Domingo da Divina Misericórdia – ano A – 19 de abril de 2020

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Domingo da Divina Misericórdia – ano A – 19 de abril de 2020

1 – Aquele primeiro dia da semana marca o ritmo e o tempo de um tempo novo.

De manhãzinha, Maria Madalena volta ao lugar da morte, ao sepulcro onde Jesus foi sepultado e encontra-o vazio: corre a dizer aos apóstolos o que terá sucedido. Pedro e o outro discípulo, o predileto de Jesus, que posso ser eu, podes ser tu, correm ao sepulcro, veem os sinais e acreditam. Ali já não se encontra o corpo de Jesus, já não se encontra Jesus. E regressam! Regressam à vida, à cidade à comunidade!

Na tarde deste primeiro dia, é Jesus, como antes, que vem à procura dos Seus discípulos. Procura-te a ti e a mim! O medo faz com que os Seus discípulos estejam escondidos, em casa, com as portas fechadas. Também nós, muitas vezes, nos encerramos nos nossos medos e nas desconfianças em relação aos outros, àqueles que traíram a nossa confiança ou, em algum momento, não corresponderam ao que deles esperávamos (e mereceríamos!).

A ressurreição de Jesus, diz-nos Bento, XVI, é a vastidão de Deus que chega até nós, irrompe portas e janelas fechadas, bate ao coração de cada um e quer entrar nas nossas casas, em nossas vidas. Jesus apresenta-Se, como antes: «A paz esteja convosco». Não há outra mensagem, Ele vem e com Ele a paz e a esperança. Não há que duvidar, ainda que, tantas vezes, o nosso coração nos possa trair. É Ele mesmo, está vivo e está no meio de nós. Ele mostra-nos as mãos e o lado! Não há que duvidar! Não é um fantasma ou um espírito que tenha regressado para nos assombrar! É Jesus. O Crucificado! Está vivo. Ressuscitou, como disse.

A ressurreição faz-nos ver melhor, mais claramente, as marcas da paixão, do amor, as marcas da entrega até ao fim, faz-nos ver melhor como os outros são nossos irmãos e que ao cuidarmos das chagas deles cuidaremos das chagas de Jesus. O que fizerdes ao mais pequeno dos irmãos é a Mim que o fazeis. Como Jesus, seguindo Jesus, amando Jesus, vivendo do Seu jeito, cabe-nos ser cuidadores de feridas, cuidadores de corações.

2 – O encontro com Jesus gera conversão, identificação com Ele e missão. Vocação e missão. Chamamento e envio. A alegria que experimentamos efetiva-se ao transbordar, ao ser partilhada com os outros. A alegria e a festa tendem a ser comunicadas, multiplicadas pela partilha. Ninguém faz festa sozinho e, se é verdade que o sofrimento partilhado alivia o peso de cada um, sabendo que não estamos sós, a alegria desemboca no encontro e no convívio, de contrário seria uma alegria coxa que rapidamente sucumbiria por não ter terra onde firmar as suas raízes. Por outro lado, a não ser que sejamos egoístas, o bem que encontramos e experimentamos, queremos que os outros possam também beneficiar dele.

Diz-nos Jesus, também a mim e a ti: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». E, dito isto, soprou sobre eles, e sobre nós no Batismo e no Crisma e em tantas situações de bênção, e diz-lhes, a eles, e diz-nos, a nós: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».

O discípulo para o ser verdadeiramente terá de ser missionário. Discípulo missionário. Jesus encontra-nos e chama-nos para logo nos enviar aos outros. Ele é o Enviado do Pai. Assume-Se como tal, Enviado, para anunciar a Boa Nova, para dizer e fazer o que ouviu do Pai e Lhe viu fazer. Assim nos chama e envia, para que vamos, não em nome próprio, mas ainda assim com o que somos, pois não nos dividimos, para O dizer, O anunciar, para fazer as obras que Lhe vimos fazer. Para isso, Ele nos dá o Espírito Santo, para que nos guie e ilumine, para nos converter permanentemente à verdade e ao Evangelho. Jesus dá-nos o Espírito e o Espírito Santo faz com que Jesus esteja vivo, presente, atual, na nossa vida e continue a ressuscitar em cada pessoa que encontrarmos.

3 – O encontro de Jesus gera espanto! Se de manhãzinha é surpreendente encontrar o túmulo vazio, com os sinais que emanam daquele lugar, onde os sonhos, aparentemente, se perderam na sexta-feira, na noite que se abateu sobre os apóstolos, agora, pela tarde, é o próprio Jesus que irrompe pelos nossos medos, retraimentos e hesitações. Os discípulos, hoje nós, ficam boquiabertos! Jesus mostra-lhes as mãos e o lado!

Fora da comunidade, Tomé não é surpreendido pela aparição inicial de Jesus e, por conseguinte, “exige” o mesmo que os demais: «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei».

Oito dias depois, domingo novamente, Tomé está com os outros discípulos, a comunidade está toda reunida. Percebe-se que não somos cristãos à margem da comunidade, é na comunidade que a fé amadurece, confrontando, se enriquece, partilhando, se fortalece, comungando uns com os outros. Sozinhos facilmente podemos enganar-nos, desistirmos, perder-nos, pode chegar o momento em que não sabemos se estamos no caminho certo ou, pelo contrário, atingirmos o cinismo de quem se julga no caminho certo, apesar das evidências contrárias.

Oito dias depois, estando as portas fechadas, Jesus vem e coloca-Se no meio. O meio é o lugar de Jesus. A partir daí nos congrega, fazendo-nos voltar uns para os outros. Quando nos aproximamos do meio, aproximando-nos de Jesus, aproximamo-nos uns dos outros. Se Jesus não estiver no meio, imobilizamos ou embatemos uns nos outros ou afastamo-nos porque nada nos liga nem tempo e nem para a eternidade.

«A paz esteja convosco». A paz que Jesus nos dá é uma certeza, mas também um desafio. É a mensagem de antes, que se prolonga para sempre! Depois, Jesus volta-se para Tomé: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente».

Tomé profere a sua profissão de fé, simples, mas clarividente: «Meu Senhor e meu Deus!». Quando se eleva a hóstia e o cálice, no momento da consagração, rezamos, em silêncio, esta oração/profissão de Fé, numa expressão dizemos tudo, a nossa fé, que pressupõe o seguimento e a missão daí decorrente.

A concluir Jesus diz-lhe, e também a mim e a ti: «Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto». Para ver precisamos de tocar as feridas de Jesus nos irmãos, e tratá-las, e então veremos que estamos diante de Jesus, vivo, ressuscitado, em lógica de salvação.

4 – O CENTRO é Jesus. Quando colocamos como referência Jesus, quando é Ele o polo aglutinador do nosso compromisso e, diria, dos nossos interesses, então saberemos que n’Ele seremos salvos do egoísmo e da morte, do pessimismo e das trevas, seremos salvos da indiferença e do vazio. Se Ele é o centro, o ponto de referência, o nosso chão, se agimos como discípulos, Seus seguidores, saberemos que só temos um objetivo, sermos como Ele, agirmos do mesmo modo, identificar-nos com Ele, com a Sua bondade e compaixão, com a Sua ternura e proximidade, com a Sua doçura e serviço.

A adesão a Jesus e o respetivo seguimento, como discípulos missionários, porém, não nos livra do esforço, do caminho e das contrariedades. A fé enforma-nos, mas é também caminho que nos faz avançar.

Em Jesus Cristo, Deus Pai fez-nos renascer “para uma esperança viva, para uma herança que não se corrompe, nem se mancha, nem desaparece”. Perfeitos e a viver em plenitude só na eternidade, quando estivermos face a face com Deus. Diz-nos São Pedro: “Isto vos enche de alegria, embora vos seja preciso ainda, por pouco tempo, passar por diversas provações, para que a prova a que é submetida a vossa fé – muito mais preciosa que o ouro perecível, que se prova pelo fogo – seja digna de louvor, glória e honra, quando Jesus Cristo Se manifestar. Sem O terdes visto, vós O amais; sem O ver ainda, acreditais n’Ele. E isto é para vós fonte de uma alegria inefável e gloriosa, porque conseguis o fim da vossa fé: a salvação das vossas almas”.

A certeza da Ressurreição e da vida em Deus é o tal lampejo de luz que nos alegra e nos anima a caminhar, a viver, a comprometer-nos na construção de um mundo fraterno e cristão, isto é, à imagem de Cristo Jesus. A misericórdia de Deus revela-Se plenamente na vida, morte e ressurreição de Jesus, em Quem nos são escancaradas as portas da eternidade. Jesus é a Pedra que os construtores rejeitaram, mas que se tornou o alicerce da nossa vida, da Igreja e do mundo.

5 – A COMUNIDADE é o lugar onde Jesus está vivo, onde a fraternidade se testa e se vive, onde o amor se concretiza, onde nos descobrimos e encontramos como irmãos. Aquele que não está disponível para uma inserção total na comunidade, Corpo de Cristo, que é a Igreja, ainda não está em dinâmica de discipulado. Não seguimos Jesus apesar dos outros ou deles alheados. Não faz sentido. A minha fé é só uma parte do caminho, a forma como me deixo transformar pelo Espírito Santo e converter, mas se ficar aí, não faz sentido, pois a fé leva-me a Jesus e, levando-me a Jesus, aproxima-me dos outros, coloca-me como irmão diante e ao lado dos outros.

Aquela primeira comunidade cristã continua a ser uma referência, um modelo, um convite permanente. “Cristo sim, Igreja não”, se não é uma idiotice, é um contrassenso. Jesus chega a nós porque nos foi comunicado pela Igreja, de geração em geração. Claro que Deus não se encerra na visibilidade eclesial ou nos nossos esquemas mentais. O Espírito sopra onde quer. Mas, como é óbvio também, Jesus, nas palavras e no agir, convoca-nos à unidade, à fraternidade solidária, à comunhão. Onde dois ou três estiverem reunidos, estarei no MEIO deles. Para que todos sejam UM como Eu e Tu, ó Pai, somos UM.

As raízes ajudam a aguentar os vendavais. Saber de onde partirmos ajuda-nos a saber para onde vamos. Na comunidade primitiva vemos como os discípulos acolheram o Evangelho e o traduziram e concretizaram em comunidade. “Os irmãos eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações. Todos os que haviam abraçado a fé viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam propriedades e bens e distribuíam o dinheiro por todos, conforme as necessidades de cada um. Todos os dias frequentavam o templo, como se tivessem uma só alma, e partiam o pão em suas casas; tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus e gozando da simpatia de todo o povo”.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Atos 2, 42-47; Sl 117 (118); 1 Pedro 1, 3-9; Jo 20, 19-31.