Domingo XXVI do Tempo Comum – ano A – 27 de setembro de 2020

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Domingo XXVI do Tempo Comum – ano A – 27 de setembro de 2020

1 – «Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Foi ter com o primeiro e disse-lhe: ‘Filho, vai hoje trabalhar na vinha’. Mas ele respondeu-lhe: ‘Não quero’. Depois, porém, arrependeu-se e foi. O homem dirigiu-se ao segundo filho e falou-lhe do mesmo modo. Ele respondeu: ‘Eu vou, Senhor’. Mas de facto não foi».

Mais uma parábola de Jesus. As parábolas permitem situar-nos dentro delas, pois não haverá forma melhor de as acolher que não seja sentir-nos incluídos nelas, para nos deixarmos desafiar pela mensagem que comunicam, a partir de dentro. Ao mesmo tempo deixam-nos uma margem de manobra, não forçam, são, antes, uma proposta, uma interpelação e cada um de nós a percebe também a partir da sua vida. Esta é dirigida especialmente aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo, bem instalados nas suas cátedras, mas é também para nós que, a um tempo, somos como o primeiro filho, e a outro tempo, como o segundo. Não nos excluamos, de contrário, as palavras de Jesus não seriam para nós, ficariam no passado ou para aqueles que se sentem provocados.

2 – «Qual dos dois fez a vontade ao pai?» Assim Jesus conclui a parábola, cabendo-nos a resposta. Facilmente todos concluiríamos que foi o primeiro que cumpriu a vontade do pai, pese embora o facto de inicialmente ter dito que não.

Acrescenta Jesus, ouvindo a nossa resposta: «Em verdade vos digo: Os publicanos e as mulheres de má vida irão diante de vós para o reino de Deus. João Baptista veio até vós, ensinando-vos o caminho da justiça, e não acreditastes nele; mas os publicanos e as mulheres de má vida acreditaram. E vós, que bem o vistes, não vos arrependestes, acreditando nele».

Há de concluir Jesus que não basta dizer “Sim, Senhor”, mas o decisivo é fazer a vontade do Pai. Trata-se da coerência entre o discurso e a vida, entre a profissão de fé e a prática cristã, entre as boas intenções e a concretização, ou pelo menos o compromisso e esforço por levar por diante as intenções proferidas, entre as palavras e as obras. Como acentuava o Papa Paulo VI, o mundo precisa, mais do que mestres, de testemunhas (mártires), ou de mestres que sejam testemunhas. Não basta o dizer, mas o fazer.

São Tiago, numa página belíssima do Novo Testamento, faz o contraponto entre a fé professada e a fé vivida: mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé. Uma fé sem obras é morta. O ponto de partida, a base, o essencial é a fé, mas, se autêntica e amadurecida, ela compromete-nos com os irmãos e com a criação.

De Jesus se diz precisamente que ensina com autoridade. A autoridade que lhe é reconhecida tem a ver com o facto de as Suas palavras não serem ocas, vazias, mas corresponderem à Sua conduta: próximo, simples, fraterno e concreto no cuidado e delicadeza para com todos, a começar pelos mais pobres.

3 – Todos nós conhecemos pessoas que resmungam, protestam, mas estão disponíveis, nos segundos seguintes, para ajudar, para responder favoravelmente. O “não” é a primeira resposta, é feitio, mas logo escutam e se prontificam. Há pessoas, por outro lado, que nos metem no coração, a tudo dizem sim, que podemos contar com eles, basta dizer, mas logo que é necessário ajudar a resposta é: pede-me tudo, mas não me peças isso! Ou, mal desligam, seguem as suas vidas esquecendo qualquer compromisso ou promessa.

O ideal é que as promessas sejam cumpridas, que os propósitos sejam efetivados na prática, que as palavras tenham carne, corpo, tenham tradução na vida concreta e diária. A isto chamamos coerência de vida: as palavras são ilustradas pela vida, pela prática do bem.

4 – O meu alimento, diz Jesus, é fazer a vontade de Meu Pai. Depois diz-nos a nós, a mim e a ti, que somos Seus familiares, e seremos felizes, se escutarmos a Palavra de Deus e a pusermos em prática. Sereis meus amigos, continua Jesus, se fizerdes o que vos mando. O que vos mando é que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. Nisto conhecerão que sois Meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.

Ele é o rosto e a presença de Deus. É o nosso chão, o ponto de partida, a referência, o paradigma para vivermos ao jeito de Deus, seguindo o Seu sonho, o Seu desígnio de amor a favor da humanidade.

O profeta Ezequiel interpreta os gemidos, orações e dúvidas dos crentes de Israel que, diante das adversidades, se voltam para Deus exigindo justiça, sentindo-se abandonados à sua sorte ou, mesmo, castigados por Deus. A resposta é taxativa: «Será a minha maneira de proceder que não é justa? Não será antes o vosso modo de proceder que é injusto? Quando o justo se afastar da justiça, praticar o mal e vier a morrer, morrerá por causa do mal cometido. Quando o pecador se afastar do mal que tiver realizado, praticar o direito e a justiça, salvará a sua vida. Se abrir os seus olhos e renunciar às faltas que tiver cometido, há de viver e não morrerá».

Deus não deseja, de todo, a morte do pecador, mas que se converta e viva. Há mais vida quando a opção for pela justiça e pela verdade, afastando-se do mal e praticando o direito. Por outras palavras, não são as intenções que nos fazem discípulos, mas a prática do bem.

5 – Não basta saber, conhecer os caminhos, perceber o tempo, ter conhecimentos, é necessário fazer escolhas, pôr-se a caminho, rezar para que o conhecimento se transforme em sabedoria e para que as palavras se façam vida, no compromisso de responder à Palavra de Deus, de acolher e concretizar a vontade divina.

A oração, enquanto suplicamos, faz-nos tomar consciência da nossa pertença e identifica-nos com Aquele a Quem nos dirigimos, comprometendo-nos com o conteúdo da oração, de forma inclusiva, pois o que pedimos para nós, pedimos para todos. «Senhor, que dais a maior prova do vosso poder quando perdoais e Vos compadeceis, derramai sobre nós a vossa graça, para que, correndo prontamente para os bens prometidos, nos tornemos um dia participantes da felicidade celeste».

A vida eterna já começou com o nosso Batismo. Ao longo do nosso caminho, contamos com a inspiração e presença do Senhor, para que não sejamos iludidos por falsos caminhos. “Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos, ensinai-me as vossas veredas. Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me, porque Vós sois Deus, meu Salvador: em vós espero sempre. Lembrai-Vos, Senhor, das vossas misericórdias e das vossas graças que são eternas. Não recordeis as minhas faltas e os pecados da minha juventude. Lembrai-Vos de mim segundo a vossa clemência, por causa da vossa bondade, Senhor”.

6 – Faça-se a Tua vontade! Pai nas Tuas mãos entrego a minha Vida por inteiro. Eu venho, ó Deus, para fazer a Vossa vontade! O Evangelho é atravessado por esta entrega confiante ao Pai. Jesus, nas palavras e nos gestos, na oração e nos prodígios, traduz e concretiza a vontade do Pai.

Na segunda leitura, o Apóstolo São Paulo convida-nos a imitar Jesus, na Sua relação com o Pai e com os irmãos, mostrando como ele próprio procurou viver, anunciar e transparecer Jesus Cristo, na Sua obediência ao Pai. Diz-nos ele: “Não façais nada por rivalidade nem por vanglória; mas, com humildade, considerai os outros superiores a vós mesmos, sem olhar cada um aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros. Tende em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus”.

As escolhas e a postura para com os outros reveste-se de mandamento, verbalizado, em Maria, “fazei tudo o que Ele vos disser” e, como é óbvio, nas palavras de Jesus: sereis Meus amigos se fizerdes o que vos mando, e o que vos mando é que vos ameis uns aos outros como irmãos. Um mandamento visível na Sua vida. “Ele, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte, e morte de cruz. Por isso, Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem, no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai”.

Nada separa Jesus do amor do Pai, nem a perseguição, nem a espada, nem a Cruz, nem a morte! Que seja também assim connosco, na certeza que Ele nos ama em todas as situações, não O afastemos da nossa vida e das nossas opções, para que estas realizem e se insiram no Seu projeto de amor, de vida nova.

7 – Nossa Senhora é, sempre, um modelo a seguir. N’Ela vemos como seguir Jesus, com Ela respondamos ao Senhor: Eis a serva, o servo do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua palavra. Sabendo que a Palavra encarna, a Palavra é Jesus, vida dada, partilhada, entregue até ao último fôlego, até à última gota de sangue!

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Ez 18, 25-28; Sl 24 (25); Filip 2, 1-11; Mt 21, 28-32.