Domingo XI do Tempo Comum – B – 2021
1 – O essencial é invisível aos olhos… só se vê bem com o coração. A expressão de Antoine Saint-Exupéry, no Principezinho, ecoa também hoje nos nossos ouvidos. É com o coração que se vê e se ouve a vida, Deus, os outros, o mundo que vai além das aparências, desejos e caprichos e fundamenta e dá sentido à vida. Só com o coração nos encontramos connosco e com Deus, e nos predispomos a encontrar os outros.
Deus não falta às Suas promessas e opera vida mesmo onde e quando parece que tudo se desmorona. Não julgues pelas aparências, pois Deus vive na profundidade do teu coração. É como raiz bem entranhada na terra. À superfície, o vendaval como que leva tudo pela frente, não deixando pedra sobre pedra, mas a raiz não se solta. É como o homem sensato que constrói a sua casa sobre a rocha (cf. Mt 7, 24-27). Podem vir mil e uma marés e tempestades, mas o alicerce dá-lhe a sustentabilidade de que necessita para se manter de pé. A fé é este baluarte que vai além de todas as tempestades, marés e ventanias. Quem tem fé, diz-nos Bento XVI, nunca está sozinho. A fé enraíza-nos em Deus e coloca-nos em sintonia e comunhão com quantos estão em Deus, na vida presente e/ou na eternidade. A fé faz com que a titubeação de Pedro se converta em firmeza, sólida como rocha!
As circunstâncias e os tempos que vivemos nem sempre são como desejaríamos, por diversos fatores, alguns mais “naturais”, outros mais humanos; alguns da nossa responsabilidade, ativa ou omissa, outros da responsabilidade alheia. Não estando satisfeitos connosco, na ânsia de viver melhor, chocamos com contratempos. Veja-se o surto pandémico, num tempo de globalização, de avanços extraordinários na tecnologia e na ciência, nas vias de comunicação e na saúde. E, afinal, como sói dizer-se popularmente, quando pensávamos que estava tudo certo, parece que tudo está errado. Talvez nos tenhamos fixado, como o homem insensato, em areias movediças, mais em nós do que em Deus, mais na ciência, que é essencial, do que na fé, que nos orienta para o bem e para os outros.
2 – As duas parábolas que Jesus nos serve neste Domingo falam-nos de um Deus que age em todo o tempo e faz com que o mundo seja criação contínua, contando com o nosso empenho solidário e fraterno.
«O reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. Dorme e levanta-se, noite e dia, enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como. A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga, por fim o trigo maduro na espiga. E quando o trigo o permite, logo se mete a foice, porque já chegou o tempo da colheita».
Nesta primeira parábola, como se pode ver, concorrem, para uma boa colheita, a obra de Deus e as obras humanas. Deus dá-nos a semente, com a capacidade de germinar em fruto e produzir em abundância, mas temos que lançá-la à terra, temos de ser terra que acolhe a semente. Deus mantém-se presente em todo o tempo e em todas as circunstâncias, mesmo quando e onde nos parece que tudo está revolto e tenebroso. Ele vem. Ele está. Perscrutemos os sinais da Sua presença e do Seu amor.
A esta parábola, Jesus acrescenta a que se segue: o reino de Deus «é como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes que há sobre a terra; mas, depois de semeado, começa a crescer e torna-se a maior de todas as plantas da horta, estendendo de tal forma os seus ramos que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra».
A vida, na maioria das vezes, germina e desenvolve-se na descrição, na simplicidade, na pequenez, no pormenor. Há momentos grandiosos e extraordinários que podem mobilizar vontades e ajudar a promover e desenvolver projetos, fazendo avançar a história, mas há tantas “invisibilidades” que garantem o pulsar da vida! Uma equipa de futebol! Quer seria o melhor do mundo sem os outros jogadores, sem treinadores, apanha-bolas, preparadores físicos, roupeiros… Mas podemos sempre olhar para aquela mulher pequenina e franzina, Madre Teresa de Calcutá, que semeou sementes de paz e de esperança, de caridade e partilha, sinal eloquente do amor de Deus junto dos mais pequeninos! Fez muito mais que muitas superpotências! Ou aquela viúva, pobre, que deitou duas pequenas moedas no tesouro do Templo e de quem Jesus diz que foi a que deitou mais, porque deitou, não do que lhe sobejava, mas do que lhe fazia falta, deitou tudo o que tinha para viver (cf. Lc 21, 1-4). Afinal, o amor nunca pode ser muito ou pouco, ou a meias, o amor leva-nos com tudo o que somos.
3 – Não interessa como começa, mas como acaba! É certo que tudo conta, mas quando deixamos Deus agir, falar, iluminar, (re)criar, até o que existe de mais insignificante se torna grandioso. Quando é que o outro se torna grande ou quando começa, por assim dizer, a existir? Quando o/a amas, quando olhas para ele/a com olhos de ver, com os olhos do coração. Mas pode ser do tamanho de um comboio e ser invisível para ti, pois não o vês como irmão, mas como estorvo ou com indiferença, como uma peça de mobiliário.
São Paulo dir-nos-á que “Deus escolheu o que é fraco aos olhos do mundo para confundir o forte, e escolheu o que é vil e desprezível, o que nada vale aos olhos do mundo, para reduzir a nada aquilo que vale, a fim de que ninguém se possa gloriar diante de Deus” (1Cor 1, 27-28). No Magnificat, Maria faz-se oração de louvor: “a minha alma engrandece (glorifica) o Senhor, porque olhou para a sua humilde serva” (Lc 1, 47-48). Por outras palavras, a humildade de Maria não ofusca as maravilhas que Deus realiza e permite que a grandeza divina Se manifeste.
A oração da Eucaristia faz-nos rezar o auxílio do Senhor: “Deus misericordioso, fortaleza dos que esperam em Vós, atendei propício as nossas súplicas; e, como sem Vós nada pode a fraqueza humana, concedei-nos sempre o auxílio da vossa graça, para que as nossas vontades e ações Vos sejam agradáveis no cumprimento fiel dos vossos mandamentos”. A oração do humilde sobe aos Céus. Na verdade, a oração autêntica é a que nos coloca diante de Deus com a nossa pobreza para que Ele nos enriqueça com a Sua misericórdia.
4 – O profeta Ezequiel, na primeira leitura, convida-nos a colocar o nosso olhar e o nosso coração em Deus. Só em Deus encontraremos a paz e a alegria, a esperança e a justiça. Ele cria-nos por amor e por amor nos desafia à vida. Quando nos voltamos para nós e esquecemos o Céu, perdemo-nos do caminho, deixamos de saber a origem e o caminho de regresso. Se nos voltámos para Deus, reencontramo-nos, pois estaremos em sintonia com a nossa identidade original, com a nossa origem e, quando se sabe o caminho percorrido, é possível que se saiba a direção a prosseguir.
Diz-nos Deus, através do Profeta: «Do cimo do cedro frondoso, dos seus ramos mais altos, Eu próprio arrancarei um ramo novo e vou plantá-lo num monte muito alto. Na excelsa montanha de Israel o plantarei e ele lançará ramos e dará frutos e tornar-se-á um cedro majestoso. Nele farão ninho todas as aves, toda a espécie de pássaros habitará à sombra dos seus ramos. E todas as árvores do campo hão de saber que Eu sou o Senhor; humilho a árvore elevada e elevo a árvore modesta, faço secar a árvore verde e reverdeço a árvore seca. Eu, o Senhor, digo e faço».
Nesta parábola está a história da nossa vida. Floresceremos se deixarmos que Deus aja na nossa vida, dando os passos necessários para vivermos segundo a Sua Palavra, fiéis aos Seus desígnios, procurando a justiça e a verdade. “O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro do Líbano; plantado na casa do Senhor, florescerá nos átrios do nosso Deus. Mesmo na velhice dará o seu fruto, cheio de seiva e de vigor, para proclamar que o Senhor é justo: n’Ele, que é o meu refúgio, não há iniquidade”.
5 – Na sua segunda Epístola aos Coríntios, São Paulo deixa extravasar a alegria e confiança em Deus, no Seu amor por nós e na Sua fidelidade permanente. Em Cristo, Deus atua em nosso favor para nos reconciliar com a vida, para nos fazer ver o Seu carinho por nós. Nada nos pode separar do Seu amor, nem sequer a morte.
Com efeito, diz o Apóstolo, “Nós estamos sempre cheios de confiança, sabendo que, enquanto habitarmos neste corpo, vivemos como exilados, longe do Senhor, pois caminhamos à luz da fé e não da visão clara. E com esta confiança, preferíamos exilar-nos do corpo, para irmos habitar junto do Senhor. Por isso nos empenhamos em ser-Lhe agradáveis, quer continuemos a habitar no corpo, quer tenhamos de sair dele. Todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que receba cada qual o que tiver merecido, enquanto esteve no corpo, quer o bem, quer o mal”.
Para São Paulo estar no mundo ou habitar para sempre junto do Senhor é um dilema que nos compromete com os outros e com o tempo em que vivemos. No agora, cabe-nos fazer tudo para Lhe sermos agradáveis e ser-Lhe-emos agradáveis na medida em que cuidamos dos nossos irmãos. O que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que fazeis (cf. Mt 25, 40). Não esqueçamos, para Deus todos são filhos e cuida com carinho até dos que se parece com pequenos grãos de mostarda. Sermos-Lhe agradáveis passa por cuidar daqueles que Ele ama a cuida infinitamente.
6 – Hoje a Igreja recorda a figura de Santo António de Lisboa, cuja fidelidade ao Evangelho, no anúncio da Palavra de Deus e na vivência da fé cristã, no compromisso franciscano de viver de Cristo e para Cristo, permitiram que também por Ele Deus manifestasse as Suas maravilhas ao mundo. Foi atraído pelo ideal franciscano, quis como eles tornar-se missionário e ser “pedinte”, mendicante, para acudir aos mais pequenos, aos pobres. Porém, a vontade de Deus fez dele um pregador insigne da Sagrada Escritura alimentando os famintos de vida e de sentido. Verdadeiramente, como o Evangelho escolhido para a sua memória, foi sal da terra e luz do mundo.
Santo António, dai-nos a humildade de coração para acolhermos a sabedoria de Deus e a infundirmos através das nossas palavras e das nossas obras.
Pe. Manuel Gonçalves
Leituras para a Eucaristia: Ez 17, 22-24; Sl 91 (92); 2 Cor 5, 6-10; Mc 4, 26-34.