Solenidade da Santíssima Trindade

Santíssima Trindade

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Solenidade da Santíssima Trindade

1 – Na solenidade de Pentecostes, o Papa Francisco sublinhava o dinamismo do Espírito Santo que concilia esquerda e direita, conservadores e progressistas, tradicionalistas e inovadores. O Espírito Santo “impele à unidade, à concórdia, à harmonia das diversidades e faz-nos sentir parte do mesmo Corpo, irmãos e irmãs entre nós… O Espírito é universal, não nos tira as diferenças culturais, as diferenças de pensamento… O Espírito muda o coração, alarga o olhar dos discípulos. Torna-os capazes de comunicar a todos as grandes obras de Deus, sem limites, ultrapassando os limites culturais e religiosos dentro dos quais estavam habituados a pensar e a viver”.

As palavras do Santo Padre acerca do Espírito Santo podem atribuir-se à Santíssima Trindade. Primeiro, porque Deus é Um, em três Pessoas. O que se diz do Pai, diz-se do Filho e do Espírito Santo; o que se diz do Filho diz-se do Pai e do Espírito Santo, e o que diz do Espírito Santo diz-se do Pai e do Filho. Segundo, porque em Deus, tal como Se revela em Cristo, há uma perfeita comunhão de vida e de amor. Com efeito, o amor, puro, sem mancha, pleno, não isola, não conflitua, não divide. O amor cria comunhão, proximidade, diálogo, harmonia. Num plano mais humano, o amor integra as diferenças, promove a identidade/personalidade de cada um, sem instrumentalizar, espezinhar ou endeusar.

O prefácio da Eucaristia deste dia é clarividente: “Com o vosso Filho Unigénito e o Espírito Santo, sois um só Deus, um só Senhor, não na unidade de uma só pessoa, mas na trindade de uma só natureza. Tudo quanto revelastes acerca da vossa glória, nós o acreditamos também, sem diferença alguma, do vosso Filho e do Espírito Santo. Professando a nossa fé na verdadeira e sempiterna divindade, adoramos as três Pessoas distintas, a sua essência única e a sua igual majestade”.

Ao celebrarmos a Santíssima Trindade somos desafiados a acolhê-l’A de tal forma que vivamos do mesmo jeito, na comunhão inclusiva, salvaguardando a identidade de cada um, contribuindo para o bem de todos. A diversidade enriquece-nos no conhecimento, nas aptidões, na evolução médica e científica, na tecnologia, nas sinergias. Veja-se a rapidez da criação das vacinas contra a Covid-19 que contou com a conjugação de esforços das farmacêuticas, dos cientistas, dos políticos e de multinacionais. É certo que também sobressaiu muito egoísmo e ganância. Foram gastos milhões na investigação. São gastos milhões na aquisição. Há muitos países que ainda não têm acesso a uma vacinação em massa, e as patentes são zelosamente mantidas nas farmacêuticas.

2 – Numa época de globalização têm-se vindo a acentuar nacionalismos, fundamentalismos, milhentas formas de racismo, xenofobismo, ostracização de pessoas e povos, exclusão dos que pensam e vivem de forma diferente. Por um lado, a globalização, através da tecnologia, da internet, dos meios de comunicação sociais e redes sociais, aproximou-nos. Faz-nos ver com rapidez, em tempo real, o que se passa em qualquer parte do mundo. Ora, este conhecimento, esta informação, nem sempre é inclusiva, respeitadora das diferenças, na procura de soluções para problemas, que são escandalosamente exibidos, sem qualquer pudor, sem, no entanto, mobilizar auxílio aos que são expulsos das suas casas e terra, explorados, traficados, agredidos.

Por outro lado, a globalização tende, em muitos casos, à uniformização e relativismo. Vivemos por imitação. Imitamos com facilidade comportamentos. Temos dificuldade em aceitar conselhos, mas facilmente tornamos nossas algumas formas de pensar e de viver. Se todos pensam assim, se todos fazem, porque não fazer também?! O risco de colocarmos no mesmo patamar todos os valores, religiões, práticas culturais. Veja-se com que facilidade alguns jovens aderem a grupos neonazis, a extremismos de direita e de esquerda, e se inscrevem nas fileiras jihadistas, que semeiam a violência, o medo, a destruição, o terrorismo…

Outro risco, da globalização, das redes sociais e afins, é juntarmo-nos aos que pensam como nós, a grupos com os quais nos identificamos, grupos religiosos, culturais, políticos, sociais, clubísticos, e fechar-nos a tudo o que não nos é servido nestes círculos fechados. Como vemos, mesmo num mundo globalizado, aberto (à priori), tendemos a isolar-nos e a isolar e excluir quem pensa de uma forma diferente da nossa. Não temos disposição para a escuta, para o diálogo/debate, para construir pontes! Embora seja o caminho que nos salva!

3 – Um mistério será sempre mistério. O que é importante é que acolhamos este mistério, com confiança. Deus revela-Se como Pessoa, ou três Pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo. Uma pessoa, para nós, é sempre um mistério. Para se conhecer bem é preciso amar. É a única condição, pois só o amor nos permite chegar perto, estarmos próximos do coração, da essência do outro. Este amor e esta proximidade exigem e pressupõem que se respeite o espaço de cada um, se guarde o seu mistério e se acolha o outro com as suas sombras.

Em relação a Deus, trata-se de acolher o mistério tal como Jesus no-lo revela. Ele é a presença, a expressão, a evidência de Deus como Pessoa que Se dá, Se entrega até a morte. O que Jesus nos mostra de Deus é o que nos cabe acolher, um mistério que nos insere numa dinâmica de vida e de amor. Em Jesus, descortinamos um Deus próximo, amigo, que vem fazer comunhão connosco, vem para ser família, para nos assumir como filhos, para que, em Cristo, nos reconheçamos como irmãos. Jesus não cessa de nos interpelar para amarmos também os inimigos, porque os inimigos, queiramos ou não, são, como nós, filhos amados de Deus e se são filhos de Deus são nossos irmãos. Em nenhuma situação Jesus excluí. Judas permanece no círculo mais íntimo de Jesus. E Pedro, apesar da negação/traição. E os outros apóstolos que fogem amedrontados na hora em que Ele mais precisava. Se Ele não desiste de ninguém, como Seus discípulos também não o poderemos fazer.

Quando os discípulos veem Jesus, adoram-n’O, pois reconhecem-n’O no seu mistério de verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Diante deles está Deus, que importa seguir e escutar. Eis o Seu mandato: «Ide e ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei. Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».

4 – Jesus é o Enviado do Pai. A Santíssima Trindade, que Ele integra, revela-Se no meio de nós, com a Sua vinda e a Sua vida. Ele manifesta o mistério trinitário. Vem dizer-nos que Deus nos ama até ao Infinito e não apenas até à Lua. Caminha, vive, partilha a Sua vida connosco. Antes de partir, envia-nos, dá-nos o Seu Espírito para que também nós façamos, como Ele, as obras do Pai. Ele estará connosco até ao fim dos tempos. Continuará a inspirar-nos, a assistir-nos com o Seu Espírito, a guiar-nos pelo caminho do bem e da verdade. As boas obras que realizamos são tradução desta pertença, desta inspiração, de um coração preenchido com o amor de Deus.

Tudo aquilo que fizermos em Seu nome, fazemo-lo em nome de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, família, comunidade de vida e de amor. O desafio e a missão dos cristãos visa levar este amor a todo o mundo e fazer com que todos possam ver, acolher, experimentar este amor, sentir-se atraídos por esta vida que nos chega dos Céus. Se estamos verdadeiramente contagiados pelo Seu amor, vamos querer que todos tenham acesso a esta alegria, a este amor que dá sentido à nossa existência e que inspira as nossas ações. Quem ama e se sente amado, faz transparecer a alegria desse amor. Não é possível esconder a alegria, como não é possível esconder a luz debaixo do alqueire. O amor transparece no nosso sorrir e no nossa agir.

5 – Na primeira Leitura, Moisés convida-nos a discernir as vozes que nos falam, para percebermos que há Um só Deus, que é próximo e nos fala, como uma Mãe ao seu bebé, um Deus que salva e nos envolve no Seu regaço. «Considera hoje e medita em teu coração que o Senhor é o único Deus, no alto dos céus e cá em baixo na terra, e não há outro. Cumprirás as suas leis e os seus mandamentos, que hoje te prescrevo, para seres feliz, tu e os teus filhos depois de ti, e tenhas longa vida na terra que o Senhor teu Deus te vai dar para sempre».

O segredo de uma vida longa e feliz encontra-se na escuta da vontade de Deus, procurando ser fiel aos Seus mandamentos. Não se trata, como se percebe, de cumprir por cumprir, ou cumprir para que Deus não fique zangado, trata-se de uma fidelidade que nos liberta das trevas e nos inclui na vida divina. Quando os pais estabelecem regras para os filhos não é para gerar escravos, impondo limites, mas para que não se magoem, para que não se percam, para saberem que trilhos os ajudam a ser mais felizes.

6 – O salmo ilustra os mandamentos do Senhor e a Sua vontade. “A palavra do Senhor é reta, da fidelidade nascem as suas obras. Ele ama a justiça e a retidão: a terra está cheia da bondade do Senhor. Ele disse e tudo foi feito, Ele mandou e tudo foi criado. Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem, para os que esperam na sua bondade, para libertar da morte as suas almas e os alimentar no tempo da fome. A nossa alma espera o Senhor: Ele é o nosso amparo e protetor. Venha sobre nós a vossa bondade, porque em Vós esperamos, Senhor“.

Está tudo dito. Deus criou-nos por amor e quer que a Sua bondade nos alimente, protegendo-nos e libertando-nos do mal e da morte. Quanto mais perto estivermos de Deus, mais perto uns dos outros, e mais certos que a nossa vida perdurará, eternamente.

7 – São Paulo, na segunda leitura, ao dirigir-se aos romanos, e hoje a nós, mostra-nos como nos tornamos filhos de Deus, filhos da Luz, pelo que a nossa vida há de guiar-se pelo bem e pela verdade, afastando as trevas que nos fazem perder. “Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão para recair no temor, mas o Espírito de adoção filial, pelo qual exclamamos: «Abá, Pai». Se somos filhos, também somos herdeiros, herdeiros de Deus e herdeiros com Cristo; se sofrermos com Ele, também com Ele seremos glorificados”.

O medo paralisa-nos, ainda que possa ser aviso à navegação. O amor liberta-nos, porque é colo, é chão, é confiança, abertura, certeza de que nada nos ferirá em definitivo e que a vida prosperará, aqui e no coração de Deus, na eternidade. E isso permite-nos caminhar…

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia: Deut 4, 32-34. 39-40; Sl 32; Rom 8, 14-17; Mt 28, 16-20.