Domingo XXXII do Tempo Comum – ano B – 2024

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Domingo XXXII do Tempo Comum – ano B – 2024

1 – Cada cêntimo conta. Sobretudo para quem sobrevive à míngua e para aqueles que tiveram (e têm) de fazer pela vida, pois não a receberam de mão beijada. Tal como primeiro se fazia com o pão, ainda que fosse um pedacinho, se caísse ao chão, limpava-se e comia-se, assim um cêntimo não se dá por perdido e procura-se até se encontrar ou encontrando-se (um cêntimo) no chão não se ignora ou se pontapeia, mas apanha-se e guarda-se. Grão a grão enche a galinha o papo.

Um presente vale pelo significado e não tanto pelo valor material. Claro, para algumas pessoas só vale se custou muito. Para a maioria, penso eu, conta porque comunica sentimentos, presença, cuidado, atenção. Conta porque surpreende. Conta porque tem a ver com a pessoa a quem se oferece. Conta porque quem oferece dá algo de que gosta muito e sabe que vai agradar à pessoa a quem oferece. Claro que há quem receba uma prenda e fique desiludida. Já todos presenciámos situações dessas. Há quem, por feitio, não saiba agradecer ou expressar a alegria do presente na presença de quem oferece. Mas estou em crer que, por mais insignificante que seja, um presente vale pela ligação, pelos laços que unem duas (ou mais) pessoas. Vale pela pessoa. Leva um pouco da pessoa. “Fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas”. Acrescenta valor.

Num outro sentido, há relações (entre casais, entre amigos, entre pais e filhos) em que os presentes tentam substituir a presença, o cuidado, a atenção. Mas logo se verifica o desencanto. Não quero o que me dás, quero que te dês, que dês do teu tempo, da tua vida. De que me serve ter o mundo inteiro se não posso contar contigo, se quando preciso não estás, não podes, não consegues dispensar uns minutos para me ouvires? O dinheiro, com efeito, pode comprar “companhia”, mas não amizade, não os afetos!

Ao longo da Sua vida pública, Jesus vai mostrando que o muito pouco pode significar muito, pode significar tudo, quando implica a pessoa. A contabilidade de Jesus não é traduzível por números, não se enquadra na economia de mercado (por mais justa que possa ou pudesse ser). A contabilidade de Jesus faz-Se de amor, de entrega, de gastar a vida a favor do outro, de se dar totalmente. É assim que Ele faz connosco. Não Se dá às prestações. Não espera pelo tempo favorável. Dá-Se agora, quando é necessário.

2 – Parafraseando o papa Francisco, Deus dá-nos a terra como herança para cuidar, somos donos e não administradores. Os bens destinam-se a todos. Na verdade, “a fome existe não porque falta comida, mas pelas exigências de mercado, que às vezes chega a destruir alimentos…a posse é uma responsabilidade. Aquilo que possuo realmente é o que que sei doar. Esta é a medida para avaliar como eu consigo ter as riquezas. Bem ou Mal. Esta palavra é importante. Se posso doar, sou aberto, então sou rico, mas também na generosidade. Generosidade é um dever. Se não posso doar algo é porque esta coisa me possui, sou escravo, ela tem poder sobre mim”.

Daí a conclusão: “o diabo entra pelo bolso. Primeiro vem o dinheiro, o amor ao dinheiro, o afã de possuir, depois a vaidade e, por fim, o orgulho e a soberba. Este é o modo de agir do diabo em nós, mas a porta de entrada é o bolso. Queridos irmãos e irmãs, ‘não roubar’ quer dizer: ame com os seus bens… Porque a vida não é tempo para possuir, mas para amar”.

Tal como o Papa refere, em consonância com as palavras de Jesus, os bens devem libertar-nos, devem ser usados como meio para vivermos melhor uns com os outros, na generosidade para quem mais precisa. O problema não está na riqueza material, quando resulta do trabalho honesto, mas na ganância desmedida que passa por cima dos outros, ao lado dos seus sofrimentos.

3 – Sempre. Tudo. Por inteiro. O jeito de Jesus: de amar e de Se dar e de perdoar. 70 x 7 – perdoar sempre. Perdoar pelo excesso – 10 mil talentos. Não desistir de ninguém, da dracma e da ovelha perdida, não desistir do filho pródigo ainda que tenha desejado a morte do Pai. Não há prestações, reservas, condicionais. As contas não são de somar, de subtrair ou de dividir, são de acrescentar, de multiplicar, de incluir.

No Templo há quem seja invisível ou cuja a visibilidade incomoda. E há quem se faça notar pelo luxo, pelo ruído, pelas moedas que deita no tesouro. E há uma viúva, pobre, indigente, que deita duas moedinhas, um quadrante! Coisa pouca, diríamos! Acrescenta quase nada ao tesouro! E se a comparação forem as moedas de ouro e de prata, ainda mais insignificante. A viuvez feminina, não havendo descendência, era uma desgraça, pois as mulheres viúvas tendiam a ficar desamparadas e a cair na miséria. A sua estadia no Templo, muitas vezes, era para pedir, para beneficiar da generosidade de quem passava. A esmola era uma obrigação e um compromisso. Mas cumpre quem quer.

Habitualmente, Jesus não faz grandes discursos e serve-se de situações concretas, pontuais, serve-se do que vê e do que ouve. Ali, frente à arca do tesouro, Jesus observa e ensina os discípulos: «Esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros. Eles deitaram do que lhes sobrava, mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver».

O que Jesus nos pede não é que demos muito. O que Jesus nos pede é que nos demos por inteiro, nos comprometamos uns com os outros. Mais que calcular o que damos, importa amar sem medida, cuidar e servir. Demos do que nos faz falta. A caridade, tem repetido o nosso Bispo, dói, porque nos implica no que damos e implica-nos. Não basta deitar uma moeda na mão, é preciso olhar nos olhos e ver que necessidades mais existem em cada pedido…

4 – A bondade e a ternura não dependem das condições pessoais, familiares, profissionais ou económicas. Claro que há circunstâncias facilitadoras e circunstâncias adversas, mas depende mais da atitude, das opções interiores. Pouco ou muito, o despojamento parte de cada um.

A fé, amadurecida e coerente, potencia a humildade, o desprendimento e a generosidade. Na primeira leitura vemos como Elias vai a Serepta e se dirige a uma viúva pobre, que vive à míngua, fazendo-lhe pedidos: «Por favor, traz-me uma bilha de água para eu beber… Por favor, traz-me também um pedaço de pão».

A viuvez, recordemo-lo, associa-se, muitas vezes à pobreza e à indigência, em tempo em que não havia proteção social. A resposta desta viúva é clarificadora: «Tão certo como estar vivo o Senhor, teu Deus, eu não tenho pão cozido, mas somente um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na almotolia. Vim apanhar dois cavacos de lenha, a fim de preparar esse resto para mim e meu filho. Depois comeremos e esperaremos a morte».

O Profeta, intuindo a humildade desta mulher e a sua bondade, sabendo das suas carências “materiais”, aponta a fé confiante em Deus que não lhes faltará: «Não temas; volta e faz como disseste. Mas primeiro coze um pãozinho e traz-mo aqui. Depois prepararás o resto para ti e teu filho. Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel: ‘Não se esgotará a panela da farinha, nem se esvaziará a almotolia do azeite, até ao dia em que o Senhor mandar chuva sobre a face da terra’».

E tal como o Profeta anunciará, a confiança em Deus não saiu defraudada, pois nem a panela de farinha se esgotou nem a almotolia do azeite se esvaziou.

5 – Como segunda leitura, tem-nos sido servida a Epístola aos Hebreus, na qual Jesus é apresentado como o Sacerdote por excelência, pois n’Ele se conjugam em perfeição a divindade e a humanidade. Identificado totalmente com Deus, identifica-Se connosco, assumindo a nossa condição humana. Ao encarnar, manifesta e mostra, com a Sua vida, morte e ressurreição, o amor de Deus para connosco. Ascendendo para o Pai, leva conSigo a nossa humanidade e coloca-nos, com Ele, à direita do Pai.

Com efeito, «Cristo não entrou num santuário feito por mãos humanas, figura do verdadeiro, mas no próprio Céu, para Se apresentar agora na presença de Deus em nosso favor. E não entrou para Se oferecer muitas vezes, como o sumo sacerdote que entra cada ano no Santuário, com sangue alheio; nesse caso, Cristo deveria ter padecido muitas vezes, desde o princípio do mundo. Mas Ele manifestou-Se uma só vez, na plenitude dos tempos, para destruir o pecado pelo sacrifício de Si mesmo. E, como está determinado que os homens morram uma só vez e a seguir haja o julgamento, assim também Cristo, depois de Se ter oferecido uma só vez para tomar sobre Si os pecados da multidão, aparecerá segunda vez, sem a aparência do pecado, para dar a salvação àqueles que O esperam».

O caminho para nos identificarmos com Jesus, e assim nos predispormos para a comunhão na vida eterna, é visível nas páginas do Evangelho e de toda a Sagrada Escritura no gesto de despojamento daquela viúva pobre que deita duas moedinhas no tesouro do Templo, na confiança e na fé da viúva de Sarepta, e em todos os que se deixam tocar pela graça de Deus, como São Martinho de Tours, cuja memória litúrgica ocorre amanhã, que nos ajuda a ver Jesus Cristo em todos aqueles que necessitam da nossa ajuda, do nosso olhar e do nosso cuidado.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): 1 Reis 17, 10-16; Sl 145 (146); Hebr 9, 24-28; Mc 12, 38-44.