Domingo III da Quaresma – ano B – 7 de março de 2021

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Domingo III da Quaresma – ano B – 7 de março de 2021

1 – Estamos a caminho da Páscoa cristã, a paixão redentora de Jesus, cuja plenitude se realiza na Sua ressurreição, mistério que nos faz saber que o amor é mais forte que a morte, a última palavra da vida é de Deus, o fim não é um termo, mas uma passagem à eternidade.

O Evangelho de hoje mostra a proximidade da Páscoa dos judeus. Jesus, como bom judeu, sobe a Jerusalém para festejar a Páscoa. É uma festa aglutinadora que faz reviver e reavivar a libertação do povo, da escravidão do Egito para a liberdade de Canaã. É um momento fundante e essencial na vida dos judeus. Com todas as adversidades e contratempos, entre dúvidas e hesitações, um passo decisivo de confiança no poder de Deus e, sobretudo, na Sua predileção. A celebração da Páscoa é oportunidade para louvar o Senhor, para agradecer a Sua benevolência e intervenção na história dos homens e dos povos, para narrar às gerações atuais e futuras as maravilhas que Deus realizou e continua a realizar na história. São momentos para fortalecer a fé e a esperança em Deus e na vida que vem pela frente, de recordar os feitos, mas também as promessas. Dessa forma se esbatem desconfianças e medos, desencantos e desilusões.

Como bom judeu, Jesus estará presente em Jerusalém, em todas as festas importante para o povo judeu. Foi assim desde pequeno. Lembremo-nos na perda e encontro de Jesus no Tempo, na altura com 12 anos!

2 – O tempo antes do espaço. É uma expressão muito querida ao Papa Francisco, colocando a primazia do tempo e das pessoas em relação aos espaços, à nacionalidade ou à cor da pele. Isso não significa que se desvalorizem os espaços, mas que se dê prioridade às necessidades da pessoa, seus sofrimentos e anseios. Os espaços estão em função da vida, da dignidade e da felicidade das pessoas e das comunidades e contam, antes de mais, como potenciadores de encontro, de diálogo e de comunhão.

Quando se valorizam os espaços, aposta-se na posse e ocupação dos mesmos para proveito próprio e domínio sobre os outros. O tempo relativiza o espaço, e a posse, e relembra a finitude e a nossa condição de mortais, na abertura, como crentes, ao Infinito e Intemporal.

A determinada altura, Jesus alerta para a hipocrisia daqueles que se apossaram do Templo, para dominar e enriquecer, explorando os pobres, os órfãos e as viúvas. Sentaram-se, diz Jesus, na cadeira de Moisés, ocuparam um espaço, um lugar, exigindo, escravizando, atemorizando as pessoas mais simples. Apoderaram-se do poder e da Lei para espezinhar os outros, quando deveriam colocar a Lei ao serviço do povo.

Há oito dias, víamos como Abraão se liberta da posse paternal, Deus deu-lhe Isaac por filho, mas não lhe passa um certificado de posse, porque não “possuímos” o que nos é igual. Diante de Deus somos iguais, somos filhos. Não somos donos, patrões, possuidores, somos irmãos, porque filhos do mesmo Pai. Paralelamente, Deus promete a Abraão como herança uma terra, mas também em lógica de cuidado A terra é para Abraão e descendência, e nele serão abençoados todos os povos. Por outras palavras, o que é, como pessoa, e o que tem, a terra, hão de proporcionar o encontro e a festa, a partilha e a comunhão. O que é verdadeiramente nosso? O que partilhamos, o que condividimos. O que guardamos para nós torna-nos escravos. Os dons são para partilhar.

No final da Semana Nacional da Cáritas, rosto da Igreja, rosto de Cristo, ao serviço de todos, especialmente dos pequeninos, este desapossamento das coisas, dos espaços e dos dons, colocando ao serviço de todos, torna-se ainda mais urgente. Não se trata de viver na penúria, trata-se da partilha solidária para que mais possam viver com dignidade de filhos de Deus, irmãos nossos.

3 – O Templo, lugar de encontro com Deus, de oração e de louvor, é ocupado pelos detentores do poder, da Lei, do estatuto social e religioso. O espaço que deveria ser de todos e proporcionar o encontro com Deus, é fonte de negociatas e exploração dos mais pobres.

É um dos momentos em que Jesus mostra firmeza, e dureza. Faz um chicote de cordas e expulsa do Templo vendedores, com ovelhas e bois, e deita por terra o dinheiro dos cambistas, derrubando-lhes também as mesas. Mas mostra cuidado em relação aos vendedores de pombas: «Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai casa de comércio». Por um lado, as pombas são a oferta dos pobres, que não têm outros meios para oferecer sacrifícios e holocaustos. Recorde-se que Maria e José, quando vão ao Templo com Jesus, oferecem um par de pombas ou de rolinhas. Por outro lado, a sensibilidade de Jesus para com as aves, que são mais frágeis.

Depois desta atitude mais incisiva de Jesus, diríamos que o caldo se entornou. Alguns judeus questionam a Sua autoridade: «Que sinal nos dás de que podes proceder deste modo?».

A resposta de Jesus antecipa a Sua morte. Ele tem consciência de que o tempo se esgota e que a plenitude do tempo se vai revelar. Logo acrescenta como a “destruição” é relativa e provisória, pois há de prevalecer a ressurreição. «Destruí este templo e em três dias o levantarei». Tudo passa, menos o amor de Deus por nós.

Se estivéssemos por perto, faríamos coro com os judeus: «Foram precisos quarenta e seis anos para se construir este templo e Tu vais levantá-lo em três dias?». Só depois da ressurreição os discípulos vão entender as palavras de Jesus e o pré-anúncio do mistério pascal.

4 – O Evangelho anuncia a morte e a ressurreição de Jesus, o zelo pela casa de Deus, dando prevalência ao tempo e ao Corpo como templo do Espírito Santo, lugar onde Deus Se manifesta por excelência, em Jesus e em cada pessoa. Mas alerta também para a interioridade e para a maquilhagem que podemos colocar na relação com os outros.

Jesus permanece em Jerusalém por ocasião dos dias da Páscoa. O relato de São João coloca a expulsão dos vendilhões do Templo na primeira Páscoa de Jesus. Os outros evangelistas, os sinóticos, hão de colocar este episódio na proximidade da última Páscoa judaica em que Jesus participa, para Se fazer, Ele mesmo, Páscoa.

Durante esses dias, Jesus anuncia o Evangelho, realiza milagres e muitos acreditam n’Ele. Porém, Jesus não se fia deles, pois bem os conhece, mesmo sem Lhe darem informações. “Ele bem sabia o que há no homem”.

Deixemos que Jesus ilumine o nosso olhar e o nosso coração e que em nós habite o Seu amor e o Seu Espírito. É essa a nossa oração: “Deus, Pai de misericórdia e fonte de toda a bondade, que nos fizestes encontrar no jejum, na oração e no amor fraterno os remédios do pecado, olhai benigno para a confissão da nossa humildade, de modo que, abatidos pela consciência da culpa, sejamos confortados pela vossa misericórdia”.

5 – A Lei de Moisés, sintetizada nos 10 mandamentos, não tem como propósito limitar as pessoas, a sua vida, escravizá-las, colocá-las sobre um jugo que as faça sentir culpadas, sujeitas a medos e remorsos. A Lei que baliza limites, que traça fronteiras, visa ajudar a encontrar equilíbrios, criar a harmonia entre pessoas, ajudar a discernir o verdadeiro do falso, o correto do errado, a vida da morte, a luz das trevas, o que é bênção e o que pode tornar-se maldição. Os limites libertam-nos para tudo o que podemos fazer uns pelos outros. Para traçarmos uma linha reta, direita, num quadro, num caderno, a régua é de uma grande ajuda.

As palavras de Deus a levar em conta: «Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egipto, dessa casa de escravidão. Eu, o Senhor teu Deus… uso de misericórdia até à milésima geração para com aqueles que Me amam e guardam os meus mandamentos. Não invocarás em vão o nome do Senhor teu Deus… Lembrar-te-ás do dia de sábado, para o santificares… Honra pai e mãe… Não matarás. Não cometerás adultério. Não furtarás. Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo. Não cobiçarás a casa do teu próximo; não desejarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo nem a sua serva, o seu boi ou o seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença».

Mais que o espaço que queremos gerir e dominar, importa o tempo, a vida, o amor, o que nos liga a Deus, como Seus filhos, o que nos liga aos outros, como irmãos.

6 – Quando a lei é assumida como obrigação e imposição, torna-se um tormento, um pesadelo, leva à revolta. Quando a lei é assumida desde dentro, como oportunidade e bênção, a partir do coração, liberta-nos para fazermos o bem, para acolhermos os outros, para nos ligarmos.

“Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; os mandamentos do Senhor são claros e iluminam os olhos. O temor do Senhor é puro e permanece para sempre; os juízos do Senhor são verdadeiros, todos eles são retos. São mais preciosos que o ouro, o ouro mais fino; são mais doces que o mel, o puro mel dos favos”.

7 – “Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo: arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Dentro de vós porei o meu espírito, fazendo com que sigais as minhas leis e obedeçais e pratiqueis os meus preceitos. Sereis o meu povo e Eu serei o vosso Deus” (Ezequiel, 36, 26-28).

A palavra de Ezequiel encaixa bem na liturgia da Palavra deste Domingo, remetendo a lei para o interior, arrancando o nosso coração de pedra e colocando o Seu Espírito em nós. Em Cristo, a lei, a plenitude da lei, é de carne, é Pessoa, é vida. Diz-nos São Paulo: “Quanto a nós, pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios; mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens”.

Deus salva-nos, não a partir do exterior, mas a partir de dentro, da nossa humanidade. Por conseguinte, não desce das nuvens, entre fortes trovões, mas encarna, nasce um de nós, vive a nossa fraqueza e toma sobre Si o nosso sofrimento e os nossos sonhos, abaixa-Se para nos elevar. Para Deus essa é a lei maior e perfeita, o amor. O amor que dá a vida, por inteiro, para a todos salvar.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Ex 20, 1-17; Sl 18 (19); 1 Cor 1, 22-25; Jo 2, 13-25.