Domingo XXX do Tempo Comum – ano A – 25 de outubro de 2020

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Domingo XXX do Tempo Comum – ano A – 25 de outubro de 2020

1 – Amar é o que nos salva, nos humaniza e irmana, solidificando a fraternidade. Amar nunca é demais. Há quem diga que se ama em excesso, demasiado, mais do que expectável ou do que é merecido por quem se ama. Amamos por defeito, em défice, mesmo que queiramos amar na perfeição. Estamos a caminho, a aprender. Nunca saberemos tudo. Crescemos a tentar. Para os crentes, o amor também se acolhe, como virtude teologal, também se reza, também se pede. O amor cultiva-se, adensa-se, multiplica-se pela partilha.

Amar muito ou amar pouco são categorias que não exprimem o excesso ou o défice de amor. Ama-se, ponto! Não se ama mais. Se se ama menos, é porque não se ama de qualquer jeito. O amor não é quantificável. Sabemos que somos limitados. Não é o amor, como realidade abstrata, mas este “recipiente” que somos, o corpo que somos, com as nossas fragilidades e formatações, medos e pressas, cautelas e anseios.

Ama-se sem reservas nem condições. Quando isso não acontece, é porque temos medo ou precaução. Isso pode bloquear uma relação. Amar implica-nos, implica sinceridade, cuidado, atenção, disponibilidade, implica permanecer, implica verdade e fidelidade. Amar é a fidelidade no tempo (Bento XVI em Portugal).

Amemos com o que somos, com os nossos traumas e limitações, com a nossa experiência e aprendizados, mas se amamos, façamo-lo por inteiro, isso não é pouco ou muito, tem de ser tudo, mesmo que não seja perfeito ou pleno. No amor, como na vida, estamos a caminho, somos caminho, fazemo-nos caminho. Só na eternidade nos conheceremos tal como somos conhecidos por Deus.

Mais do que o explicar, o amor vive-se, expressa-se por gestos, beijos, abraços, dando as mãos, ajudando a levantar o outro, sustentando-o para que não caia. O amor é perfeito, a sua expressão nem sempre, pois podemos apertar de mais ou soltar antes do tempo. Por outras palavras, as nossas imperfeições podem ofuscar o amor, tornar opaca a sua luz e beleza. Imaginemos que alguém mostra o amor num abraço, mas que, com a força que tem, aperta demasiado a outra pessoa, deixando-a sem ar! O amor é sincero, mas a expressão é que pode ser deficiente!

2 – A temática do amor é incontornável na vida, na mensagem de Jesus, na Sua postura. Mais do que discursar e apresentar teorias sobre o amor ou sobre o perdão. Jesus é próximo dos pequeninos, convive com pecadores e publicanos, com os excluídos, não faz aceção de pessoas, vai a todo o lado, a todos os lugares, entra em casa de fariseus, de publicanos, como Mateus e Zaqueu, faz gestos escandalosos, deixa que uma mulher O perfume, em público, Lhe lave os pés com as lágrimas e lhos enxugue com os cabelos, fala em público com mulheres, com estrangeiros, reabilita a mulher apanhada em adultério, dialoga com todas as pessoas. É um Profeta acessível, não está resguardado por seguranças e os Seus seguidores são gente do povo, pescadores, camponeses, o mais letrado seria Judas! Deixa aproximar um leproso e toca-lhe na alma.

Os fariseus estão de atalaia a tudo quanto faz Jesus, aos Seus passos, ao que Ele diz. Sabem que é um homem sábio, arguto, mas simultaneamente simples, próximo do povo, aliás, também Ele um homem do povo. Chegou-lhes aos ouvidos que Jesus deixou os saduceus sem palavras. Então tentam eles armadilhar a reação de Jesus, com uma pergunta direta: «Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?».

Não é que eles não saibam, até porque faz parte do credo judaico, mas querem testar Jesus.

«’Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito’. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo, porém, é semelhante a este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Nestes dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas».

Ao maior mandamento, reconhecido por todos, Jesus acrescenta, agrafa e exige um segundo mandamento. O amor a Deus conjuga-se com o amor aos irmãos. É uma condição “sine qua non”, não é possível amar a Deus sem amar aqueles que Ele ama e por quem, em Jesus, dá a vida. Se amarmos a Deus, desligados do nosso semelhante, teremos um amor sem conteúdo, apenas aparência de amor, mesmo dando-lhe este nome.

3 – Iniciámos cada Eucaristia com a invocação da Santíssima Trindade, Pai e Filho e Espírito Santo, comunidade de vida e de amor. A Santíssima Trindade, diz-nos o Vaticano II, é a origem e o fundamento da Igreja, esta há de reproduzir a circularidade do amor do Deus trinitário.

Reunimo-nos porque fomos atraídos, impelidos por Deus, que toma a iniciativa de nos fazer Seus e de nos chamar à vida e à felicidade. Ele gera-nos e chama-nos em comunidade, como Povo, para nos entreajudarmos, para sermos uma só família, para sermos todos irmãos (Fratelli Tutti). E somos todos irmãos, precisamente, porque temos um único Pai, somos unidos pelo Espírito de amor, assumidos em Jesus como irmãos.

Na oração da Eucaristia deste 30.º Domingo do Tempo Comum, predispomo-nos a crescer no amor para sermos filhos da promessa e procurarmos acolher e multiplicar o que Ele nos manda: “Deus eterno e omnipotente, aumentai em nós a fé, a esperança e a caridade; e para merecermos alcançar o que prometeis, fazei-nos amar o que mandais”.

Se amamos alguém, como é óbvio, estamos atentos ao que pensa, ao que sente, ao que precisa, o que podemos fazer para se sentir feliz, acolhido, amado, protegido. Se de todo o coração amamos Deus, tudo faremos para que Ele seja feliz, para Lhe agradar, para fazermos o que sentimos e sabemos que Lhe faz bem, e que co-responde ao Seu amor por nós. Regressamos assim à questão anterior: amar a Deus implica amarmos o que Ele ama, ou quem Ele ama, e realizar o que Ele nos manda, que é a mesma coisa: amar, servir, cuidar de todos, especialmente dos mais pequeninos.

4 – Ama a faz o que quiseres. É a interpelação de Santo Agostinho. Quando amamos (na sinceridade do que somos) queremos que o outro seja feliz. Tudo faremos pelo outro. Somos mendigos da sua benevolência.

O amor, no entanto, como facilmente se percebe, não se vê em si mesmo, traduz-se pelos gestos. Fazer o que se quer quando se ama, é fazer tudo pelos outros, ajudá-los, cuidar, servir. Amar é fazer-se pobre, porque se está dependente do outro, se age para que o outro seja, exista, viva em abundância.

O Senhor, nosso Deus, diz-nos «Não prejudicarás o estrangeiro, nem o oprimirás, porque vós próprios fostes estrangeiros na terra do Egipto. Não maltratarás a viúva nem o órfão. Se lhes fizeres algum mal e eles clamarem por Mim, escutarei o seu clamor… Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo, ao pobre que vive junto de ti, não procederás com ele como um usurário, sobrecarregando-o com juros. Se receberes como penhor a capa do teu próximo, terás de lha devolver até ao pôr do sol, pois é tudo o que ele tem para se cobrir, é o vestuário com que cobre o seu corpo. Com que dormiria ele? Se ele Me invocar, escutá-lo-ei, porque sou misericordioso».

Deus ouve o clamor do pobre e dos injustiçados. Não se discutem questões morais, se merece ou não merece, o amor não segue as aparências, Deus ama bons e maus, o amor de Deus está antes, durante e depois. O que fizerdes ao mais pequenino, diz-nos Jesus, é a Mim que o fazeis. O que deixais de fazer aos desvalidos é a Mim que deixais de o fazer. Em cada situação da história, somos chamados a responder ao amor de Deus, amando os irmãos. Questionemo-nos, uma vez mais, neste momento que passa: estamos a ajudar, prontos para cuidar? Somos benevolentes com os outros? Estamos disponíveis para cuidar quem se encontra em situação frágil ou prontos para avaliar e ver se merecem ou não merecem ajuda? Procedemos ao jeito de Deus ou conforme os nossos gostos pessoais e as nossas pertenças ideológicas?

5 – A resposta que o salmo nos ajuda à Palavra de Deus, sintoniza-nos nesta confiança em Deus, que vem em nosso auxílio, em Quem pudemos depositar as nossas esperanças.

“Eu Vos amo, Senhor, minha força, minha fortaleza, meu refúgio e meu libertador. Meu Deus, auxílio em que ponho a minha confiança, meu protetor, minha defesa e meu salvador. Na minha aflição invoquei o Senhor e clamei pelo meu Deus. Do seu templo Ele ouviu a minha voz e o meu clamor chegou aos seus ouvidos”.

Se a nossa oração é sincera, se a arrancamos do coração, então não podemos pedir para nós uma coisa e para os outros uma coisa diferente, não podemos suplicar sem nos comprometermos com a vontade de Deus, sem sintonizarmos a nossa com a Sua vontade, com o Seu modo de proceder. Se descansamos n’Ele, também n’Ele a sabedoria e o ânimo para transformarmos o mundo e a história e fazermos que o tempo seja uma oportunidade de encontro, de amor, de cuidado, de cimentar a fraternidade. Só quando sintonizamos com os mais pequeninos, ajudando-os e caminhando com eles, diz-nos o Papa Francisco, é que podemos dizer que estamos em modo de fraternidade, como membros desta família de Deus, em que todos contam, a começar pelos últimos, pelos que precisam de mais cuidados porque estão mais frágeis.

6 – São Paulo, o maior missionário de todos os tempos, continua a anunciar o Evangelho, ora de viva voz, ora através das missivas que dirige às comunidades. Tem-nos sido servida a Epístola aos Tessalonicenses. O Apóstolo apresenta-se como referência, na medida em que em todo o tempo procura viver de acordo com o Evangelho, transparecendo Jesus Cristo. Como dirá aos Gálatas, “já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (2,20), ou aos Filipenses, “para mim viver é Cristo” (1, 21).

Aos tessalonicenses: “Vós sabeis como procedemos no meio de vós, para vosso bem. Tornastes-vos imitadores nossos e do Senhor, recebendo a palavra no meio de muitas tribulações, com a alegria do Espírito Santo; e assim vos tornastes exemplo para todos os crentes da Macedónia e da Acaia”.

Os cristãos desta comunidade souberam acolher o dom de Deus, a fé, o Evangelho da caridade, tornando-se, por sua vez, evangelizadores. “Partindo de vós, a palavra de Deus ressoou não só na Macedónia e na Acaia, mas em toda a parte se divulgou a vossa fé em Deus… e como dos ídolos vos convertestes a Deus”.

As comunidades cristãs acolhem a fé, deixam-se plasmar pelo Espírito Santo, procuram configurar as suas vidas com a de Jesus, levando à prática a esperança, pelo empenho na transformação do mundo, edificando a fraternidade pela caridade, amizade e partilha solidária.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Ex 22, 20-26; Sl 17 (18); 1 Tes 1, 5c-10; Mt 22, 34-40.