Domingo XXVII do Tempo Comum – ano A – 4 de outubro de 2020

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Domingo XXVII do Tempo Comum – ano A – 4 de outubro de 2020

1 – “Havia um proprietário que plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e levantou uma torre; depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe. Quando chegou a época das colheitas, mandou os seus servos aos vinhateiros para receber os frutos”.

A parábola deste domingo leva-nos novamente à vinha. Facilmente se visualiza o mistério pascal, que inclui a encarnação, a vida e mensagem, a morte e a ressurreição de Jesus. É também uma parábola dos tempos modernos. A vinha é o mundo. O mundo foi criado por Deus e, portanto, é Ele o proprietário. Quando chegámos, o mundo já estava cá. Quando partirmos, o mundo ficará. No entretanto, cabe-nos cuidar da vinha, do mundo, e sobretudo do mundo das pessoas.

Se a vinha não é nossa, mas nos é confiada para cuidar, então, chegado o momento da colheita, caber-nos-á “compensar” o proprietário. A vinha está preparada para produzir em abundância, está protegida, tem o que é necessário para produzir em abundância. Nela existe um lagar e uma torre, para que a vigilância assegure que os inimigos não a assaltem.

Quando os servos vêm recolher os frutos, os vinhateiros escorraçam, agridem e matam. Por fim, o proprietário, “mandou-lhes o seu próprio filho, dizendo: ‘Respeitarão o meu filho’. Mas os vinhateiros, ao verem o filho, disseram entre si: ‘Este é o herdeiro; matemo-lo e ficaremos com a sua herança’. E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e mataram-no”.

“Quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?”.

Talvez também nós respondêssemos imediatamente: “Mandará matar sem piedade esses malvados e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entreguem os frutos a seu tempo”. O único problema, aqui, é que também nós somos os vinhateiros e muitas vezes malvados porque não produzimos o fruto no tempo certo e não cuidamos o suficiente da vinha do Senhor para que seja uma vinha promissora e rentável.

2 – O Profeta Isaías faz-nos visualizar o cuidado do Senhor para com a Sua vida, que é a Casa de Israel. Como diria ao Papa Bento XVI, o amor de Deus para connosco pressupõe uma resposta. Claro que o amor de Deus é transbordante, ama-nos para nos salvar, isto é, para que, acolhendo, sentindo e desfrutando o Seu amor, sejamos felizes. Deus ama, Deus espera, Deus confia, Deus aposta em nós. É Sua a iniciativa, antes e além do nosso merecimento, mas, como é óbvio, no ensejo de que Lhe respondamos: se formos felizes, uns e outros, então o amor de Deus produz o Seu sonho de nos envolver no Seu amor e na Sua vida.

“Vou cantar, em nome do meu amigo, um cântico de amor à sua vinha. O meu amigo possuía uma vinha numa fértil colina. Lavrou-a e limpou-a das pedras, plantou-a de cepas escolhidas. No meio dela ergueu uma torre e escavou um lagar. Esperava que viesse a dar uvas, mas ela só produziu agraços”. A descrição de Isaías será replicada na parábola narrada por Jesus. O que o Profeta anuncia, Jesus torna presente.

Não dando fruto, depois de tantos cuidados, de tanta dedicação e de tantos trabalhos, quê fazer? Se não produz, é como o sal que não salga ou como a luz que não ilumina. “Agora vos direi o que vou fazer à minha vinha: vou tirar-lhe a vedação e será devastada; vou demolir-lhe o muro e será espezinhada. Farei dela um terreno deserto: não voltará a ser podada nem cavada, e nela crescerão silvas e espinheiros; e hei de mandar às nuvens que sobre ela não deixem cair chuva”. E conclui o Profeta que os homens de Judá são a plantação escolhida, dos quais o Senhor esperava a retidão e a justiça, mas que têm produzido agraços, violência e vingança, injustiça e destruição. Como bem se percebe, o lamento não é uma sentença definitiva, é uma constatação e, sobretudo, uma alerta, para que não deixemos a vinha ao abandono, para que façamos render e multiplicar os dons que Deus nos dá, para invertermos o caminho e as opções que nos levam ao abismo.

3 – “Nunca lestes na Escritura: ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; tudo isto veio do Senhor e é admirável aos nossos olhos’? Por isso vos digo: Ser-vos-á tirado o reino de Deus e dado a um povo que produza os seus frutos”.

Jesus continua frente aos anciãos do povo, aos doutores da lei, mas também estamos lá metidos ao barulho. Façamos por não escapar por entre os pingos da chuva, para que a Sua palavra possa inundar por completo a nossa vida, deixando que nos interpele, para que Lhe respondamos com o melhor de nós mesmos. Só quem se sente a caminho, só quem se sente precisado de aprender e amadurecer fará com que a pedra rejeitada se torne pedra angular, verdadeiro alicerce da sua vida.

As palavras de Jesus, entenda-se, mesmo as mais contundentes, não implicam exclusão ou condenação, são, antes de mais, uma provocação, para nos desinquietar, nos desinstalar, nos impelir a tomar um decisão que nos inclua no reino de Deus, na vinha do Senhor. A vinha está disponível, e tem tudo para produz em abundância, cabe-nos o empenho em a trabalhar. Cuidemos da criação, a começar pelas pessoas que Deus nos confia.

4 – De pouco adianta ser ambientalista, defendendo todas as espécies animais (irracionais), se desprezamos a única criatura capaz de louvar, agradecer, engrandecer e cuidar desta casa comum. É de pasmar quando alguém afirma que a natureza ficava melhor sem o ser humano, como nos meses de confinamento por causa da pandemia!

Temos os meios e as ferramentas para cuidar das pessoas e do mundo que nos rodeia. Não há concorrência. Pelo contrário, se descuidarmos o ser humano para nos fixarmos nos problemas mais específicos da ecologia, acabaremos por perder tudo. A educação e a cultura são fundamentais para modificar comportamentos e atitudes. Pode haver um número elevado de leis, normas, proibições, coimas e condenações, mas sem a mudança interior, sem educação (e sem o testemunho), não há frutos e se os há serão açambarcados por uns poucos, criando divisões, descontentamentos, revoltas e, consequentemente, conflitos e destruição.

O Papa Francisco faz-nos olhar para a ecologia integral, neste dia, 4 de outubro, em que a Igreja recorda a figura de São Francisco de Assis, padroeiro dos ecologistas, que nos ensina a viver em harmonia com toda a criação. Cuidar do planeta, das plantas e animais, na aposta em energias não poluentes e sustentáveis, mas cuidando, já, dos mais desfavorecidos. Um mundo onde há pobres, excluídos, pessoas a mendigar por umas migalhas da soberba, ganância e prepotência de alguns, é, e será sempre, um mundo desequilibrado, pronto a explodir. Os recursos naturais continuam a ser abusivamente explorados, sacrificando os mais pobres, pessoas e povos, e alimentando uma cadeia de poder e de supremacia que cria dependências e destrói quem possa colocar algum obstáculo. A injustiça e a desigualdade social são restilho que alimenta sociedades decadentes.

5 – Na resposta à Palavra de Deus, o salmo ajuda-nos a rezar e a comprometer-nos com o conteúdo da oração. O salmista parte da devastação da vinha, resultado, não da ação de Deus, mas do descuido dos vinhateiros. Deus não Se retirou, nós é que O afastamos. No dizer de Nietzsche, Deus morreu e fomos nós que O matámos. O anúncio do filósofo da morte de Deus, responsabiliza-nos por vivermos longe da mensagem do Evangelho, longe da postura de Jesus Cristo, amando sem medida nem reserva e dando-se por inteiro.

Com o salmista, suplicamos: “Deus dos Exércitos, vinde de novo, olhai dos céus e vede, visitai esta vinha. Protegei a cepa que a vossa mão direita plantou, o rebento que fortalecestes para Vós”. E com o pedido, como dissemos, vem o nosso propósito comprometido: “fazei-nos viver e invocaremos o vosso nome. Senhor Deus dos Exércitos, fazei-nos voltar, iluminai o vosso rosto e seremos salvos”.

Também a oração, com que iniciámos a Eucaristia, nos predispõe no mesmo pedido: “Deus eterno e omnipotente, que, no vosso amor infinito, cumulais de bens os que Vos imploram muito além dos seus méritos e desejos, pela vossa misericórdia, libertai a nossa consciência de toda a inquietação e dai-nos o que nem sequer ousamos pedir”.

6 – São Paulo, na segunda leitura, desafia-nos a confiar no Senhor, em todas as circunstâncias, na bonança e na adversidade, quando a vida é tranquila e quando o chão nos escapa. “Não vos inquieteis com coisa alguma. Mas, em todas as circunstâncias, apresentai os vossos pedidos diante de Deus, com orações, súplicas e ações de graças. E a paz de Deus, que está acima de toda a inteligência, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus”.

E o Apóstolo prossegue, dizendo-nos que em tudo procuremos o que é justo e reto, nos pensamentos e nas obras. Se assim for, a paz do Senhor estará connosco.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 5, 1-7; Sl 79 (80); Filip 4, 6-9; Mt 21, 33-43.