Solenidade de Pentecostes – 19 de maio de 2024
1 – A Páscoa é o mistério maior da fé cristã. A morte, em definitivo, não tem a última palavra. A última palavra é de Deus: da Vida e do Amor. A Ressurreição é o Amor mais forte que a morte. A morte faz parte da humanidade. Com a Sua Ressurreição, Jesus coloca a nossa natureza junto de Deus, de onde nos atrai. Como em tantas situações da vida, mais dramático que os problemas e dificuldades, é a solidão e a falta de justificação da vida. Jesus dá-nos, com a Sua vida, morte e ressurreição, uma justificação e faz-nos companhia: a morte não é o fim, é passagem a uma vida nova, não ficamos sós, Ele conduz-nos ao coração de Deus, no qual nos descobrimos irmãos.
Ressurreição/Ascensão/Pentecostes são faces da mesma moeda. É o mesmo acontecimento pascal. Passagem. Vida nova. Vida no Espírito Santo. Missão. Ele connosco, pelo Espírito, em comunidade, mas doravante somos nós os portadores da Boa Notícia. Ele vem salvar-nos. Morre. Ressuscita. Ascende para Deus. Envia-nos o Seu Espírito, que por sua vez, nos dá (de novo) Jesus Cristo na Palavra proclamada e acolhida, nos Sacramentos e em todas as boas obras.
A primavera desemboca no verão. A flor dará lugar ao fruto. Se o trigo não morrer não germinará vida nova. Se a flor permanecer sempre em flor, não descobrirá a beleza do fruto que está para chegar.
“Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes serão retidos»”.
O Evangelista são João relata com clareza o acontecimento Páscoa: Jesus aparece no meio deles, não à parte, fora, ou de lado, mas no meio. Ele vem para o meio de nós. Mostra-lhes os sinais da paixão. O corpo glorioso de Jesus não anula as marcas do amor, presentes na crucifixão e na morte. A mensagem é a mesma: a paz. Os sorumbáticos apóstolos enternecem-se ao ver o Senhor e ficam cheios de alegria. Jesus sopra sobre eles, dá-lhes o Espírito Santo e envia-os, como o Pai O enviou.
A linguagem do amor e do bem não tem fronteiras/barreiras, é facilmente percetível e universal. Todos nos entendemos facilmente nas palavras e nos gestos de carinho e de perdão, de amor e de partilha solidária.
2 – São Lucas, evangelista, e autor do Livro dos Atos dos Apóstolos, apresenta-nos uma narração mais detalhada, com a preocupação de visualizar à comunidade cristã a grandeza do mistério vivido por Jesus Cristo, Deus feito homem. E, por outro lado, parte da constatação de que precisamos de tempo para amadurecer, para acolher, para compreender em toda a sua amplitude a grandeza do amor de Deus.
Numa linguagem bíblica, usa os números para nos ajudar a compreender os passos de Jesus. Como víamos no Domingo passado, acerca da Ascensão, depois da ressurreição, Jesus permanece 40 dias com os Seus, elevando-se então ao Céu. Por outras palavras, Jesus prepara os discípulos e permanece o tempo necessário para eles crescerem e para os enviar em missão. Hoje, o relato do Pentecostes, na versão lucana, situa-nos 50 dias depois da Páscoa, chegou a plenitude da manifestação pascal. Os discípulos estão preparados para se tornarem apóstolos.
Prestemos atenção às palavras da Escritura: “Subitamente, fez-se ouvir, vindo do Céu, um rumor semelhante a forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem. Residiam em Jerusalém judeus piedosos, procedentes de todas as nações que há debaixo do céu. Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu-se e ficou muito admirada, pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua. Atónitos e maravilhados, diziam: «Não são todos galileus os que estão a falar? Então, como é que os ouve cada um de nós falar [proclamar as maravilhas de Deus] na sua própria língua…?»”.
3 – O Espírito Santo que Deus nos dá há de inundar de alegria, de paz e de amor toda a nossa vida; como rajada de vento que tudo “arrasta” assim o Espírito de Deus nos “arrasta” para uma vida transformada, nova, comprometida. Como em outras ocasiões acentuámos, a dádiva do Espírito Santo assume uma dinâmica instrumental: converte-nos e leva-nos aos outros, insere-nos no mundo, mais e mais, na transformação das realidades que nos envolvem ou chegam até nós. Quem faz a experiência de encontro com Jesus ressuscitado, pela força do Espírito Santo, como escutámos no Evangelho, transborda de alegria. E quem transborda de alegria quer comunicar o sucedido a todo o mundo.
O Espírito Santo liberta-nos das amarras do medo, das portas e das janelas fechadas, do egoísmo que nos destrói, do pessimismo que inquina o nosso quotidiano, da desconfiança que nos agita e nos distancia dos outros, da arrogância que nos isola. Não nos livra das dificuldades, mas fortalece-nos e acompanha-nos para ressuscitarmos em cada momento de morte e de desalento, de incerteza e fracasso, de insegurança e de perda.
O Apóstolo são Paulo fala do Espírito como oportunidade para o bem comum, para fundar ou refazer laços fraternos e duradouros. Cada pessoa é querida por Deus e dotada de qualidades que postas ao serviço dos outros mais se desenvolvem.
Mas fixemo-nos nas palavras de são Paulo. “Ninguém pode dizer: «Jesus é o Senhor», a não ser pela ação do Espírito Santo. De facto, há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. Assim como o corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros, apesar de numerosos, constituem um só corpo, assim também sucede com Cristo. Na verdade, todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um único Espírito”.
Belíssima a comparação! Como Igreja, comunidade dos seguidores de Cristo Jesus, somos como corpo e tal como o corpo é uma unidade/organismo com diversos membros, cada um de nós, com a sua vida, é membro do Corpo místico de Cristo, que é a Cabeça.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano B): Atos 2,1-11; 1 Cor 12,3b-7.12-13; Jo 17, 20-26.