Domingo IV do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo IV do Tempo Comum – C – 2022

1 – Jesus seguiu o Seu caminho, Ele que é para nós o Caminho, a Verdade e a Vida. Sigamos com Ele, melhor, sigamo-l’O, pois é o caminho da nossa vida. Não basta ir à molhada, mas decididos, esclarecidos, amadurecidos na fé, certeza de que é Ele que nos conduz, pelo Seu Espírito Santo, e que nós, tu e eu, facilitamos o Seu trabalho, comprometendo-nos uns com os outros e fazendo com que os dons que Deus nos dá são postos ao serviço da humanidade.

Na terra onde foi criado, Jesus testemunha as reações que verá pela vida fora: muitos deixam-se tocar pelas Suas palavras e ficam contentes com a Sua presença; outros, por inveja, ciúme, por egoísmo, contestam-n’O, duvidando da Sua bondade.

Como bom judeu, Jesus entrou na sinagoga a um sábado, deram-Lhe o livro de Isaías para ler, na seguinte passagem: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos e a proclamar o ano da graça do Senhor». Depois sentou-Se e fez a Sua pregação: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».

Os olhos estavam fixos em Jesus. Muitos ficaram admirados com as palavras de graça que saíam da Sua boca. Mas parecem que nem todos se deixaram entusiasmar!

2 – «Não é este o filho de José?». Esta pergunta faz-nos ver como Jesus é conhecido e assim a Sua família (humana). A questão pode sugerir admiração ou desconfiança. Admiração porque supera aquilo que estariam habituados a ver e a escutar. Desconfiança, porque não Lhe reconhecem factos extraordinários ou reflexões profundas, apesar de já constar o “sucesso” que Jesus ia tendo noutras paragens. Por outro lado, a afirmação de Jesus pode provocar azia, pois deixa antever que Ele Se assume como Eleito, dizendo que cumpre uma profecia. Aos judeus não era estranho a existência de profetas ou mensageiros de Deus. Mas, mesmo sendo profetas, são recusados e alguns deles sujeitam-se às perseguições, maledicência e à morte.

Sendo da terra, conhecem-n’O e aos Seus pais. A pessoa é sempre um mistério. Achar que conhecemos totalmente uma pessoa pode revestir-se de ingenuidade ou arrogância. Na verdade, o outro sempre escapa aos nossos juízos. Todos já nos surpreendemos com pessoas próximas, positiva e negativamente. Por maioria de razão, Jesus escapa ao nosso entendimento, pois n’Ele habita um mistério maior, o mistério de Deus.

Quando só se ouvia um burburinho, Jesus diz: «Por certo Me citareis o ditado: ‘Médico, cura-te a ti mesmo’. Faz também aqui na tua terra o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum. Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua terra». Para ilustrar estas palavras, Jesus apresenta dois exemplos: «Havia em Israel muitas viúvas no tempo do profeta Elias, quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande fome em toda a terra; contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas a uma viúva de Sarepta, na região da Sidónia. Havia em Israel muitos leprosos no tempo do profeta Eliseu; contudo, nenhum deles foi curado, mas apenas o sírio Naamã».

3 – Os exemplos apresentados por Jesus provocam uma reação inusitada. Tudo parecia tranquilo, harmonioso, um grupo de bons judeus, na sinagoga, a ler, a escutar e a comentar a Sagrada Escritura. De repente, o caldo entornado!

Aproximemo-nos, entremos na sinagoga! Ficaremos do lado dos que admiram Jesus, fixando n’Ele o nosso olhar? Ou manter-nos-emos de pé atrás, não Lhe dando o benefício da dúvida?

A sinagoga entrou em rebuliço. As palavras de Jesus ferem os ouvidos de muitos que se levantam e O expulsam da sinagoga e da cidade. Vão-no empurrando até ao cimo da colina sobre a qual a cidade estava edificada, com o propósito de O precipitarem dali abaixo. Uma multidão que estava entusiasmada com as Suas palavras e que de repente muda de lado.

Os grupos, as multidões têm aspetos positivos: os outros fazem-nos sentir com os pés assentes no chão, pertencemos a algum lado, caminhamos juntos, entreajudámo-nos. Mas, também tem um lado lunar, quando todos se deixam levar na correnteza do mal, da gritaria, parecendo que a razão de um abafa, pela gritaria, a consciência de todos.

Cabe-nos discernir os momentos e as situações em que o grupo nos ajuda e nós contribuímos para o bem do grupo e, por outro lado, quando este nos precipita na mentira, no egoísmo ou na idolatria.

Jesus não Se deixa intimidar. “Eu dou a minha vida… Ninguém ma tira, mas Eu por Mim mesmo a dou (Jo 10, 17-18). “Passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”.

4 – Na primeira leitura, o Profeta Jeremias fala da sua vocação e como a Palavra de Deus lhe foi dirigida: «Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi; antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei e te constituí profeta entre as nações. Cinge os teus rins e levanta-te, para ires dizer tudo o que Eu te ordenar».

A vocação não se entende sem a missão. Deus não nos chama para que fiquemos no nosso canto, mas para que vamos, saiamos a anunciar a paz e a salvação, a Sua misericórdia, em todas as situações, em todos os lugares. Através de nós, Deus quer fazer chegar o Seu amor a todas as nações. Ele age em nós e através de nós, conta connosco, com as nossas insuficiências e com as nossas qualidades, garantindo-nos a Sua presença, sobretudo nas adversidades. O envio é respaldado pela Sua presença: «Não temas diante deles, senão serei Eu que te farei temer a sua presença. Hoje mesmo faço de ti uma cidade fortificada, uma coluna de ferro e uma muralha de bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e dos seus chefes, diante dos sacerdotes e do povo da terra. Eles combaterão contra ti, mas não poderão vencer-te, porque Eu estou contigo para te salvar».

5 – Sem o auxílio do Senhor certamente que o Profeta desanimaria. É esta mesma fortaleza que buscamos em Deus e que o Salmo nos faz rezar. Verdadeiramente o Senhor está sobre mim, sobre ti, está sobre Jeremias, habita e preenche Jesus Cristo, por inteiro.

“Em Vós, Senhor, me refugio, jamais serei confundido. / Sede para mim um refúgio seguro, a fortaleza da minha salvação. Vós sois a minha defesa e o meu refúgio: meu Deus, salvai-me do pecador. / Sois Vós, Senhor, a minha esperança, a minha confiança desde a juventude. Desde o nascimento Vós me sustentais, desde o seio materno sois o meu protetor”.

O salmista, tal como o Profeta, sabe, sente, acredita que desde o seio materno, desde que tem consciência, em todas as idades, é o Senhor que conduz a história e vem em socorro daqueles que n’Ele confiam e é essa certeza que os leva a enfrentar os perigos, as ameaças e a própria morte. Deus garante a vida além da morte física. Essa esperança é alento que nos impele a prosseguir com firmeza, ao jeito de Jesus, como quem perde a vida, gastando-a a favor do seu semelhante.

Com fé e confiança, rezemos: “Concedei, Senhor nosso Deus, que Vos adoremos de todo o coração e amemos todos os homens com sincera caridade”. Não esqueçamos que a oração, para ser autêntica, predispõe-nos a acolher a vontade de Deus e por conseguinte a amar os que Ele ama.

6 – Faces da mesma moeda! A audácia de Jeremias, a decisão firme de Jesus, faz-nos olhar para o alto, sem nos desligarmos dos que caminham connosco. Quanto maior é a nossa proximidade com o Senhor Deus, maior é a nossa proximidade aos outros. Não podemos amar a Deus, senão estamos dispostos a cumprir a Sua vontade, a ser fiéis aos Seus desígnios, a amar os que Ele ama, ou seja, a humanidade inteira, a começar pelos que estão mais perto, família e vizinhos, e pelos que estão em situação mais frágil.

São Paulo, na segunda Leitura é categórico nos desafios, é clarividente no compromisso com o próximo. O desafio: “Aspirai com ardor aos dons espirituais mais elevados”. Dir-nos-á noutra epístola: “Aspirai às coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Col 3, 1ss). Dons espirituais? O que são? De que falámos, quando falámos das coisas do alto? Obviamente, implica que nos afeiçoemos a Cristo, que é o rosto e a presença de Deus, procurando viver do mesmo jeito. As coisas do alto impelem-nos para as coisas da terra. Os dons espirituais, a fé, a esperança e a caridade não são palavras abstratas mas catapultam-nos para o serviço aos irmãos.

É este o caminho da perfeição que ultrapassa tudo: a caridade! Ainda que fosse o maior sábio e o homem mais rico do mundo… “Ainda que distribua todos os meus bens aos famintos e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada me aproveita”.

Só a caridade nos transporta do tempo à eternidade, da finitude ao Coração de Deus, da fragilidade à vida eterna. A fé acompanha-nos enquanto vivemos na terra. A esperança fortalece o nosso peregrinar humano. A caridade permanece depois da morte física. A caridade é o rosto de Cristo, como Cristo é o rosto do Pai. O cristão que não sabe amar, que não cuida do outro, que não gasta a sua vida num propósito maior a favor da humanidade, um cristão que não serve o seu semelhante, está em contradição, está em contramão, pois só a caridade nos faz verdadeiramente filhos amados de Deus, irmãos em Jesus Cristo.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano C): Jer 1, 4-5. 17-19; Sl 70 (71); 1 Cor 12, 31 – 13, 13; Lc 4, 21-30.