Festa do Batismo do Senhor – ano A – 12 de janeiro de 2020

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    Festa do Batismo do Senhor – ano A – 12 de janeiro de 2020

    1 – O batismo de Jesus e dos primeiros cristãos era por imersão. O batizando era mergulhado nas águas do rio, no caso de Jesus, ou numa espécie de piscina (tanque) construída para o efeito, no caso dos cristãos. Com o avançar dos anos, por comodidade e por questões mais práticas, o batismo passou a ser por infusão, com umas pequenas gotas de água sobre o batizando.

    Ao ser mergulhado na água, no cristianismo, por três vezes, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, a pessoa como que era sepultado – imersão – e ressuscitava – emersão (levantar, ressuscitar). Visualiza-se, no gesto, a realidade do batismo pelo qual somos sepultados com Jesus Cristo, na Sua morte, e com Ele ressuscitamos para uma vida nova de beleza e bem, de verdade e justiça, de caridade e comunhão. Com efeito, o batismo torna-nos novas criaturas. O homem velho, que comunga a humanidade na sua fragilidade, no seu egoísmo e no seu pecado, torna-se cristão, de Cristo, partilhando a vida divina que Ele nos traz da eternidade.

    O batismo de João, portanto, o batismo no qual Jesus é batizado é simbólico, antecipa e anuncia o batismo cristão, que está agrafado indelevelmente à morte e à ressurreição de Jesus. O batismo joanino é um convite à conversão, à penitência, invocando o perdão dos pecados. Fica-se na perspetiva mais negativa, ainda que a recusa do mal seja já caminho para o bem. O batismo no fogo e no Espírito Santo “restaura”, dimensão pela positiva, eliminando o pecado, elimina o homem velho, torna-nos criaturas-outras, novas criaturas, somos refeitos para pertencermos por inteiro ao Senhor.

    Dito isto, naturalmente que Jesus não precisa de ser batizado por João, pois n’Ele não há marcas do pecado, do homem-Adão, n’Ele convive em perfeição a humanidade e a divindade, Ele é o Filho de Deus, Deus humanado.

    2 – A missão de João está a chegar ao fim, ou melhor, vai atingir a plenitude no encontro com Jesus. Foi para isto que veio. Parafraseando o próprio João, é necessário que ele diminua e que Jesus cresça. Também por João Deus age no tempo e na história, mas em Jesus é o próprio Deus que vem à terra e Se faz história e Se faz tempo, peregrino connosco.

    João tem diante de si Aquele que batizará no Espírito Santo e no fogo, Aquele que fará novas todas as coisas. Na verdade, João apercebe-se e diz-nos quem é Aquele Jesus, opondo-se, num primeiro momento ao gesto: «Eu é que preciso de ser batizado por Ti e Tu vens ter comigo?» Se o batismo é de penitência, de perdão dos pecados, não haveria necessidade de Jesus se submeter, pois n’Ele o pecado não habita. Se fosse o batismo cristão, para Se tornar nova criatura, receber a graça, a vida divina, também não haveria necessidade, pois Jesus é preenchido da graça de Deus, n’Ele o Espírito está encarnado e perfeitamente em sintonia, n’Ele convivem a divindade e a humanidade.

    A resposta de Jesus é, até certo ponto, clarificadora: «Deixa por agora; convém que assim cumpramos toda a justiça». Mas se Ele já está justificado/salvo desde sempre!

    Com efeito, para nos salvar, Deus, em Jesus Cristo, abaixa-Se, coloca-Se ao nosso nível, faz-Se um de nós. Nada rejeita do humano, a não ser o pecado e a desobediência. Jesus não Se distingue no meio dos homens, é peregrino como nós, frágil, subordinado às coordenadas do tempo e do espaço. Quem se sujeita a amar, sujeita-se a padecer. Por amor, Jesus sujeita-Se a ser rejeitado, perseguido, e até morto; aceita o abraço, o beijo e a carícia; aceita o escárnio, a blasfema e a bofetada. Essa é a justiça de Deus, amar, compadecer-se, ser Misericordioso. Jesus ajusta-Se a nós, por amor, inserindo-Se e assumindo a cultura, a religião, os usos e costumes daquela região e daquele tempo. Não é mais do que os outros, não quer ser mais que os outros, ainda que venha para nos ensinar a ser como Ele, filho bem-amado do Pai.

    3 – «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência».

    Logo que Jesus foi batizado e saiu da água, os céus abriram-se e “Jesus viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e pousar sobre Ele”. O universo conflui para Jesus. A voz do Pai faz-Se ouvir. A mensagem é clarividente. O Pai ama o Filho, infinitamente, na eternidade e no tempo, e o Filho vive e alimenta-Se deste amor, na comunhão com o Espírito, que ora Se sente ou Se pressente ou Se manifesta na água, no vento, em forma de pomba ou de línguas do fogo, mas sobretudo no Amor que une, que enche o coração, que nos entrelaça como irmãos e nos identifica como família.

    Na oração, pedimos a Deus que, sabendo quanto Ele nos ama, permaneçamos envolvidos no Seu amor: “Deus eterno e omnipotente, que proclamastes solenemente a Cristo como vosso amado Filho quando era batizado nas águas do rio Jordão e o Espírito Santo descia sobre Ele, concedei aos vossos filhos adotivos, renascidos pela água e pelo Espírito Santo, a graça de permanecerem sempre no vosso amor”.

    4 – O profeta Isaías ajuda a perceber de que justiça fala Jesus no momento do batismo e como n’Ele se realizam, por excelência, as promessas do Senhor. Longe, no tempo, mas perto na esperança. «Eis o meu servo, a quem Eu protejo, o meu eleito, enlevo da minha alma. Sobre ele fiz repousar o meu espírito, para que leve a justiça às nações». Lendo Isaías a partir de Jesus, com a Luz que d’Ele irradia, estas palavras são visualizáveis no Batismo e em toda a vida do Filho de Deus entre nós.

    Deus age por amor. Jesus faz sobressair o amor, a misericórdia e a compaixão de Deus, em cada gesto e palavra, em cada encontro e prodígio. Deus não invade a nossa liberdade, não Se impõe pela força, pela violência ou pela ameaça, Deus não Se faz valer pelo poder, pela ira ou distância, Deus, em Jesus, ajusta-Se à nossa dimensão. Não nos convencerá pela argumentação ou pelo esplendor ou pela magia, mas pela simplicidade, pelo sorriso, pela ternura.

    «Não gritará, nem levantará a voz, nem se fará ouvir nas praças; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega: proclamará fielmente a justiça. Não desfalecerá nem desistirá, enquanto não estabelecer a justiça na terra… Fui Eu, o Senhor, que te chamei segundo a justiça; tomei-te pela mão, formei-te e fiz de ti a aliança do povo e a luz das nações, para abrires os olhos aos cegos, tirares do cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas».

    O que se diz do Eleito do Senhor, de Jesus por ocasião do Batismo, poderá dizer-se de mim e de ti, pois também nós somos eleitos, amados de Deus, filhos no Filho e, consequentemente, irmãos e como tal na procura e no compromisso por sermos dóceis à verdade e à justiça.

    5 – São Pedro, na segunda leitura, relembra como o Batismo, também para Jesus, marca um tempo novo, mesmo que simbolicamente. O Apóstolo sublinha o bem como opção permanente de Jesus em relação a todos, “Deus não faz acepção de pessoas, mas, em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável”.

    E, porque a todos ama, manifestou-Se de forma concreta, tornando-Se visível na nossa carne. “Ele enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus Cristo, que é o Senhor de todos. Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio, porque Deus estava com Ele”.

    O programa de vida de Jesus há ser o meu e o teu programa de vida. Batizados, cabe-nos efetivarmos e concretizarmos a nossa identidade cristã. Somos de Cristo, atuemos como Ele.

    Pe. Manuel Gonçalves

    Textos para a Eucaristia (ano A): Is 42, 1-4. 6-7; Sl 28 (29); Atos 10, 34-38; Mt 3, 13-17.