Domingo XXXIII do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo XXXIII do Tempo Comum – C – 2022

1 – A vida poderá ser mais fácil para uns do que para outros, mas para todos é dom e desafio. Nem sempre decorre como expectável, surpreendendo-nos, positiva e/ou negativamente. Não é linear e não depende apenas de nós, mas também dos outros, das circunstâncias que nos circundam e dos acontecimentos. Não controlamos em absoluto a vida. Só Deus, que é Senhor da vida, do tempo e da história! Lidamos e contamos com a nossa fragilidade e a dos outros.

Os mesmos acontecimentos têm impacto diferente nas pessoas, pois a forma de encarar a vida, as adversidades e a bonança difere de pessoa para pessoa. Uma tempestade, para uns pode ser apenas e só um aborrecimento, um castigo, uma contrariedade e para outros uma oportunidade para recomeçar, pois ajuda a lavar as ruas e as avenidas, também da vida.

Deus põe-nos à prova, dirão alguns. A vida e as situações exigem de nós sabedoria, discernimento, resiliência. Deus não precisa de armadilhar a vida para ver até onde resistimos ou para que, vergados pelas dificuldades e pelo sofrimento, possamos crescer, amadurecer, dar um salto qualitativo para enfrentar novos desafios ou novas adversidades. Deus conhece-nos, conhece-nos até à medula dos ossos, sabe o que valemos, e para Ele valemos tudo, sabe do que somos feitos, conhece a nossa fragilidade. Deus não exige mais do que aquilo que possamos suportar. Bem entendido, Deus ajuda-nos a enfrentar e superar e a atravessar as tempestades. Em sentido inverso, se entendemos os contratempos como provação de Deus, ou como castigo, ou como armadilha para ver até onde resistimos, então talvez o nosso Deus não seja o mesmo de Jesus Cristo, que é Pai e, n’Ele, Se oferece inteiramente por nós.

2 – Até há pouco, vivíamos em aparente paz e bem-estar, apesar e além das crises económicas, o mundo ocidental prosperava. As crises foram expondo fragilidades, injustiças, desigualdades, periferias. Com a pandemia e, mais recentemente, com mais uma guerra, esta mais perto, mais ameaçadora e mais mortífera, a confiança no progresso e nas democracias vacilou. Os esforços de paz, visíveis, pelo menos, para o exterior, parece que foram em vão.

Jesus constata a caducidade das coisas, por mais duráveis que possam ser. «De tudo o que estais a ver, não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído».

O templo de Jerusalém demorou quarenta e seis anos a concluir. É uma obra de arte. Além do seu valor patrimonial, arquitetónica, também a relevância e o simbolismo religioso, social e político. Nada se lhe compara, todavia, também o Templo não resistirá ao tempo, à erosão ou à intervenção destrutiva do ser humano.

Os discípulos logo querem saber quando sucederá isso, se é para breve ou ainda faltará muito. A resposta de Jesu não é datada no tempo, não tem a ver com a cronologia, mas com a vida, com as opções a fazer. Jesus desmistifica os sinais exteriores, mas interpela a perscrutar o interior, o coração.

«Tende cuidado; não vos deixeis enganar, pois muitos virão em meu nome e dirão: ‘Sou eu’; e ainda: ‘O tempo está próximo’. Não os sigais. Quando ouvirdes falar de guerras e revoltas, não vos alarmeis: é preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim». Ao longo do tempo não têm faltado alarmismos e falsos messias, que têm provocado seguidismos e hecatombes. Consequência das nossas limitações, as guerras e os conflitos podem multiplicar-se, mas não são castigo de Deus, mas tão somente isso: resultado das nossas escolhas, ainda que haja imponderáveis ligados à natureza.

3 – E Jesus prossegue, dizendo: «Há de erguer-se povo contra povo e reino contra reino. Haverá grandes terramotos e, em diversos lugares, fomes e epidemias. Haverá fenómenos espantosos e grandes sinais no céu».

Muitos quiseram, no passado, e também os há no presente, fazer coincidir os acontecimentos catastróficos com a profecia de Jesus. Alguns usaram as “coincidências” para explorar pessoas, assustando-as, “escravizando-as” ou usando-as para interesses pessoais ou corporativos.

Nem tudo o que acontece nos toca a alma. Ou nem tudo nos toca do mesmo jeito. Acontecimentos naturais podem influir sobre a vida humana e, portanto, mais direta ou indiretamente, dizem-nos respeito. As guerras, a violência, a fome, mais nos dizem respeito, a todos. A grandiosidade de algumas situações, não secundariza o que de perto nos toca. «Mas antes de tudo isto, deitar-vos-ão as mãos e hão de perseguir-vos, entregando-vos às sinagogas e às prisões, conduzindo-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome. Assim tereis ocasião de dar testemunho».

Há situações que são inevitáveis e sempre vão suceder. A forma como nós lidamos com os acontecimentos é que poderá fazer diferença. Jesus convoca os discípulos a relativizarem o que é exterior, pois em todo o tempo se verificarão terramotos, guerras e revoltas, pandemias, e, como cristãos, também a perseguição e a maledicência. Ele não nos faltará. «Tende presente em vossos corações que não deveis preparar a vossa defesa. Eu vos darei língua e sabedoria a que nenhum dos vossos adversários poderá resistir ou contradizer. Sereis entregues até pelos vossos pais, irmãos, parentes e amigos. Causarão a morte a alguns de vós e todos vos odiarão por causa do meu nome; mas nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá. Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas».

Confiemos. Não deixemos de fazer o bem e de responder com amor ao mal que nos possam fazer, sabendo que Ele faria o mesmo. Melhor, Ele continuará a fazer o bem em nós e através de nós.

4 – Malaquias fala-nos também do dia do Senhor que há de vir. Será espantoso, mas apenas para quem não estiver preparado. «Há de vir o dia do Senhor, ardente como uma fornalha; e serão como a palha todos os soberbos e malfeitores… Mas para vós que temeis o meu nome, nascerá o sol de justiça, trazendo nos seus raios a salvação».

Na resposta que damos à Palavra de Deus, em forma de oração, no salmo, a mesma confiança: «Cantai ao Senhor ao som da cítara, ao som da cítara e da lira; ao som da tuba e da trombeta, aclamai o Senhor, nosso Rei. / Ressoe o mar e tudo o que ele encerra, a terra inteira e tudo o que nela habita; aplaudam os rios e as montanhas exultem de alegria. / Diante do Senhor que vem, que vem para julgar a terra; julgará o mundo com justiça e os povos com equidade».

A vinda do Senhor não implica uma catástrofe, mas justiça, salvação, manifestação plena do amor. Deus justifica-nos. A vinda de Jesus clarifica a bondade e a misericórdia do Senhor. Há quem se convença pela ameaça e pelo medo. Há pessoas que sugerem que a Igreja deveria acentuar as dimensões que a todos atemorizem, o fim do mundo, a morte, o inferno. Por sua vez, Jesus vem envolver-nos por amor, pois este liberta. Não nos afastamos de quem veste de amor, de cuidado e de carinho. Se há lugar a afastamentos, pelas circunstâncias da vida, permanece a vontade de regressar e a certeza de que seremos bem acolhidos. O medo aprisiona-nos, retém-nos, impede-nos de sermos livres, tanto para sair como para voltar. Nunca estaremos verdadeiramente em casa quando há ameaça, medo, chantagem. O amor faz-nos querer encontrar-nos e encontrar os outros.

5 – Quem vai para mar, prepara-se em terra. Se nos preparamos, se vivemos, se procuramos ajustar a nossa vida à vida de Deus, a nossa vontade à Sua santa vontade, os nossos desígnios ao Seu amor, nada há a recear. Não viver, não fazer render os dons e os talentos, não se preocupar e não cuidar dos outros, isso sim será preocupante, pois estaremos a desperdiçar o tempo e quando nos apercebemos já não há mais oportunidade, pois não se recupera e também não sabemos quanto temos ainda para desfrutar.

São Paulo, na segunda leitura, deixa claro este compromisso. O cristão é cocriador, tem a missão de tornar presente o amor de Deus, imitando Jesus. Dando e cuidando. Amando e perdoando. Servindo e gastando-se a favor dos outros.

Uma vez mais, o apóstolo apresenta-se, sem modéstias, como exemplo a seguir no anúncio do Evangelho, na generosidade e gratuidade, procurando não ser pesado a ninguém. «Não vivemos entre vós na ociosidade, nem comemos de graça o pão de ninguém. Trabalhámos dia e noite, com esforço e fadiga, para não sermos pesados a nenhum de vós».

Paulo reconhece o direito que tinha ao sustento. Mas também no ganha-pão dá o exemplo. «Quem não quer trabalhar, também não deve comer. Ouvimos dizer que alguns de vós vivem na ociosidade, sem fazerem trabalho algum, mas ocupados em futilidades. A esses ordenamos e recomendamos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que trabalhem tranquilamente, para ganharem o pão que comem».

O pão que Deus nos dá compromete-nos a semear, cuidar, produzir. Não cai magicamente do Céu, é fruto da bênção de Deus que nos dá sabedoria e força para produzirmos pão para nós e para os outros. Obviamente que a bênção supõe e exige a partilha com aqueles que não conseguem produzir ou cujas condições sociais e económicas precisam da ajuda de todos.

Neste Dia Mundial dos Pobres, ressoa o apelo do santo Padre para refletirmos no modo de vida que levamos e como nos comprometermos com os mais pobres. Jesus, sendo rico, fez-Se pobre por nós, para que nos enriquecer com a Sua pobreza, com o Seu amor. Sendo Seus discípulos, façamos do mesmo jeito que Ele, dando prioridade, na atenção, cuidado e serviço, aos mais pobres.

A oração – “Senhor nosso Deus, concedei-nos a graça de encontrar sempre a alegria no vosso serviço, porque é uma felicidade duradoira e profunda ser fiel ao autor de todos os bens” – convoca-nos para o serviço na fidelidade á vontade Deus, isto é, ao bem de todos, ao jeito de Jesus, pensando unicamente em dar a vida pelo outro.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Mal 3, 19-20a; Sl 97 (98); 2 Tes 3, 7-12; Lc 21, 5-19.