Domingo III do Tempo Comum – ano B – 24 de janeiro de 2021

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Domingo III do Tempo Comum – ano B – 24 de janeiro de 2021

1 – Estamos todos no mesmo barco. Sempre foi assim, mas com a pandemia essa constatação parece mais evidente, mesmo que alguns refiram, e vale a pena pensar nisso, que uns vão nos camarotes, outros no convés, outros no porão, uns na popa ou na proa, alguns já estão nos botes e outros em lanchas, uns com coletes salva-vidas e outros que nem coletes salva-vidas têm, caso seja necessário… Mas se o barco é o mundo, não há como escapar! Ou todos beneficiam ou todos sofrem. O que eu fizer, vai ajudar ou prejudicar o outro.

Ainda ressoam em nós as palavras do Papa Francisco, numa praça de São Pedro deserta, a 27 de março de 2020, quase há um ano, sobre a tempestade que se abateu sobre a humanidade, a pandemia do novo coronavírus: “Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos. Tal como os discípulos que, falando a uma só voz, dizem angustiados «vamos perecer» (cf. Mc 4, 38), assim também nós nos apercebemos de que não podemos continuar estrada cada qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos”.

Como crentes, torna-se ainda mais explícita esta certeza, somos todos filhos amados de Deus, que nos confiou o mundo para cuidar e os outros para amar e servir. Deus a todos nos chama à vida e sonha com a nossa felicidade. Se alguém se perde pelo caminho, Deus conta que ajudaremos a encontrá-lo e a criar as condições para que possa voltar à vida, a um caminho de bênção e felicidade, com todos os constrangimentos e fragilidades que batem à nossa porta. Deus confia em mim, confia em ti. Somos responsáveis uns pelos outros. Hoje, há alguém que precisa de ajuda, amanhã poderei ser eu a precisar! Esta razão já seria suficiente para não cruzar os braços perante o sofrimento e a carência alheia. Mas há uma razão ainda mais profunda, somos filhos do mesmo Pai que espera que os irmãos vivam e formem verdadeira fraternidade.

2 – «Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».

A mensagem de Jesus é clara e é para todos. O ponto de partida é igual para mim e para ti. Somos filhos amados de Deus, pelo nascimento, e, por maioria de razão, pelo batismo. Em cada instante, o mesmo desafio: converter-nos, ser santos como o Pai é santo. Não é um estado, é um caminho; não é um ideal utópico do futuro, é um compromisso do presente; não é para alguns, é para todos; não é para o outro, é para mim e para ti.

Na verdade, a conversão corresponde ao desígnio mais básico do ser humano, na procura de crescer, desenvolver capacidades, ultrapassar os seus limites – o homem ultrapassa infinitamente o homem (Blaise Pascal) – sonha, projeta, procura e compromete-se em concretizar projetos, que o realizem como pessoa inserida numa família, num país, numa sociedade, específica e real. Alguém que não queira ser mais, fazer melhor, ser mais justo, ajudar os outros, envolver-se na transformação do mundo, contribuir para uma sociedade mais justa e fraterna, é alguém que se perdeu ou se esqueceu da sua humanidade e da pertença à sociedade.

Jesus vem para todos, vem salvar-nos. Não vem julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo pelas Suas palavras, pela Sua vida oferecida. Por todos! Não vem para os sábios deste mundo, que acham que sabem tudo; não vem para aqueles que são perfeitos, que acham que não têm nada a melhorar na sua vida; não vem para os santos, aqueles que acham que são irrepreensíveis e não têm qualquer fragilidade, vem para os pecadores, aqueles que buscam ser melhores e se deixam “ajudar” pelos outros e guiar pelo Espírito de Deus.

A mensagem é clara, para mim e para ti: o tempo urge, cumpriu-se, arrepende-te e acredita no Evangelho. Com Jesus, o Reino de Deus chegou até nós. O tempo é breve, não há tempo a perder, diz-nos São Paulo.

3 – «Daqui a quarenta dias, Nínive será destruída».

Eis a missão de Jonas: ir à cidade de Nínive anunciar a mensagem de Deus. É uma palavra definitiva e chocante: em quarenta dias, a cidade desaparecerá do mapa com os seus 200 mil habitantes. Não imagino se este aviso fosse dirigido a nós. Atenda-se que têm sido feitos bastantes avisos acerca das mortes por COVID-19. É um aviso alarmante que nos faz pensar, que desinquieta e desinstala, que nos deixa apreensivos. Mas não basta a apreensão, é preciso arrepiar caminho, fazer o que está ao nosso alcance para evitar parar a tragédia.

Jonas não sabe muito bem porque é que tem que ir avisar os habitantes de Nínive que a cidade vais ser destruída. Desconfia que os planos de Deus são outros. Mas vai, contrafeito, mas vai. Antes ainda faz um desvio, embarca noutra direção, mas não consegue fugir à missão que Deus lhe deu, a sua consciência não o deixaria viver! É uma cidade enorme, leva três dias a atravessar. Fica numa nação inimiga, o que é mais uma razão para não ir. O texto, no seu conjunto, há de mostrar-nos a irritação e revolta de Jonas, que desejava que o aviso fosse conclusivo e terminal, e não interpelação e prevenção sobre males futuros.

Muitos avisos que nos são feitos, do que vai ou do que pode acontecer, têm o propósito de nos levar a tomar as medidas necessárias para evitar o que lá vem ou pelo menos diminuir os estragos que se anunciam, apelando à responsabilidade (individual) de todos, por todos.

A mensagem não caiu em saco roto, os habitantes acreditaram em Deus e todos, do maior ao mais pequeno, se revestiram de saco e fizeram jejum, confiando na bondade e misericórdia do Senhor, alterando os seus hábitos e posturas. Ao ver as suas obras e como se convertem do seu mau caminho, Deus corresponde-lhes e não executa o castigo anunciado. A desconfiança de Jonas torna-se realidade, o aviso visava a conversão e não a destruição, a mudança de vida e não o castigo.

Deus ama-nos, confia em nós, está nas nossas mãos, em tantas situações, inverter o que nos destrói, os castigos que pesam sobre nós e sobre a humanidade. Na maioria dos casos, as tragédias são uma consequência direta do egoísmo (individual, de grupo, de uma nação). Se continuamos a cruzar os braços e a deixar que os outros realizem milagres, contribuiremos para a destruição do mundo. Estás nas nossas mãos fazer o que é certo, o que é melhor, o que nos liga aos outros e nos irmana na procura dialogante do bem comum, na opção preferencial pelos mais pobres, imitando o nosso Mestre e Senhor, Jesus Cristo.

4 – Para esta gesta, Deus conta com todos! A generalidade, porém, é visualizável no concreto. Cabe a cada um responder. Chama profetas e reis, patriarcas e sacerdotes, para que façam ressoar a Sua mensagem em toda a terra. A promessa a Abraão e a sua vocação é para que nele sejam abençoados todos os povos da terra. É um desígnio que permanece através das gerações, até à vinda do próprio Deus ao meio do Seu povo.

Chegado a plenitude dos tempos, Deus envia o Seu Filho. N’Ele, Deus não Se impõe pelo barulho, pela espetacularidade, mas respeita a nossa natureza e a nossa liberdade. Propõe-Se como Caminho, Verdade e Vida, apresenta-nos o Seu sonho, assumindo-nos como família, comunidade de vida e de amor.

Se fôssemos marionetas nas mãos de Deus, não precisávamos de ter fé, tudo estava decidido à partida. Mas Deus criou-nos livres e deu-nos a capacidade para Lhe respondermos ou para O esquecermos, ou abdicarmos d’Ele na nossa vida. Deus não desiste. Vemo-lo claramente em Cristo Jesus, Seu Filho que, por Sua vez, também não Se manifesta pelo poder, vindo como um extraterrestre, mas, sendo Deus, faz-Se um de nós, sendo Omnipotente, assume a nossa pequenez, sendo Todo-poderoso, sujeita-Se às coordenadas espácio-temporais, sujeita-Se a ser amado ou recusado, a ser acolhido ou rejeitado, a ser considerado ou ser perseguido.

Como ser humano, Jesus tem os dias contados. Foi crucificado, mas, ainda que o não fosse, biologicamente morreria como qualquer um de nós. Pelo caminho, chama alguns para que O percebam bem, na mensagem e na postura de vida, para que quando Ele não estiver, fisicamente presente, possam ser portadores das Suas palavras e O tornem presente na oração, especialmente na Eucaristia, e na caridade.

A vocação há de dar lugar ao envio e à missão. «Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens». A resposta é decidida e imediata. “Eles deixaram logo as redes e seguiram Jesus. Um pouco mais adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, que estavam no barco a consertar as redes; e chamou-os. Eles deixaram logo seu pai Zebedeu no barco com os assalariados e seguiram Jesus”.

Hoje somos nós os chamados. Como respondemos? Hesitamos, ponderámos, analisamos os prós e os contras? E, logo, ou em simultâneo, seremos enviados. Estamos prontos para acolher, viver e testemunhar o Evangelho, a Palavra de Deus que Se faz carne em Jesus e se quer fazer vida em toda a humanidade?

5 – “Deus todo-poderoso e eterno, dirigi a nossa vida segundo a vossa vontade, para que mereçamos produzir abundantes frutos de boas obras, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo”.

Para sermos verdadeiros discípulos missionários, antes de mais, é necessário que sejamos próximos, íntimos, cúmplices de Deus. Daí a urgência e a permanência da oração, de um diálogo que nos faz falar e pedir, agradecer e louvar, mas sobretudo que nos coloca à escuta. “Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos, ensinai-me as vossas veredas. Lembrai-Vos de mim segundo a vossa clemência, por causa da vossa bondade, Senhor”.

Quando vivemos muito tempo com alguém, quando amamos alguém profundamente, vamos imitando gestos, tiques, formas de andar, de falar, de vestir e, muitas vezes, as ideias são semelhantes. A oração faz-nos sintonizar com Deus, bem assim a escuta e meditação da Palavra de Deus, na procura sincera por traduzirmos em vida o que professamos com os lábios.

Alerta-nos o Apóstolo: “Irmãos, o tempo é breve. Doravante, os que têm esposas procedam como se as não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que andam alegres, como se não andassem; os que compram, como se não possuíssem; os que utilizam este mundo, como se realmente não o utilizassem. De facto, o cenário deste mundo é passageiro”.

Numa palavra, escutemos a voz de Deus que nos chama, na oração, na escuta e meditação da Palavra de Deus, para aprendermos a fazer-nos um com Deus, como Deus, em Cristo, Se fez um de nós e um connosco. Tão cúmplices de Deus que O respiremos, que O vivamos e que O transpareçamos, pelas palavras e pelas obras.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Jonas 3, 1-5. 10; Sl 24 (25); 1 Cor 7, 29-31; Mc 1, 14-20.