Domingo XXVIII do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo XXVIII do Tempo Comum – C – 2022

1 – Gratidão e milagre. Ou, no mais imediato, o milagre que dá lugar à gratidão.

No Evangelho deste Domingo, Jesus cura 10 leprosos. A cura é um passo. É fácil para Jesus, revestido com o Amor e o poder divinos, curar. Já os milagres, como se sublinha quando vai a Nazaré e a um sábado fala na Sinagoga, são difíceis, pela falta de fé. Em Nazaré, diz-nos o Evangelho, Jesus realiza curas mas não milagres! Aparentemente é uma contradição, pelo menos para nós. A cura pode acontecer sem que leve à transformação da pessoa, o que será o verdadeiro milagre e o mais exigente. A conversão pode ser espontânea e/ou repentina, mas depois precisa de ser alimentada, cultivada, resistindo ao regresso ao passado, aos vícios e costumes de antigamente.

Os milagres nem sempre conduzem à gratidão, nem sempre têm como consequência a conversão. A gratidão, por outro lado, faz o milagre acontecer, a vida ter sentido, o coração dilatar, abrindo-se a Deus, aos outros, ao mundo. A gratidão convoca a alegria e a paz, faz-nos ver a nossa interdependência com o universo que nos rodeia, predispondo-nos a descobrir a verdade e o bem que acontece, prepara-nos para reconhecer e acolher os dons de Deus.

2 – Encontramos Jesus em trânsito, no caminho, entre a Samaria e a Galileia, depois de ter estado na Judeia. Atravessa as três regiões judaicas, sendo que a Samaria se coloca como uma espécie de parêntesis, tendo em conta a inimizade religiosa, social e política, das outras duas regiões, considerando que os samaritanos estão excluídos das promessas de Deus, por se terem corrompido. Com o exílio e com as incursões de povos estrangeiros em Israel, esta terá sido a região em que houve maior “contaminação”, mormente com os casamentos mistos, estre judeus (samaritanos) e estrangeiros invasores. Para Jesus não há exclusões, não há impuros que estejam arredados da bênção de Deus. Mais do que a origem, a nacionalidade, a religião, importa o coração, a disponibilidade para promover a verdade, para se abrir à graça de Deus, para amar e cuidar do próximo.

Vêm ao encontro de Jesus dez leprosos. A lepra é uma doença que provoca asco, medo, que afasta as pessoas. Naquele tempo, qualquer doença de pele era considerada lepra e não apenas a lepra como doença contagiosa. O medo e a precaução em não contagiar a família, os amigos, os vizinhos, a comunidade, levou a que se elaborassem leis rigorosas, revestidas de pendor religioso. Um leproso tinha que se afastar da família e da povoação, evitar passar junto das outras pessoas e avisá-las quando havia algum tipo de aproximação. Até a forma de vestir os excluía, pois tinham que vestir andrajosamente e com o cabelo em desalinho.

Por conseguinte, estes dez leprosos, sabendo do que Jesus era capaz, mantendo-se à distância, gritam: «Jesus, Mestre, tem compaixão de nós». Jesus vê-os, olhos nos olhos, sintonizado com o seu sofrimento, e manda-os mostrarem-se aos sacerdotes. Pelo caminho, ficam limpos da lepra.

Não há lugar ao espetáculo. Tanto quanto possível, Jesus age discretamente. Mostrar-se aos sacerdotes aponta para o louvor e gratidão a Deus. Reconhecer-se doente/pecador já é caminho. Colocar-se em movimento para procurar ajuda, também é caminho. Acolher e realizar o que o médico/Jesus recomenda abre à cura, mas não exatamente ao milagre.

Um deles, que era samaritano, ao ver-se curado, correu ao encontro de Jesus, para Lhe agradecer, louvando a Deus. Jesus diz a este homem: «Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou». O milagre aconteceu. A sua fé salvou-o, não apenas o curou, fisicamente falando, mas transformou-o num homem novo, alegre e agradecido, pois uma segunda oportunidade lhe foi dada.

3 – «Não foram dez os que ficaram curados? Onde estão os outros nove? Não se encontrou quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?»

Temos ouvido o Papa Francisco a incentivar e a relembrar três palavras que ajudam a viver melhor em sociedade e em família: desculpa, obrigado, por favor. A gratidão humaniza-nos, aproxima-nos uns dos outros, torna-nos dóceis e humildes, no reconhecimento do bem que o outro faz ou, pelo menos, tentou fazer. Coisas simples, quando nos dão um copo de água, quando nos abrem a porta para passar, quando nos colocam um prato de comida à frente, quando, no trânsito, nos deixam avançar sem que tenhamos prioridade! Até pode ser que seja a obrigação da pessoa, ou o seu trabalho profissional, mas o “obrigado” é sempre um gesto de delicadeza e de reconhecimento pela outra pessoa e pelo serviço, gratuito ou remunerado, que nos presta.

Obviamente, em sentido contrário, não fazemos para que nos agradeçam e, pode acontecer, que seja a nossa obrigação servir quem temos à frente. Mas, ainda assim, o agradecimento mostra que o outro, quem servimos, nos presta atenção e aos gestos que fazemos. Enche a alma, desarma as pessoas, faz-nos mais iguais.

Quando os curou, Jesus não colocou condições, nem quanto ao antes nem quanto ao depois. Não os curou porque merecessem! É um dos nossos critérios, ajudar quem merece e faz por isso. Se não fazem por isso, estão a gozar com a nossa cara! A esperança que as suas vidas sejam diferentes daqui para a frente! Então teria que sopesar se reuniam os critérios para serem ajudados. Se é para que tudo volte ao mesmo, para quê perder tempo e recursos? Ora Jesus também não está a ajuizar das condições, simplesmente age. Rezam-lhe: Senhor, tem compaixão de nós, e Jesus atende as suas preces.

Na volta, só um samaritano sente “obrigação” de agradecer. Ou dito de outra forma, só o samaritano se sente agradecido, com motivos para glorificar a Deus. Uma pessoa grata abre o coração aos outros e ao Outro. Uma pessoa ingrata fecha-se, encerra-se sobre si mesmo, torna-se fria, insensível, arrogante, indisposta com tudo e com todos.

4 – Na primeira leitura é-nos apresentada a cura do general sírio Naamã, melhor, é narrado o que se passou a seguir à cura. São vários os pontos de contacto com o Evangelho deste Domingo, apesar da distância temporal entre os dois acontecimentos.

O profeta mandou que o general mergulhasse sete vezes no rio Jordão. Sem espetacularidade, Eliseu atende à súplica que lhe fizeram chegar. Relutante, o general acabou por reconhecer que o homem de Deus, o profeta, não estava a pedir nada impossível. Depois da cura, este estrangeiro agradece a Eliseu, reconhecendo e louvando: «Agora reconheço que em toda a terra não há outro Deus senão o de Israel. Peço-te que aceites um presente deste teu servo».

O louvor é a Deus, mas o presente é para Eliseu, que não aceita, reconhecendo que só fez o que Deus lhe permitiu fazer. Toda a honra e todo o louvor são endereçadas para Deus, apesar da mediação profética. O general percebe que a gratidão pela nova vida terá de ser para o Deus de Israel, de Quem vem todo o poder e, sobretudo, todo o amor.

5 – Como cristãos, reconhecemos que só Deus é Deus e só Deus é digno de ser adorado e amado acima de todas as coisas, ainda que O reconheçamos nos Seus filhos e no mundo que Ele criou.

A oração inicial da Eucaristia, faz-nos orientar todo o nosso ser para Deus, para que, acolhendo a Sua graça, possamos agir segundo os Seus mandamentos de amor: “Nós Vos pedimos, Senhor, que a vossa graça preceda e acompanhe sempre as nossas ações e nos torne cada vez mais atentos à prática das boas obras”.

O salmista ajuda-nos a reconhecer tudo quanto o Senhor Deus fez e faz por nós, convidando a cantar as Suas obras. «Cantai ao Senhor um cântico novo pelas maravilhas que Ele operou. A sua mão e o seu santo braço Lhe deram a vitória. / O Senhor deu a conhecer a salvação, revelou aos olhos das nações a sua justiça. Recordou-Se da sua bondade e fidelidade em favor da casa de Israel. / Os confins da terra puderam ver a salvação do nosso Deus. Aclamai o Senhor, terra inteira, exultai de alegria e cantai».

A oração é, nunca será demais repeti-lo, o combustível para a fé. Como diálogo, desafia-nos a levar a Deus as nossas súplicas, mas sobretudo, antes disso, a escutar o que Ele nos diz em cada situação, a fim de nos envolvermos na Sua obra.

6 – São Paulo, na missiva dirigida a Timóteo, fundamenta e enquadra a nossa fé, interpelando a acolher, viver e anunciar o Evangelho. O propósito é identificar-nos com Jesus e, com Ele, pelo Espírito Santo, fazer brilhar no mundo o Evangelho da Caridade, no qual se escrevem as páginas do amor de Deus para com a humanidade.

É também para nós que o Apóstolo se dirige, comprometendo-nos: «Lembra-te de que Jesus Cristo ressuscitou dos mortos… É digna de fé esta palavra: Se morremos com Cristo, também com Ele viveremos; se sofremos com Cristo, também com Ele reinaremos; se O negarmos, também Ele nos negará; se Lhe formos infiéis, Ele permanece fiel, porque não pode negar-Se a Si mesmo».

Duas linhas que caminham juntas, entrelaçando-se. Se dermos testemunho de Jesus, também Ele testemunhará a nosso favor junto de Deus Pai. Se com Ele morremos, com Ele viveremos. Eis o nosso compromisso constante: anunciar o Evangelho, sempre, em toda a parte, a todos, por palavras e obras!.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): 2 Reis 5, 14-17; Sl 97 (98); 2 Tim 2, 8-13; Lc 17, 11-19.