Domingo III do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo III do Tempo Comum – C – 2022

1 – «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».

O tempo cumpre-se quando realizamos a vida, quando somos fiéis à nossa identidade, à nossa origem, às nossas convicções mais profundas. O tempo cumpre-se em nós e connosco quando harmonizamos o que pensamos, o que dizemos e o que fazemos com o que somos. A nossa identidade primeira configura-nos a Deus, pois somos/fomos criados à Sua imagem e semelhança, capazes de nos reconhecermos na interdependência uns dos outros e de Deus, para cuidarmos, no tempo da nossa vida, do espaço que Ele nos confia e sobretudo das pessoas que coloca na nossa vida.

A vida cumpre-se em nós, connosco, como cristãos, quando assumimos a mesma postura d’Aquele que professamos e seguimos, quando procuramos ver, encontrar e servir Jesus Cristo nos irmãos, em todos, mas especialmente nos mais fragilizados pela doença, pela pobreza, pela idade, pelas condições sociais e económicas. O que fizerdes ao mais pequenos dos meus irmãos, diz-nos Jesus, é a Mim que o fazeis.

A Escritura Sagrada cumpre-se connosco quando escolhemos seguir Jesus e dar a vida por Ele em tudo o que fazemos. A postura de Jesus passa pela identificação com o Pai . Ao longo da Sua vida, Jesus Cristo tem o propósito de viver segundo a vontade de Deus Pai. Maria exemplifica: faça-se em Mim segundo a Tua Palavra, isto é, realize-se em mim a Palavra, a vontade de Deus. Nas Bodas de Caná é incisiva: fazei tudo o que Ele vos disser!

Quando fazemos o que Ele nos manda, sintonizamo-nos com Ele, para com Ele escolhermos o amor e o serviço, a compaixão e o perdão, gastando a vida em prol dos outros.

2 – «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».

Jesus regressa ao lugar onde foi feliz, onde cresceu e se habituou a sentir-se família, não apenas com os parentes, mas com amigos e os vizinhos. Em Nazaré, todos se conhecem, são como uma só família, entreajudam-se, protegem-se mutuamente, participam da festa e do luto, partilham o que têm e recebem de bom grado o que necessitam. Acolhem os forasteiros e tratam-nos como enviados de Deus.

Jesus regressa a casa, está entre os seus. Não precisa de apresentações nem de intermediários.

“Jesus voltou da Galileia, com a força do Espírito, e a sua fama propagou-se por toda a região. Ensinava nas sinagogas e era elogiado por todos”. Quando chega a Nazaré, a terra onde Se tinha criado, deixa antever o texto, já a Sua fama lá tinha chegado.

Em Nazaré, Jesus faz como os demais judeus e como noutras paragens. Em dia de sábado, o dia consagrado ao Senhor, entra na Sinagoga, levanta-Se para fazer a leitura e entregam-Lhe o livro do Profeta Isaías e eis a passagem que encontra: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos e a proclamar o ano da graça do Senhor».

Como fazemos na liturgia cristã, depois da leitura, vem a reflexão, o comentário. Jesus é muito sintético. Não se alonga e parece dizer tudo: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».

Obriga-nos a ler atentamente a passagem de Isaías: «O Espírito do Senhor está sobre mim»! O Espírito que Se manifesta no Batismo, que O impele ao deserto, é o Espírito que O move na missão de anunciar a Boa Nova aos pobres, curar os enfermos, libertar os cativos, instaurar um tempo de graça e de salvação.

3 – A primeira leitura coloca em destaque, tal como o Evangelho, a Escritura, a Palavra de Deus, que há de ser entronizada, dando-lhe destaque, mas com o propósito que se transforme em compromisso e vida! Este terceiro Domingo do Tempo Comum é o Domingo da Palavra de Deus. Oportunidade para que, todos, possamos valorizar a Palavra de Deus, sabendo que em Cristo esta Palavra tem corpo e tem rosto e encarna na compaixão, na cura, no perdão dos pecados.

O sacerdote Esdras traz o Livro da Lei para o apresentar a todos aqueles que eram capazes de compreender. É o sétimo dia, o dia sagrado. Não apenas um momento, trinta minutos, uma hora, mas o dia inteiro, para que toda a vida seja por inteiro consagrada ao Senhor. Desde a aurora até ao meio-dia, a leitura do Livro. Esdras estava num estrado superior, facilitando a proclamação, sendo mais fácil ouvi-lo e acompanhar a leitura. Abre o Livro e todos se levantam, aclamando, bendizendo a Deus: «Ámen! Ámen!». O povo escuta com atenção. Cabe a Esdras e aos levitas lerem com clareza, explicando o sentido da Lei de Deus para que todos compreendam e saboreiem o seu sentido.

O governador, Esdras e os Levitas convocam o povo de Deus à alegria e à festa: «Hoje é um dia consagrado ao Senhor vosso Deus. Não vos entristeçais nem choreis». As palavras de Deus provocam choro, comoção, transformação. Mal é quando a Palavra de Deus já não nos toca, não nos emociona, não nos compromete. A finalizar a liturgia, o governador Neemias faz o envio: «Ide para vossas casas, comei uma boa refeição, tomai bebidas doces e reparti com aqueles que não têm nada preparado. Hoje é um dia consagrado a nosso Senhor; portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza».

Dia consagrado ao Senhor, dia para escutar a Palavra de Deus, dia para a festa, para a família, para a alegria, mas também dia de prestar ainda mais atenção a quem não pode fazer festa. Reparti… alegrai-vos… A alegria do Senhor é a nossa fortaleza!

4 – Na oração, com que iniciámos a Eucaristia, predispomo-nos a escutar a Palavra de Deus e a deixar que a Sua graça nos toque, nos purifique, nos converta, para vivermos segundo o Seu amor. “Deus todo-poderoso e eterno, dirigi a nossa vida segundo a vossa vontade, para que mereçamos produzir abundantes frutos de boas obras, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho”.

Como sabermos qual a vontade de Deus para nós? Uma e outra vez, a oração, procurando escutar o que Ele tem para nos dizer em cada situação. A escuta atenta da Palavra de Deus, deixando que nos ilumine e nos guie pela verdade para o bem. A escuta da Palavra implica-nos com a sua interpretação, em Igreja, com a vivência da mesma na comunidade crente, procurando que prevaleça o “sensus fidei”, ou sentido da fé do Povo em caminho e em comunhão, e não uma dúzia de ideias que eu vou elaborando, conforme as circunstâncias ou a disposição. A Palavra não é minha, mas de Deus. Devo acolher, mastigar, rezar a Palavra para que não fique presa no passado, ou arrumada numa instante, mas molde em definitivo as minhas opções e me faça “apalavrador” ao serviço aos outros.

O salmista dá-nos a garantia: “A lei do Senhor é perfeita, ela reconforta a alma; as ordens do Senhor são firmes, dão sabedoria aos simples. / Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; os mandamentos do Senhor são claros e iluminam os olhos. / O temor do Senhor é puro e permanece eternamente; os juízos do Senhor são verdadeiros, todos eles são retos. / Aceitai as palavras da minha boca e os pensamentos do meu coração estejam na vossa presença: / Vós, Senhor, sois o meu amparo e redentor”.

A lei, a Palavra do Senhor, é perfeita, ilumina o nosso coração, alegra-nos e mobiliza-nos. Os preceitos do Senhor aproximam-nos d’Ele, nosso amparo e protetor.

5 – Se tu procurares fazer a vontade de Deus, escutando-O na oração, na escuta da Palavra de Deus, na meditação, acolhendo o que a Igreja nos diz… Se eu procurar o mesmo… estaremos mais próximos de um discernimento que nos faça irmãos, nos faça caminhar juntos e mais seguros de vivermos ao jeito de Deus manifestado, anunciado e vivido por Jesus, em plenitude.

Para São Paulo, a Igreja é verdadeiramente sinodal, assembleia que encarna no tempo e na história o Corpo de Cristo. Tal como o corpo é um todo, constituído por vários membros, assim também a Igreja é Corpo de Cristo com muitos membros. Cada membro é importante (sobretudo) quando está em função do todo. Se cada membro puxar para si, se impuser aos outros a sua vontade, se não se preocupar com os outros, estará a contribuir para a ruína da comunidade. «Todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito para constituirmos um só corpo e a todos nos foi dado a beber um só Espírito».

Não nos perdemos na comunidade, pois o que somos, as qualidades que possuímos, os dons que Deus nos dá contribuem para estreitar os laços que nos unem e irmanam, para que em Cristo Jesus sejamos uma só família. «Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se um membro é honrado, todos os membros se alegram com ele. Vós sois corpo de Cristo e seus membros, cada um por sua parte. Assim, Deus estabeleceu na Igreja em primeiro lugar apóstolos, em segundo profetas, em terceiro doutores. Vêm a seguir os dons dos milagres, das curas, da assistência, de governar, de falar diversas línguas. Serão todos apóstolos? Todos profetas? Todos doutores? Todos farão milagres? Todos terão o poder de curar? Todos falarão línguas? Terão todos o dom de as interpretar?».

Por vezes, perdemos tempo a invejar os talentos e os sucessos dos outros. O bem que fizermos ajudar-nos-á também a nós, no tempo e na eternidade, na alegria que saboreamos, melhorando a vida dos outros e preparando-nos para o encontro definitivo com o Senhor.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano C): Ne 8, 2-4a. 5-6. 8-10; Sl 18 B (19); 1 Cor 12, 12-30; Lc 1, 1-4: 4, 14-21.