
Ascensão do Senhor ao Céu – ano C – 2025
1 – Quarenta dias depois da Páscoa, seguindo são Lucas, Jesus ascende para a glória do Pai, sem, contudo, nos deixar verdadeiramente. Nós fazemos esta experiência de partida, distância, ausência física, presença espiritual, com familiares e com amigos, que por diversas razões têm de se afastar por um tempo, mormente por questões de trabalho ou de estudo.
Sublinhe-se, desde logo, que a partida de alguém, também a de Jesus, para os amigos e familiares, reveste-se de tristeza e apreensão. Se for por um tempo limitado, procura-se mitigar a dor, telefonando, conectando-se pela Internet, nestes meios modernos que servem para aproximar pessoas. Se a separação é para sempre, a dor é bem maior. Não voltaremos a ver aquela pessoa nesta vida terrena e finita. Então apelamos à memória afetiva.
Um pouco antes de ascender para Deus Pai, Jesus prepara os Seus discípulos com palavras de confiança e de precaução. Ele vence o mundo, o que não anula as intempéries, as adversidades no caminho humano e finito, logo limitado e sujeito a retrocessos. Sabermos que Ele, de algum modo, fica no meio de nós, compromete-nos e conforta-nos para as horas de treva. Fica a promessa: o envio do Espírito Santo. Jesus permanecerá com os Seus, permanecerá vivo, através do Espírito Santo que recordará toda a verdade anunciada e, mistericamente, permitirá a PRESENÇA REAL de Jesus nos Sacramentos.
2 – Vejamos com mais cuidado os dois textos de são Lucas, o Evangelho e os Atos dos Apóstolos. A informação de um completa e aprofunda a reflexão do outro. Primeiro o Evangelho: “Disse Jesus aos seus discípulos: «Está escrito que o Messias havia de sofrer e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia e que havia de ser pregado em seu nome o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois testemunhas disso. Eu vos enviarei Aquele que foi prometido por meu Pai. Por isso, permanecei na cidade, até que sejais revestidos com a força do alto». Depois Jesus levou os discípulos até junto de Betânia e, erguendo as mãos, abençoou-os. Enquanto os abençoava, afastou-Se deles e foi elevado ao Céu. Eles prostraram-se diante de Jesus, e depois voltaram para Jerusalém com grande alegria. E estavam continuamente no templo, bendizendo a Deus”.
O evangelista faz um resumo da missão de Jesus, cumprida e plenizada com a Sua morte e Ressurreição. O Messias, anunciado pelos profetas, é Jesus, filho de Deus. Morreu, ressuscitou e agora é tempo dos discípulos partirem a anunciar a todas as nações o arrependimento e o perdão dos pecados, pois são testemunhas privilegiadas. Não ficarão abandonados à sua sorte. Jesus vai para o Pai mas enviará o Espírito Santo, para serem revestidos da força do alto.
Registe-se o pormenor da descrição com que termina o relato: Jesus abençoa os discípulos enquanto se afasta e é elevado para o Céu. A mais bela oração da comunidade é a bênção, o BEM que vem de Deus e que espalhamos uns pelos outros. A partida de Jesus é revestida de bênção. Também é bênção o ascender para o Pai, pois envia o Espírito, e doravante a Boa Notícia chegará a todas as nações. A bênção, recordemo-lo uma vez mais, não é egoística, mas instrumental, acolhemo-la para a dar a outros, para a comunicar aos irmãos. Provoca em nós alegria e confiança, para bendizermos a Deus na oração, na pregação, no testemunho de vida e na prática do bem.
3 – Os apóstolos voltam renovados para Jerusalém e aí permanecem. A lógica do evangelho é mais abrangente, a pregação e o testemunho começa em Jerusalém, mas para se estender a outras nações. Alguma coisa terá acontecido. Se olharmos para outras passagens do Novo Testamento, nomeadamente para as Cartas de São Paulo, verificamos que a leitura imediata e cronológica das palavras de Jesus – Eu virei de novo – provoca uma espera descomprometida, em que discípulos e comunidade (de Jerusalém e também as comunidades fundadas ou organizadas por são Paulo) ficam extasiados à espera que Jesus regresse e os leve para o Céu, destruindo o mundo presente para o substituir por um mundo novo.
Dito isto se perceberá melhor como são Lucas aprofunda e expande a informação no segundo dos seus livros, nos Atos dos Apóstolos: “Aqueles que se tinham reunido começaram a perguntar: «Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?». Ele respondeu-lhes: «Não vos compete saber os tempos ou os momentos que o Pai determinou com a sua autoridade; mas recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra». Dito isto, elevou-Se à vista deles e uma nuvem escondeu-O a seus olhos. E estando de olhar fito no Céu, enquanto Jesus Se afastava, apresentaram-se-lhes dois homens vestidos de branco, que disseram: «Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu».
Como que tivessem ficado pasmados a olhar para o Céu, para as nuvens, aguardando que de novo Jesus descesse e consumasse o mundo e o tempo, do Céu, como no Batismo, como na Transfiguração, faz-se ouvir uma voz clara, límpida, por meio de dois homens vestidos de branco. Não lhes compete, nem a nós, saber o tempo, cabe-lhes acolher o Espírito Santo, para serem, e nós também, testemunhas d’Ele até aos confins da terra. Ele, esse Jesus, virá do mesmo modo, mas sem data prevista. Toca a andar, encontrareis Jesus em toda a parte onde O levardes.
4 – Com a Ressurreição/Ascensão de Jesus ao Céu, para o Pai, é-nos dado o Espírito Santo para vivermos e testemunharmos Jesus Cristo. É a promessa de Jesus e que se concretiza com o Pentecostes, a celebrar no próximo domingo.
Recuperámos palavras do Papa Francisco que sublinhava que “a vida cristã não pode ser entendida sem a presença do Espírito Santo. Não seria cristã. Seria uma vida religiosa, pagã, piedosa, que acredita em Deus, mas sem a vitalidade que Jesus quer para os seus discípulos… O Espírito Santo é o próprio Deus, a Pessoa Deus, que dá testemunho de Jesus Cristo em nós”. Dois dias depois, na Audiência Geral das quartas-feiras, reafirmava que “o Espírito Santo traz aos nossos corações a própria vida de Deus, uma vida de verdadeiros filhos, num relacionamento feito de confidência, liberdade e confiança no amor misericordioso do Pai, que nos dá também um olhar novo sobre os outros, fazendo-nos ver neles irmãos e irmãs que devemos respeitar e amar…”
É no Espírito Santo que os Apóstolos rapidamente difundem a alegria de serem discípulos de Jesus, ainda que enfrentando momentos de dúvida e hesitação. É admirável que, com tão poucos meios, tão poucos tenham feito tanto pela palavra de Deus.
Na segunda leitura, o apóstolo são Paulo renova a confiança em Deus e desafia a deixar-nos tocar pela sabedoria que vem de Deus, pelo Espírito Santo: “O Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda um espírito de sabedoria e de revelação para O conhecerdes plenamente e ilumine os olhos do vosso coração, para compreenderdes a esperança a que fostes chamados, os tesouros de glória da sua herança entre os santos e a incomensurável grandeza do seu poder para nós os crentes…”
5 – Hoje é também o Dia Mundial das Comunicações Sociais. A mensagem papal para este dia, publicada a 24 de janeiro, é do papa Francisco, que nos deixa algumas pistas: “Sede mansos e nunca esqueçais o rosto do outro; falai ao coração das mulheres e dos homens ao serviço de quem desempenhais o vosso trabalho. / Não permitais que as reações instintivas guiem a vossa comunicação. Semeai sempre esperança, mesmo quando é difícil, quando custa, quando parece não dar frutos. / Procurai praticar uma comunicação que saiba curar as feridas da nossa humanidade. / Dai espaço à confiança do coração que, como uma flor frágil mas resistente, não sucumbe no meio das intempéries da vida, mas brota e cresce nos lugares mais inesperados: na esperança das mães que rezam todos os dias para rever os seus filhos regressar das trincheiras de um conflito; na esperança dos pais que emigram, entre inúmeros riscos e peripécias, à procura de um futuro melhor; na esperança das crianças que, mesmo no meio dos escombros das guerras e nas ruas pobres das favelas, conseguem brincar, sorrir e acreditar na vida. / Sede testemunhas e promotores de uma comunicação não hostil, que difunda uma cultura do cuidado, construa pontes e atravesse os muros visíveis e invisíveis do nosso tempo. / Contai histórias imbuídas de esperança, tomando a peito o nosso destino comum e escrevendo juntos a história do nosso futuro. / Tudo isto podeis e podemos fazê-lo com a graça de Deus, que o Jubileu nos ajuda a receber em abundância. Por isto, rezo por cada um de vós e pelo vosso trabalho, e vos abençoo”.
São Paulo utilizou tudo o que tinha ao seu dispor, foi a todos os ambientes. Célebre o discurso do Apóstolo no areópago de Atenas (Atos 17, 22-34). Os meios de Comunicação são um novo areópago que não pode ser descurado pela Igreja e pelos cristãos comprometidos. O que se pede ao ambiente digital? O mesmo que ao mundo físico: coerência de vida, autenticidade, fidelidade a Jesus Cristo.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano C): Atos 1, 1-11; Ef 1, 17-23; Lc 24, 46-53.