Domingo XXXIII do Tempo Comum – ano B – 2024
1 – «Senhor, porção da minha herança e do meu cálice, está nas vossas mãos o meu destino. O Senhor está sempre na minha presença, com Ele a meu lado não vacilarei. Por isso o meu coração se alegra e a minha alma exulta e até o meu corpo descansa tranquilo. Vós não abandonareis a minha alma na mansão dos mortos, nem deixareis o vosso fiel sofrer a corrupção. Dar-me-eis a conhecer os caminhos da vida, alegria plena em vossa presença, delícias eternas à vossa direita».
O salmo permite-nos responder à Palavra de Deus recorrendo à própria Palavra de Deus, em tons de súplica, louvor, gratidão, reconhecimento pelas maravilhas que Ele operou e continua a operar em nosso favor. Diante dos abismos, Deus continua ao nosso lado, a estender-nos a mão, a olhar-nos nos olhos para prosseguirmos, a iluminar as nossas trevas, a apontar-nos o caminho, a alentar a nossa esperança.
Ao aproximar-se o final do ano litúrgico, os textos apresentados na liturgia da Palavra remetem-nos para o fim: do mundo, dos tempos! Tudo se conjuga para o final. Deus é o nosso fim, a nossa esperança, a finalidade e o sentido da nossa vida. O mundo vai acabar? Os tempos esgotar-se-ão? E então? A ordem natural do tempo e da história! Não ficaremos cá para sempre, como sói dizer-se. Primeiros uns, depois outros e ninguém ficará para a semente. O tempo da nossa vida é (sempre) curto. Melhor, o tempo da nossa vida, curto ou longo, depende mais da intensidade com que vivemos.
O início e o fim não dependem de nós, ainda que na atualidade haja muitos que definam o início – em relação a outros – e queiram definir o final – em relação a si próprios e aos outros! Que tempo este! O início continua presente, a tentação primeira ameaça realizar-se, como em tantos momentos da história, em que o Homem quis ocupar o lugar que só a Deus pertence! Adão e Eva, plasmados pelo Espírito de Deus, no princípio, querem agora dominar o espírito e controlar a vida!
Se o início e o fim não dependem de nós, o entretanto da vida é connosco: cabe-nos viver e dar sentido à nossa existência terrena, à nossa história e à história do mundo. O tempo será uma bênção se o multiplicarmos pelo bem que fazemos uns aos outros.
2 – Jesus seria um mau ministro das finanças! Quem dá tudo fica sem nada! Tudo a multiplicar! Nada a subtrair ou a somar! Do mesmo modo seria um mau político, na conceção que temos hoje dos políticos: por mais honestos que sejam, nunca mostram os trunfos todos e sempre adequam a verdade aos seus preceitos político-partidários, em conformidade com a situação em que se encontram, a governar ou a fazer oposição! Como tem referido o Papa Francisco, a política, bem entendida, é um sublime serviço à humanidade.
Ao longo da sua vida pública, no compromisso com os Apóstolos, com os discípulos e com as multidões, Jesus não Se esconde por detrás de meias verdades, nem esconde as exigências para aqueles que decidirem segui-l’O, respondendo positivamente ao Seu chamamento. Ao aproximar-se o final da Sua vida história e temporal, Jesus previne-os e previne-nos do que está para vir. Para alguns prevalecerá o medo, a angústia, a confusão; para quem confiar em Jesus, a certeza que a Luz irromperá por entre as nuvens e as trevas recuarão à claridade!
«Naqueles dias, depois de uma grande aflição, o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade; as estrelas cairão do céu e as forças que há nos céus serão abaladas».
Os sinais do que parece o fim, são, afinal, sinais que nos deixam antever a salvação. «Então, hão de ver o Filho do homem vir sobre as nuvens, com grande poder e glória. Ele mandará os Anjos, para reunir os seus eleitos dos quatro pontos cardeais, da extremidade da terra à extremidade do céu. Quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o Filho do homem está perto, está mesmo à porta. Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça».
Carpe diem – vive o dia, aproveita hoje para viver. Esta máxima é como uma espada de dois gumes: para alguns é “destruir” a vida, fazer tudo o que der na real gana, bem ou mal; para outros significa gastar a vida, valorizar cada momento, todos os momentos para o bem. O próprio Jesus nos diz: a cada dia a sua preocupação. E, por conseguinte, diz-nos para não nos preocuparmos com o dia ou a hora: «Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém os conhece: nem os Anjos do Céu, nem o Filho; só o Pai», garantindo-nos que podemos confiar: «Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão».
3 – Na primeira leitura, de Daniel, a linguagem é semelhante à utilizada por Jesus. O texto pertence ao género literário apocalíptico, para uns, tempos catastróficos se aproximam, para outros, a revelação da salvação de Deus sobrevirá ainda que aparentemente o caos pareça levar a melhor.
«Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande chefe dos Anjos, que protege os filhos do teu povo. Será um tempo de angústia, como não terá havido até então, desde que existem nações».
Duas frases com informações reveladoras. Surgirá Miguel que protege os filhos do povo. O aparecimento do Chefe dos Anjos será positiva, pois logo se afirma que ele protege. Os protegidos estarão em segurança. Mas logo se anuncia um tempo de enorme angústia. Como diria São João Batista, o machado está colocado à raiz da árvore, para cortar!
Mas como veremos no anúncio de Jesus, também a profecia nos faz entrar em dinâmica de esperança, de fé em Deus que vem salvar-nos. «Mas nesse tempo, virá a salvação para o teu povo, para aqueles que estiverem inscritos no livro de Deus. Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida eterna, outros para a vergonha e o horror eterno. Os sábios resplandecerão como a luz do firmamento e os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça brilharão como estrelas por toda a eternidade».
Claro que ao olharmos para o mundo que nos rodeia e vendo como parece desmoronar-se, a fé em Deus e a confiança no futuro da humanidade parecem estar hipotecadas. Por vezes mais parece o fim do mundo: guerras, conflitos familiares, corrupção, violência doméstica, terrorismo! Mas então há que escutar Daniel, há que escutar Jesus, a salvação surgirá também no caos, a nós cabe-nos alimentar-nos do sonho de Deus, viver na esperança e fazer o que está ao nosso alcance para fazer o mundo melhor. O futuro a Deus pertence.
4 – A profecia de Daniel tem a sua plena realização, não no Anjo Miguel, mas no próprio Filho de Deus, Jesus Cristo. Com efeito, Ele que era de condição divina ousou assumir-nos e assumir a nossa frágil condição humana, abaixando-Se para nos elevar até ao Céu.
A Epístola aos Hebreus apresenta-no-l’O como o Sumo-sacerdote por excelência, porque, sendo Homem, Se compadece das nossas dores, pois é igual a nós, porque sendo Deus, igual (consubstancial) ao Pai, nos salva, divinizando-nos pelo mistério da Sua morte e ressurreição.
Lembra-nos a epístola que «todo o sacerdote da antiga aliança se apresenta cada dia para exercer o seu ministério e oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca poderão perdoar os pecados. Cristo, ao contrário, tendo oferecido pelos pecados um único sacrifício, sentou-Se para sempre à direita de Deus, esperando desde então que os seus inimigos sejam postos como escabelo dos seus pés. Porque, com uma única oblação, tornou perfeitos para sempre os que Ele santifica. Onde há remissão dos pecados, já não há necessidade de oblação pelo pecado».
A salvação JÁ está em ebulição, imersa no mistério pascal de Jesus, e no qual somos incluídos quando participamos nos Sacramentos. No batismo somos sepultados com Cristo para o pecado e para a morte e com Ele ressuscitados, novas criaturas para Deus; a Eucaristia faz-nos participar na morte e ressurreição, Jesus faz-Se nosso contemporâneo, ainda que o que havemos de ser plenamente só no encontro definitivo com Jesus na eternidade. Em cada dia, a cada momento, cabe-nos viver a identificar-nos com a nossa origem, Deus, a nossa identidade, irmãos de Jesus, filhos bem-amados do Pai, e o nosso fim, Deus para o qual caminhamos pela graça do Espírito Santo.
5 – No meio da instabilidade deste mundo, quando as dúvidas e incertezas advêm, rezemos confiantes: «Senhor nosso Deus, concedei-nos a graça de encontrar sempre a alegria no vosso serviço, porque é uma felicidade duradoira e profunda ser fiel ao autor de todos os bens» (coleta). A fidelidade a Deus torna-nos responsáveis uns pelos outros e pelo mundo que Ele confiou ao nosso cuidado.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano B): Dan 12, 1-3; Sl 15 (16); Hebr 10, 11-14. 18; Mc 13, 24-32.