Domingo XXVI do Tempo Comum – B – 2021

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Domingo XXVI do Tempo Comum – B – 2021

1 – A Igreja assinala, neste domingo, o 107.º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, com o tema “Rumo a um nós cada vez maior”. O Santo Padre desafia-nos: “Na realidade, estamos todos no mesmo barco e somos chamados a empenhar-nos para que não existam mais muros que nos separam, nem existam mais os outros, mas só um nós, do tamanho da humanidade inteira. Por isso aproveito a ocasião deste Dia Mundial para lançar um duplo apelo a caminharmos juntos rumo a um nós cada vez maior, dirigindo-me em primeiro lugar aos fiéis católicos e depois a todos os homens e mulheres da terra”.

O drama dos refugiados tem-se vindo agudizar nos últimos tempos. O episódio mais recente e preocupante vem do Afeganistão. Com a mudança de regime, com a saída dos militares ocidentais e a tomada de poder por parte dos talibãs, gerou-se uma nova onda de fugitivos e refugiados, com medo da perseguição, da tortura e da morte, por terem colaborado com o governo anterior e com as forças internacionais, além das mulheres que nos últimos vinte anos puderam estudar, frequentar a universidade e entrar no mercado de trabalho.

Na homilia da Eucaristia de encerramento do Congresso Eucarístico Internacional, o Papa sublinhou, sem reticências, “Deixemos que Jesus, Pão vivo, cure os nossos fechamentos e nos abra à partilha: nos cure da nossa rigidez e de nos fecharmos em nós mesmos, nos livre da escravidão paralisante da defesa da nossa imagem e nos inspire a segui-l’O para onde Ele nos quer conduzir. E não para onde quero eu”.

Na Carta encíclica Fratelli tutti já mostrava uma grande preocupação: «Passada a crise sanitária, a pior reação seria cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta. No fim, oxalá já não existam “os outros”, mas apenas um “nós”»

2 – O Evangelho abre com o fechamento dos apóstolos em relação aos outros que não fazem parte do grupo. Jesus tinha-lhes dito que o caminho do discipulado era o serviço aos irmãos. Quem quiser ser o primeiro terá de ser o último e o servo de todos. A discussão entre os apóstolos visava definir qual deles era o maior ou qual teria mais capacidades para substituir o Mestre. Ouvem mas não escutam. Jesus fala-lhes de amor e de serviço, eles continuam a pelejar por um bom lugar, protegendo-se uns dos outros, mas sobretudo de alguém que venha de fora e diminua a probabilidade de terem um cargo importante.

João interpela Jesus em nome de todos os discípulos: «Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco». Como bem se vê, a questão não está no que este homem faz, mas no facto de não integrar o grupo restrito dos apóstolos. A resposta de Jesus não poderia ser mais taxativa: «Não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de Mim. Quem não é contra nós é por nós».

Eles como nós, naquele como neste tempo, vem ao de cima o medo de que os outros façam melhor e nos tirem o lugar e o protagonismo. Na lógica de Jesus, o protagonismo há de ser o serviço e cuidado aos outros, retirando a carga de ansiedade pela conquista da prevalência sobre os demais.

3 – Na primeira leitura o cenário é semelhante ao do Evangelho.

A narração diz-nos que o Senhor desceu da nuvem, falou com Moisés, tirou parte do Espírito que estava nele e fê-lo repousar sobre setenta anciãos que o ajudariam a governar/cuidar do povo. Até aqui tudo certo. Contados entre os inscritos, dois anciãos tinham ficado no acampamento. Também sobre eles desceu o Espírito. Um jovem corre para dizer a Moisés o sucedido e logo Josué, ao serviço de Moisés desde a juventude e que lhe sucederá como líder, aconselha: «Moisés, meu senhor, proíbe-os».

Bem se adequa aqui o ditado “mais papistas que o Papa”. Na verdade, Moisés não se sente ameaçado ou desvalorizado e responde a Josué: «Estás com ciúmes por causa de mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre eles!».

Nós a querermos o Espírito em exclusivo, como se se esgotasse, ou, quem sabe, achando-nos melhores do que os outros e os únicos dignos de O receber. Por parte de Moisés o desejo de que Deus encha o coração de todos com o Seu Espírito.

4 – Jesus não coloca panos quentes. As exigências do seguimento são claras. O discípulo não é superior ao Mestre. Se perseguem o Mestre farão o mesmo aos Seus seguidores. Em todo o caso, há uma garantia da parte de Jesus: nem um copo de água ficará sem recompensa.

Quem acolher aqueles que o Senhor envia, acolhe o próprio Senhor Jesus, e quem acolher Jesus, acolhe o próprio Deus. Por conseguinte, será recompensado nesta vida e na eternidade. Porém, da parte dos discípulos espera-se um comportamento irrepreensível. «Se alguém escandalizar algum destes pequeninos que creem em Mim, melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós movidas por um jumento e o lançassem ao mar».

Quem quiser ser o primeiro seja o último e o servo de todos. A opção preferencial pelos pequeninos, pobres, desfavorecidos. O que fizerdes ao mais pequeno dos irmãos é a Mim que o fazeis.

A oração faz sincronizar a nossa vontade com a de Deus: “Senhor, que dais a maior prova do vosso poder quando perdoais e Vos compadeceis, derramai sobre nós a vossa graça, para que, correndo prontamente para os bens prometidos, nos tornemos um dia participantes da felicidade celeste”.

A vida eterna não começa amanhã ou no dia da nossa morte, a vida eterna enraíza-se no tempo presente, na história, no bem que fazemos, procurando que a vontade de Deus se cumpra em relação a todos, a começar pelos mais frágeis, aqui e agora (hic et nunc!)

5 – Continua a ser servida, como segunda leitura, a Carta de São Tiago. Sem contradições, mas com acentuação na prática e no concreta. A fé expressa-se, traduz-se e amadurece pelas obras, pelo bem que se vive, pelo serviço aos irmãos, pela caridade que se pratica, pela passagem das palavras às obras.

Diz-nos o Apóstolo: “Agora, vós, ó ricos, chorai e lamentai-vos, por causa das desgraças que vão cair sobre vós. As vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se, e a sua ferrugem vai dar testemunho contra vós e devorar a vossa carne como fogo. Acumulastes tesouros no fim dos tempos. Privastes do salário os trabalhadores que ceifaram as vossas terras. O seu salário clama; e os brados dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do Universo. Levastes na terra uma vida regalada e libertina, cevastes os vossos corações para o dia da matança. Condenastes e matastes o justo e ele não vos resiste”.

O pobre clamou e o Senhor o ouviu! A injustiça, a corrupção, a instrumentalização dos mais pobres é pecado que brada aos Céus. A linguagem, mais que ameaçadora, é sobretudo preventiva. Não deixes para amanhã o bem que podes fazer hoje, pois nem sabes se acordas, quanto mais acumulares à custa do trabalhador e do pobre! É preciso cuidado para não engordarmos de soberba e ganância o nosso coração, que deve estar livre e esvaziar-se, a cada passo, para se encher do Espírito de Deus, constantemente.

6 – Há pessoas que matam em nome de Deus e a pensar que Lhe estão a fazer um favor, defendendo-O, impondo-O, protegendo-O de ideias, de palavras, de modos de vida. Pedro contesta Jesus, procurando que Ele diga apenas o que é sensato; João e os outros discípulos proíbem um homem por não fazer parte do grupo e expulsar demónios em nome de Jesus; Josué desafia Moisés a impedir dois anciãos de profetizar, só porque não estavam na tenda da reunião quando o Senhor distribuiu o Espírito pelos outros anciãos.

Seria mais fácil que Deus fizesse a nossa vontade do que nós fazermos a d’Ele. Todavia, a nossa vontade coloca-nos contra os outros ou deles nos afasta, pois visa defender os nossos interesses, ideias e convicções; a vontade de Deus é que todos os homens se salvem e todos tenham vida em abundância.

O Salmo faz-nos saber como a vontade de Deus, expressa na Sua lei, é justa, mas também nos faz reconhecer como podemos errar nos nossos juízos. “A lei do Senhor é perfeita, ela reconforta a alma. As ordens do Senhor são firmes, dão a sabedoria aos simples. / O temor do Senhor é puro e permanece eternamente; os juízos do Senhor são verdadeiros, todos eles são retos”.

O salmista prossegue, com humildade: “Embora o vosso servo se deixe guiar por eles [os preceitos do Senhor] e os observe com cuidado, quem pode, entretanto, reconhecer os seus erros?” Daí a súplica: “Purificai-me dos que me são ocultos. / Preservai também do orgulho o vosso servo, para que não tenha poder algum sobre mim: então serei irrepreensível e imune de culpa grave”.

Não basta conhecermos os desígnios do Senhor, precisamos do Seu Espírito de sabedoria, para que em cada momento sobrevenha, não a nossa vontade, mas a Sua, na certeza de que Ele é Pai que nos ama como Mãe, e que de todos cuidam, contando com a minha e a tua cooperação.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Num 11, 25-29; Sl 18 (19); Tg 5, 1-6; Mc 9, 38-43. 45. 47-48.