Solenidade da Epifania do Senhor – ano B – 3 de janeiro de 2021

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Solenidade da Epifania do Senhor – ano B – 3 de janeiro de 2021

1 – No dia em que perdermos a admiração pelos acontecimentos e, sobretudo, pelas pessoas, a nossa vida passa a ser desinteressante e inútil, o cinismo passa a ocupar a nossa mente, o nosso coração e a enraizar-se no mais profundo de nós, desumanizando-nos e desligando-nos dos outros. A capacidade de admiração, a curiosidade e o espanto são características essenciais para os seres humanos, inseridos numa família, numa comunidade, num país. Em qualquer relacionamento, se perdemos o encanto, se não somos mais capazes de admirar o outro, é porque estamos perto da rutura, do fim ou da indiferença que mata de igual modo. Admirar pressupõe e aprofunda o amor, a amizade, o respeito, o reconhecimento do outro como pessoa.

Comecemos já por suplicar: “Senhor Deus omnipotente, que neste dia revelastes o vosso Filho Unigénito aos gentios guiados por uma estrela, a nós que já Vos conhecemos pela fé levai-nos a contemplar face a face a vossa glória”.

A admiração diante do Presépio, enche-nos o coração da alegria que vem de Deus e move-nos ao encontro de outros para lhes levarmos a festa, contagiando-os com a ternura de Jesus.

2 – Os Magos vêm de longe, do fim do mundo, dos confins da terra, para se encontrarem com um Menino que será uma bênção para todo o povo. «Onde está – perguntaram eles – o rei dos judeus que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-l’O».

Com os Magos aprendemos muitas lições.

A atenção ao que nos rodeia, pois não vivemos numa ilha isolada, interagimos com as pessoas e com os acontecimentos. Perceber o que nos desinstala e nos faz sair de nós. A predisposição para que tal aconteça. Não basta querer… é necessário desprender-nos dos nossos sossegos e comodidades para sairmos ao encontro dos outros. Mas nem todas as razões são válidas para partir. Uma Estrela, uma Luz intensa que faz mudar a vida e alterar as rotinas!

O caminho tem os seus obstáculos, como qualquer opção na nossa vida. Não há caminhos aveludados! Os espinhos ajudam a proteger as rosas.

Há quem ajude a seguir o caminho e quem seja um atraso de vida, como Herodes e o Palácio, o poder, o luxo e a sobranceria.

O próprio ambiente pode ser facilitador ou prejudicial às nossas escolhas e ao caminho que seguimos. Em Jerusalém, há muito ruído e dispersão, como pode haver na nossa vida, pois são tantas as vozes, as ofertas, as diversões, as tentações, os caminhos e as artérias, que podemos perder de vista a Luz que vem do alto, parecendo que todas as estrelas são iguais, que todas as opiniões e vias são igualmente iguais.

Importa não perder de vista o foco. Há a opção fundamental que guia e orienta todas as outras nossas escolhas. Nem tudo é essencial, nem tudo tem o mesmo valor, há que discernir que luzes, que caminhos, nos levam a Belém, nos levam a dar sentido à nossa vida e fazer com que a felicidade seja concretizável.

3 – “E eis que a estrela que tinham visto no Oriente seguia à sua frente e parou sobre o lugar onde estava o Menino. Ao ver a estrela, sentiram grande alegria. Entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe, e, prostrando-se diante d’Ele, adoraram-n’O. Depois, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes: ouro, incenso e mirra”.

Os Magos experimentam grande alegria também no caminho e não apenas na chegada. Com eles, caminhamos em segurança sabendo que o Senhor vai connosco e nos guia com a Sua luz, dá-nos a coragem para prosseguir, provoca-nos alegria e paz porque, apesar das dificuldades, sabemos que chegaremos ao destino. Os Magos guiam-se pela Estrela, pela Palavra de Deus, mas também contam com os outros para “validar” o caminho a prosseguir. E seguem confiantes. Até que encontram a razão e a origem da Luz.

Para Deus, ouvimos tantas vezes, o melhor. É também o primeiro mandamento, adorar a Deus e amá-l’O acima e antes de tudo, pois nesse amor está o segredo para a felicidade que não tem fim. Colocando Deus em primeiro lugar, não corremos o risco nem de instrumentalizar nem endeusar os outros, porque uma e outra opção é fonte de confusão, de desumanização, de desrespeito pelo outro, origem de cisões e conflitos.

Ao chegarem junto do Menino, os Magos extravasam de alegria e oferecem o melhor de si mesmos, o que têm e o que são: ouro, incenso e mirra, reconhecendo neste Menino a realeza, a divindade e a humanidade. E depois regressam por outro caminho. Quem se encontra verdadeiramente com Jesus não regressa à mesma vida. Pode haver momentos semelhantes, mas agora são preenchidos de beleza e de alegria, de amor e ternura, de compromisso com Aquele Menino. Na vida dos Magos, como na nossa, há tempo para a conversão, para mudar de vida, para abrir e semear sulcos de paz e de esperança, de seguir os caminhos que o Senhor nos indica, segui-l’O como caminho, verdade e vida. Precisamos mesmo de nos encontrarmos com Ele, uma e outra vez.

4 – A visitação e adoração dos Magos dá cumprimento às promessas do Senhor feitas ao Seu povo através do Profeta. Mas ainda hoje é um desafio para nós e para todas as cidades e aldeias.

“Levanta-te e resplandece, Jerusalém, porque chegou a tua luz e brilha sobre ti a glória do Senhor. Sobre ti levanta-Se o Senhor e a sua glória te ilumina. As nações caminharão à tua luz e os reis ao esplendor da tua aurora. Todos se reúnem e vêm ao teu encontro; os teus filhos vão chegar de longe e as tuas filhas são trazidas nos braços. Quando o vires ficarás radiante, palpitará e dilatar-se-á o teu coração, pois a ti afluirão os tesouros do mar, a ti virão ter as riquezas das nações. Invadir-te-á uma multidão de camelos, de dromedários de Madiã e Efá. Virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando as glórias do Senhor”.

Com a chegada do Messias, o Emanuel, o Deus connosco, um tempo de redenção, de paz e de justiça, como rezamos com o salmo: “Ele governará o vosso povo com justiça e os vossos pobres com equidade. Florescerá a justiça nos seus dias e uma grande paz até ao fim dos tempos… Os reis de Társis e das ilhas virão com presentes, os reis da Arábia e de Sabá trarão suas ofertas. Prostrar-se-ão diante dele todos os reis, todos os povos o hão de servir. Socorrerá o pobre que pede auxílio e o miserável que não tem amparo. Terá compaixão dos fracos e dos pobres e defenderá a vida dos oprimidos”.

O salmo antecipa desta forma a opção preferencial pelos mais pobres, os humildes, os excluídos, os que vivem nas periferias. A Luz vem para iluminar todos os homens, a terra inteira.

5 – Há quem se incomode com a felicidade e a alegria dos outros.

“Herodes ficou perturbado e, com ele, toda a cidade de Jerusalém”. Há quem veja ameaças em todo o lado. Quem sinta que a felicidade dos outros é uma afronta! Herodes receia perder o poder, tão confortavelmente estava no seu palácio e com a sua vida. Nem uma notícia tão importante o faz sair porta fora ao encontro do Messias.

Como é tão bom apreciarmos os sucessos dos outros. Se a vida corre bem ao nosso vizinho, é um bom indicador, também um dia me há de correr melhor. É um motivo para a alegria, para a gratidão e o louvor e, se há “afronta”, que seja desafio a persistirmos na busca do bem e de uma vida mais abundante. Deus quer o meu bem, mas também quer o bem do meu vizinho.

Para não cairmos no desânimo nem na inveja, invoquemos de Deus a sabedoria do coração, deixando-nos guiar por Ele. “Iluminai-nos, Senhor, sempre e em toda a parte com a vossa luz celeste, para que possamos contemplar com olhar puro e receber de coração sincero o mistério em que por vossa graça participámos”.

6 – Vivemos num tempo de bênção. Tal como os Magos, também nós podemos contemplar e adorar o Senhor Jesus, o Rei do Universo, na Palavra de Deus, nos Sacramentos e nos outros de quem cuidamos, especialmente os mais pobres.

“Nas gerações passadas, [o mistério de Cristo] não foi dado a conhecer aos filhos dos homens como agora foi revelado pelo Espírito Santo aos seus santos apóstolos e profetas: os gentios recebem a mesma herança que os judeus, pertencem ao mesmo corpo e participam da mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho”.

A salvação que chega até nós, em Cristo Jesus, é universal, não é para um grupo específico, para um tempo determinado, mas para todos, para mim e para ti, e para a pessoa mais simples do mundo. Temos a missão, como discípulos missionários, de contagiar os outros com esta alegre e boa notícia.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Is 60, 1-6; Sl 71 (72); Ef 3, 2-3a. 5-6; Mt 2, 1-12