Solenidade de Pentecostes – ano C – 2022

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Solenidade de Pentecostes – ano C – 2022

1 – A partida de alguém, que nos é próxima, deixa-nos atónitos. Se for definitiva, ainda mais. Jesus, sabendo disso, prepara os Seus discípulos para a separação, para a Sua partida. Fá-lo em relação à morte e fá-lo em relação à Sua ascensão para o Pai. Vou partir, mas voltarei. Vou para casa de meu Pai, mas vou preparar-vos um lugar, para que onde Eu estou vós estejais também. Com o Pai, enviar-vos-ei o Espírito Santo, para que Ele vos assista na verdade e vos ilumine na caridade. Estarei convosco até ao fim dos tempos.

Ficam as memórias de lugares, de vivências, de conselhos. Jesus dá o Seu Espírito, para que a memória não seja orientada para o passado, mas experimentada, no presente, como acontecimento e como encontro. O Seu testamento é que os discípulos guardem os Seus mandamentos, amando, cuidando, servindo, construindo um mundo fraterno, humano e justo. Guardar os Seus mandamentos é garantia que permanecemos no Seu amor e Ele permanece em nós. E do Meio atrai-nos para Si.

No primeiro dia da semana, Domingo, dia de Páscoa, Jesus apresenta-Se no MEIO dos discípulos e diz-lhes: «A paz esteja convosco».

Nos dias que passam, visualiza-se como a paz é um dom precioso e um desafio. A paz que Ele nos dá vem do interior, do amor e do perdão. E se Ele no-la dá, então peçamos-lha com insistência e confiança, deixando-nos, nós, preencher com a Sua paz.

Não há dois Jesus ou um Jesus (da história) e um Cristo (da fé). É o mesmo Deus-connosco, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, sem confusão nem anulação. O que é antes, desde do princípio, continua a sê-l’O: Filho de Deus, o Eleito. No Seu corpo, agora glorioso, estão as marcas da paixão, expressão do Seu amor por nós, por mim e por ti e pela humanidade inteira.

2 – «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos. A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós».

Na versão joanina, Jesus derrama o Espírito Santo sobre os Apóstolos em dia de Páscoa, na tarde daquele primeiro dia da semana. O Espírito assegurará a continuação e atualização do mistério pascal. Cristo não fica sepultado no esquecimento, mas ressuscita e deixa-nos o Espírito Santo, pelo Qual vive em nós, em Igreja.

Com o poder vem a responsabilidade. Somos batizados, crismados, para vivermos e anunciarmos o Evangelho, para levarmos Jesus a todas as criaturas, para fomentarmos a paz que vem do amor, do perdão e da conciliação.

3 – O relato de São Lucas, no Livro dos Atos dos Apóstolos, expressa a dádiva do Espírito Santo, no Pentecostes, 50 dias depois da Páscoa. O hiato temporal permite-nos visualizar a (primeira) Lei dada por Deus através de Moisés, precisamente cinquenta dias após a (primeira) Páscoa, passagem da terra da escravidão para a terra prometida. Os mandamentos foram inscritos em Tábuas de Pedra. A nossa Lei é Jesus, com a Sua vida, morte e ressurreição. A nova e definitiva Lei é impressa, pelo Espírito Santo, no nosso coração. É o Pentecostes da nova Aliança, cimentada no corpo de Cristo, no mistério pascal.

Diz-nos São Lucas, na primeira leitura, que, quando os Apóstolos estavam todos reunidos, fez-se ouvir, vindo do Céu, uma rajada de vento que encheu toda a casa. Então, sobre cada um dos Apóstolos, surgiu uma espécie de línguas de fogo. “Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem”.

O dom das línguas remete para os Apóstolos, mas mais ainda para quem ouve: «Não são todos galileus os que estão a falar? Então, como é que os ouve cada um de nós falar na sua própria língua? Partos, medos, elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egipto e das regiões da Líbia, vizinha de Cirene, colonos de Roma, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes, ouvimo-los proclamar nas nossas línguas as maravilhas de Deus».

Há palavras, gestos, silêncios e expressões que não precisam de tradução, explicitação ou repetição. A linguagem do amor é percetível por todos. A todos Deus inspira, pelo Seu Espírito, palavras e desejos que nos aproximam e nos irmanam.

4 – Ver Jesus é uma questão de fé. E ver Jesus nos outros também exige um olhar de fé. Para os discípulos que acompanham Jesus, ao longo daqueles três anos promissores, é uma evidência. Vê-l’O, porém, como Filho de Deus, exige um ato de fé. É certo que eles presenciaram maravilhas, prodígios, milagres, mas sem a abertura de coração, sem a inspiração de Deus, dificilmente eles entenderiam o que presenciavam e, como outros, diriam que tinha sido apenas sorte ou magia ou ilusão e aparência. Aliás, acerca da morte e da ressurreição, posteriormente, alguns afirmam que a morte de Cristo foi aparente, concluindo-se, então, que também a Sua ressurreição tinha sido uma ilusão, uma brincadeira! É muito difícil explicar que Jesus, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, possa morrer! Mas então a Sua identificação connosco, com a nossa humanidade, teria sido incompleta, teria sido uma fraude!

Na segunda leitura, São Paulo deixa claro que “ninguém pode dizer ‘Jesus é o Senhor’ a não ser pela ação do Espírito Santo”. Mas, por outro lado, acrescenta o Apóstolo, se é o mesmo Espírito Santo que a todos inspira, inspira-nos para nos tornarmos próximos e irmãos. “De facto, há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum… fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um único Espírito”. Formamos o Corpo Cristo, a Igreja. Tal como o corpo é formado por diversos membros, assim nós em relação ao único Corpo de Cristo. Ele, a Cabeça, nós, os membros. N’Ele somos irmãos, filhos de Seu Pai que é nosso também.

5 – A oração, que nos introduz na Eucaristia deste Domingo de Pentecostes, sintoniza-nos e compromete-nos com a liturgia da palavra proclamada. «Senhor nosso Deus, que, no mistério de Pentecostes, santificais a Igreja, dispersa entre todos os povos e nações, derramai sobre a terra os dons do Espírito Santo, de modo que, também hoje, se renovem nos corações dos fiéis os prodígios realizados nos primórdios da pregação do Evangelho».

Não basta pedir, importa acolher o que pedimos e aceitar a vontade de Deus, que nem sempre sabemos interpretar e/ou compreender. Na oração, o Espírito desempenha um papel preponderante, pois é Ele que nos faz rezar em espírito e verdade. É o Espírito que nos santifica, que nos faz participantes da santidade que Jesus dissemina no mundo com a Sua morte e ressurreição. Se o Espírito do Senhor inundar o nosso coração e a nossa vida, hoje, torna-se possível, que os dons se manifestem e se transformem em prodígios.

Jesus dá o Espírito Santo aos apóstolos, com o poder de perdoar os pecados, de reconciliar (Evangelho); o Espírito Santo derramado, no Pentecostes, faz com que não haja barreias linguísticas que nos impeçam de nos compreendermos mutuamente, tornando-nos capazes de construir fraternidade, além das diferenças de cada um (primeira leitura); os dons dados a cada um são para benefício de todos (segunda leitura). Aliás, os dons só o são na medida em que se dão!

6 – A celebração do Pentecostes faz-nos olhar para o alto, donde nos vêm as bênçãos de Deus, os dons do Seu Espírito, fazendo-nos recordar que vivemos sob o mesmo Céu e sobre o mesmo chão. Temos uma origem comum, o pó ou o Espírito de Deus; temos o mesmo fim, o pó, ou a vida em Deus! Estamos no mesmo barco, não há outro! Se destruímos, estamos a arruinar a nossa casa.

Se nos voltarmos para Deus, descobrimos as maravilhas que opera em favor de todos. “Bendiz, ó minha alma, o Senhor. Senhor, meu Deus, como sois grande! Como são grandes, Senhor, as vossas obras! A terra está cheia das vossas criaturas. / Se lhes tirais o alento, morrem e voltam ao pó donde vieram. Se mandais o vosso espírito, retomam a vida e renovais a face da terra. / Glória a Deus para sempre! Rejubile o Senhor nas suas obras. Grato Lhe seja o meu canto e eu terei alegria no Senhor”.

E, se todos nos voltamos para Deus, também nos voltamos uns para os outros, olhando-nos nos olhos, reconhecendo-nos como iguais, como irmãos.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Atos 2, 1-11; Sl 103 (104); 1 Cor 12, 3b-7. 12-13; Jo 20, 19-23.