a Deus que nos dê a capacidade de sonhar e de agir em conformidade com Jesus Cristo, imitando-O na Sua entrega, na Sua pobreza, e no Seu serviço a todos, especialmente aos mais frágeis, aos pobres e desvalidos, aos pecadores e aos excluídos do nosso tempo. Com Ele, construamos um Reino de justiça e de paz, de amor reconciliado e de misericórdia.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Sab 2, 12. 17-20; Sl 53 (54); Tg 3, 16 – 4, 3; Mc 9, 30-37.