Domingo XXXII do Tempo Comum – ano A – 8 de novembro de 2020

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Domingo XXXII do Tempo Comum – ano A – 8 de novembro de 2020

1 – Aproxima-se o final do ano litúrgico. Mais que um círculo (ou ciclo) fechado (ou que se encerra) é uma espiral permanente que nos liga ao passado, nos compromete com o presente e nos encaminha para o futuro. Não avançamos, nunca, num novo ano, numa nova etapa, sem o que está para trás, sem a história, sem as raízes. Com efeito, também uma árvore não cresce nem dá frutos novos se cortada, desligada das raízes, e replantada, pois as raízes alimentam toda a árvore. Assim também connosco, o novo que está para vir está enxertado no que fomos e no que somos, e, como cristãos, enxertados em Cristo, Ele a videira e nós os ramos.

O ano litúrgico mostra-nos isso: o final e o início (do ano seguinte) unem-se nas realidades últimas, na vinda de Jesus, Encarnação-Natal, e como juízo salvífico para a humanidade no fim dos tempos, e fazem-nos avançar, através da conversão, constante, que nos renova e reforça o nosso compromisso com a verdade, a justiça e paz, com a ternura, o amor e a alegria. No tempo do Advento teremos oportunidade de escutar e de refletir na primeira vinda de Jesus e na Sua vinda no final dos tempos. Mas antes de lá chegarmos, temos estes três domingos para nos deixarmos desafiar pela Palavra de Deus que aponta o final na senda do caminho a fazer. O final será o que fizermos dele durante o hiato de tempo que nos é dado viver.

Não esperamos pelo final! Vivemos a caminho, como peregrinos! O final será resultado também do que vivermos até chegar a nossa hora.

2 – No Evangelho, Jesus compara o reino de Deus a um banquete nupcial, em que 10 virgens se preparam para receber e acompanhar o noivo. Há um tempo de espera. Ou de vida acolhida, vivida e partilhada. Esperamos, não de braços cruzados, mas ativamente vigilantes. Quem vai para mar prepara-se em terra.

O reino de Deus pode comparar-se a um banquete nupcial, preparado por Deus, em que o Noivo, o Seu Filho, Jesus Cristo, nos conduzirá à Casa Paterna. Quando Ele chegar, podemos estar a dormir ou ocupados com muitas coisas que nos distraem da vida. Estamos incluídos naquelas 10 virgens. Cinco preparam-se, vivem, levam as lâmpadas acesas e azeite nas almotolias, precavendo-se de qualquer demora. As insensatas levam as lâmpadas, esperando que a espera seja breve ou o azeite se aguente! A meio da noite, o brado da chegada do noivo. Umas e outras, despertam e preparam as lâmpadas. Melhor, as prudentes, como têm azeite de reserva, preparam as lâmpadas. As insensatas, como não têm azeite e as lâmpadas estão a apagar-se pedem às prudentes, que lhes respondem: “Talvez não chegue para nós e para vós. Ide antes comprá-lo aos vendedores”.

Na verdade, somos responsáveis uns pelos outros. Estamos no mesmo barco. Somos filhos do mesmo Pai. Somos todos irmãos (Fratelli tutti), irmãos em Jesus Cristo. Mas há a responsabilidade pessoa, os outros não nos substituem no que nos compete fazer. Não vivem por nós. Os pais muitas vezes preferiam viver pelos filhos, sobretudo no que diz respeito a sacrifícios e sofrimentos ou desilusões, mas não é possível. Não somos marionetas. Deus não vive em nossa vez. Os outros não vivem na nossa vez. Cada um é chamado a viver, a gastar-se, a multiplicar os dons e os talentos que recebe de Deus, e não a esperar pelo final.

3 – O final só é problemático se o “durante”, o hoje, for desperdiçado. Quantas vezes nos questionamos ou nos lamentamos: Se eu soubesse! Como me arrependo! Podia ter feito as coisas de outra maneira! Perdi tanto tempo e agora já não sei se tenho tempo para corrigir!

Todos podemos experimentar estes lamentos! Se sabemos isso, façamos, em cada situação, o melhor para nós e para os outros, o que nos torna verdadeiramente filhos, o que nos faz realmente irmãos. É claro que não nos compete um juízo de valor sobre os demais, deixamos à misericórdia de Deus. Ninguém pode afirmar que Judas não foi resgatado por Deus! Diz-nos o Concílio de Trento que se alguém afirmar que Judas se condenou ao inferno seja considerado anátema. O bom ladrão é resgatado, pelo arrependimento, por Jesus, nos últimos instantes!

Contudo, esse é o tempo (ou a eternidade) de Deus, não o nosso! A nós está reservado o tempo histórico que vai do nosso nascimento à nossa morte biológica. Mas se estamos a aguardar dias melhores, horas mais favoráveis, pode acontecer que já seja tarde, que já não vamos a tempo de viver e celebrar a vida!

As virgens insensatas foram comprar, no último instante, mais azeite, mas já não regressaram a tempo, o noivo já tinha passado e entrado para o banquete nupcial, com as virgens prudentes. E a porta tinha sido fechada. Bem insistem: “Senhor, senhor, abre-nos a porta”, mas a resposta do noivo é concludente: “Não vos conheço”, não vos encontrei no meu caminho, não vos vi enquanto havia luz! A conclusão de Jesus, para os discípulos, daquele e deste tempo: «Vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora».

4 – Não esperemos pelo amanhã, que não chega, que pertence a Deus, vivamos o presente, como dádiva e transformemos as nossas palavras e ações em bênçãos multiplicadas. Abramos e semeemos sulcos de paz e de esperança. Não apaguemos a chama que fumega! “Deus eterno e misericordioso, afastai de nós toda a adversidade, para que, sem obstáculos do corpo ou do espírito, possamos livremente cumprir a vossa vontade”.

A oração predispõe-nos a acolher a vontade de Deus, deixando-nos guiar por Ele e iluminar pela Sua palavra. Escutamos, na primeira leitura, «A Sabedoria é luminosa e o seu brilho é inalterável; deixa-se ver facilmente àqueles que a amam e faz-se encontrar aos que a procuram. Antecipa-se e dá-se a conhecer aos que a desejam. Quem a busca desde a aurora não se fatigará, porque há de encontrá-la já sentada à sua porta».

Um dia Jesus bendirá o Pai pelos os pequeninos, porque a eles são revelados os mistérios do reino, e não aos que se julgam sábios e inteligentes, pois já há muito se fecharam à sabedoria que vem do alto. Esta Sabedoria é identificada, pelos autores cristãos, com o Filho de Deus, a Sabedoria que encarna e nos vem de Deus. Se A amarmos andaremos na luz. Se amarmos e seguirmos Jesus Cristo, vivemos em plena luz do dia. Há de ser uma busca madrugadora, mas com a certeza que Ele nos precede, já está sentado, à porta, à nossa espera. Procuremo-l’O, Ele deixa-Se encontrar, melhor, Ele vem ao nosso encontro, à nossa vida, a nossa casa. Ele bate, se lhe abrirmos a porta e O deixarmos entrar, Ele sentar-se-á à nossa mesa e ceará connosco.

5 – Não estamos sós. Deus segue connosco no caminho. Seguimos conjuntamente com todos os que procuram o Senhor, deixando-se encontrar por Ele e procurando que Ele seja luz e inspiração, caminho e paz. Cabe-nos a busca, permanente e incansável. Parafraseando Santo Agostinho, na procura Ele encontra-te, encontrando-O procura-O. Quando deixares de O procurar, deixas de O ver e de O sentir, pois o mistério não se deixa aprisionar e quando pensamos que já atingimos a perfeição e a sabedoria absoluta foi quando começamos a perder-nos no nosso egoísmo e vão orgulho. Estamos a caminho, o final conduzir-nos-á à eternidade de Deus.

O Salmo ajuda a rezar a nossa busca e a descobrirmos que a vida na presença de Deus é dom e bênção.

“Senhor, sois o meu Deus: desde a aurora Vos procuro. A minha alma tem sede de Vós. Por Vós suspiro, como terra árida, sequiosa, sem água… A vossa graça vale mais que a vida; por isso, os meus lábios hão de cantar-Vos louvores. Assim Vos bendirei toda a minha vida e em vosso louvor levantarei as mãos. Serei saciado com saborosos manjares e com vozes de júbilo Vos louvarei. Quando no leito Vos recordo, passo a noite a pensar em Vós. Porque Vos tornastes o meu refúgio, exulto à sombra das vossas asas”.

A nossa história, o tempo e a nossa vida são misteriosamente iluminados pelo amor de Deus. Precisamos de nos colocar à escuta, respondendo aos outros pela caridade que d’Ele acolhemos.

6 – São Paulo, na segunda leitura, fala da morte e dos defuntos, de forma clarividente. A fé faz com que vislumbre mais longe e acolha, com alegria e tranquilidade, o mistério de Deus. O final chegará. Mas para quem tem fé, a esperança firme que Deus também estará lá para nós, para todos os que O procuram, O amam e O testemunham. No entretanto, vivamos descansando em Deus, e trabalhando em todo o tempo pelo bem de todos.

O Apóstolo afirma convictamente: “Não queremos deixar-vos na ignorância a respeito dos defuntos, para não vos contristardes como os outros, que não têm esperança. Se acreditamos que Jesus morreu e ressuscitou, do mesmo modo, Deus levará com Jesus os que em Jesus tiverem morrido. Eis o que temos para vos dizer, segundo uma palavra do Senhor: Nós, os vivos, os que ficarmos para a vinda do Senhor, não precederemos os que tiverem morrido… Consolai-vos uns aos outros com estas palavras”.

A estas palavras, de fé e esperança, agrafamos outras do Apóstolo, quando fala da ressurreição dos mortos e como alguns deixaram de estar comprometidos com a caridade e serviço aos outros: quem não trabalha também não coma. A ressurreição é certa para aqueles que amam, que adoram o Senhor, que se empenham na transformação do mundo, a viver na justiça, na verdade e construindo a paz. É uma espera ativa. Não cruzamos os braços à espera que Deus faça, que Deus faça em por nós! Ele age no mundo e na história através de nós. O dom transforma-se em bênção quando nós o multiplicamos no cuidado ao nosso semelhante.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A: Sab 6, 12-16; Sl 62 (63); 1 Tes 4, 13-18; Mt 25, 1-13.