Domingo III Do Tempo Comum – ano A – 2023
1 – «Começou a percorrer toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do reino e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo».
Por iniciativa do Papa Francisco, o terceiro Domingo do Tempo Comum é o Domingo da Palavra de Deus, que para nós cristãos não é, apenas, um conjunto de carateres ou uma composição de palavras, mas é o próprio Jesus Cristo. Ele é a Palavra de Deus que Se faz vida para nós, encarnando, assume-nos, identificando-Se com a nossa humanidade. A Palavra de Deus tem um rosto e uma presença, é Pessoa, é Jesus Cristo. Com as Suas palavras e com os Seus gestos mostra-nos o caminho que nos salva, que dá sentido à nossa existência. Esse caminho passa pelo amor, pela ternura, pela compaixão, passa por gastar-nos no cuidado uns dos outros, no serviço à humanidade e à própria criação.
2 – Depois do batismo e, sobretudo, depois da prisão de João Batista, a missão de Jesus acelera e intensifica-se. O caminho foi preparado, a voz proclamou a Palavra que estava para vir, a Palavra está agora no meio de nós. Jesus cumpre, com a Sua vida, as promessas reveladas em Isaías: «Terra de Zabulão e terra de Neftali, estrada do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios: o povo que vivia nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam na sombria região da morte, uma luz se levantou».
É um tempo novo, mas o desafio é idêntico: «Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos Céus».
O evangelista deixa entrever alguma precaução, uma vez que, depois da prisão de João, Jesus Se retirou para a Galileia e é nessa região que recruta a quase totalidade dos Seus discípulos. Vendo dois irmãos, Simão (Pedro) e seu irmão André, que andavam na pesca, disse-lhes: «Vinde e segui-Me e farei de vós pescadores de homens». Um pouco mais à frente, Jesus viu outros dois irmãos, Tiago e João, filhos de Zebedeu, a consertar as redes e fez-lhes o mesmo desafio. Uns e outros, deixaram o que estavam a fazer e seguiram-n’O.
Com eles, Jesus percorre a Galileia a ensinara o Evangelho do Reino, acompanhando as palavras com gestos, curas e milagres. Hoje, Jesus continua a chamar-nos, a mim e a ti. Como é que Lhe respondemos? Colocamos condições ou seguimo-l’O incondicionalmente? Tratamos das nossas coisas, ou pomo-nos a caminho com Ele?
3 – O Profeta Isaías, na primeira leitura, é portador da boa nova, da esperança para o povo do Senhor. Os tempos não são de euforia, a adversidade parece levar a melhor, as trevas tornaram-se densas, a perseguição e o exílio são espinhos cravados no coração. Muitas foram as causas desta humilhação passada, desta desolação, entre as quais está o pecado do egoísmo e da prepotência, da corrupção e da injustiça. Um povo dividido torna-se vulnerável à divisão e à devastação.
Ao longo de gerações, o povo sofreu as consequências de uma má gestão, com os líderes políticos e religiosos a pensar mais nos seus interesses do que no bem de todo o povo. Pode fazer-se uma leitura religiosa – o pecado conduz ao conflito e à morte – mas também uma leitura política – quando são privilegiados os interesses pessoais e familiares, em vez do povo no seu conjunto, cresce o descontentamento, as discussões e a revolta. De conflito em conflito destrói-se a identidade e a força da comunidade, tornando-se vulnerável a ataques de exércitos de países vizinhos!
Profetisa Isaías: «Assim como no tempo passado foi humilhada a terra de Zabulão e de Neftali, também no futuro será coberto de glória o caminho do mar, o Além do Jordão, a Galileia dos gentios».
A tristeza e o luto darão lugar à alegria e à gratidão. «Multiplicastes a sua alegria, aumentastes o seu contentamento. Rejubilam na vossa presença, como os que se alegram no tempo da colheita, como exultam os que repartem despojos. Vós quebrastes, como no dia de Madiã, o jugo que pesava sobre o povo, o madeiro que ele tinha sobre os ombros e o bastão do opressor».
Depois da Cruz, a manhã de Páscoa. Depois da sexta-feira santa, da paixão e do sofrimento, da entrega e da oblação, o Domingo da luz e da vida nova, da paz e da salvação.
4 – O salmo responde, em forma de oração, à Palavra de Deus, no louvor e na gratidão pelo aconchego que encontramos nos braços, no olhar, na presença de Deus. Ele é a nossa luz e salvação. «O Senhor é protetor da minha vida: de quem hei de ter medo? / Uma coisa peço ao Senhor, por ela anseio: habitar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, para gozar da suavidade do Senhor e visitar o seu santuário. / Espero vir a contemplar a bondade do Senhor na terra dos vivos. Confia no Senhor, sê forte. Tem confiança e confia no Senhor».
A confiança é condição essencial para encontrarmos a paz e vivermos harmoniosamente. Sabemos que não estamos sós. Nos momentos de treva e nas tempestades da vida, Ele está a caminhar connosco, não nos deixa sós, guia-nos, desde que abramos uma brecha para que a Sua luz e o Seu amor desbloqueiem os nossos medos e prisões.
5 – São Paulo é o Apóstolo da Palavra. Ficou assim conhecido por ser o maior missionário de todos os tempos, anunciando o Evangelho em toda a parte, em todas as circunstâncias, oportuna e inoportunamente. O Evangelho que anuncia é Cristo morto e ressuscitado, filho de Deus que dá a vida pela humanidade. Depois da sua conversão, que a Igreja comemora a 25 de janeiro, gastou-se por inteiro para fazer chegar a palavra de Deus a todos os recantos, para ganhar alguns para Cristo. Fez-se tudo para todos para que reine o amor e a verdade de Cristo.
A caminho de Damasco, nas encruzilhadas da vida, na busca incessante pela verdade, na perseguição aqueles que considerava inimigos do judaísmo, Paulo foi surpreendido pela Luz que vem do alto, pela Luz que é Jesus. As trevas que o cegavam deram lugar à claridade da luz. De perseguidor tornou-se seguidor de Jesus, procurando identificar-se totalmente com Ele. O próprio nos dirá: “já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim”, “para mim viver é Cristo”.
Na pregação como nas missivas que dirige às comunidades, o apóstolo procura que o seu testemunho conduza outros a deixar-se ver por Jesus Cristo, a deixar-se iluminar pelo Evangelho.
À comunidade de Corinto, e às nossas comunidades, e a quantos creem em Cristo, são Paulo interpela: «Rogo-vos, pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma linguagem e que não haja divisões entre vós, permanecendo bem unidos, no mesmo pensar e no mesmo agir. Eu soube, meus irmãos, pela gente de Cloé, que há divisões entre vós, que há entre vós quem diga: ‘Eu sou de Paulo’, ‘eu de Apolo’, ‘eu de Pedro’, ‘eu de Cristo’. Estará Cristo dividido? Porventura Paulo foi crucificado por vós? Foi em nome de Paulo que recebestes o Batismo? Na verdade, Cristo não me enviou para batizar, mas para anunciar o Evangelho; não, porém, com sabedoria de palavras, a fim de não desvirtuar a cruz de Cristo».
A palavra anunciada é igual para todos, é Jesus Cristo, e, por conseguinte, quanto mais sintonizados com a Palavra de Deus, com Jesus, mais predispostos à comunhão, à fraternidade. Se nos reconhecemos irmãos de Jesus, vivamos como irmãos entre nós.
6 – O que são Paulo nos deixa como desafio, rezamo-lo logo a iniciar a Eucaristia: “Deus todo-poderoso e eterno, dirigi a nossa vida segundo a vossa vontade, para que mereçamos produzir abundantes frutos de boas obras, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho”.
A oração, humilde e sincera, abre-nos ao coração para Deus, que dilata o nosso coração para a amarmos do mesmo jeito que Ele (nos) ama, cuidando especialmente dos mais frágeis. Acolher e traduzir a vontade de Deus: sermos felizes e contribuirmos para que todos se sintam filhos amados do Senhor.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano A): Is 8, 23b – 9, 3 (9, 1-4); Sl 26 (27); 1Cor 1, 10-13. 17; Mt 4, 12-23.