Domingo IV da Quaresma – ano A – 22 de março de 2020

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Domingo IV da Quaresma – ano A – 22 de março de 2020

1 – Eu Sou a Luz do mundo. «É preciso trabalhar, enquanto é dia, nas obras d’Aquele que Me enviou. Vai chegar a noite, em que ninguém pode trabalhar. Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo». Não é apenas uma promessa, é a garantia de Jesus.

Estamos no 4.º Domingo da Quaresma, o Domingo da alegria. Ainda é Quaresma, e a deste ano será bem dura, pela situação do país e do mundo, obrigando-nos ao isolamento social e a gestos e atitudes que ajudem a proteger-nos da contaminação virológica, a estancarmos a propagação do COVID 19. A alegria não é pela tempestade, pelo sofrimento, pela adversidade, mas é um estímulo, um desafio, animando-nos a prosseguir, pois logo veremos a luz, o despontar da aurora, o nascer de um novo dia. Vale para a Quaresma e vale para a quarentena. O caminho é duro, mas não podemos desistir, não podemos baixar os baços, havemos de chegar a bom porto. Cada pequena boa notícia, será lampejo de esperança para que não sejamos devorados pelo medo, pelo pânico, sabendo que este é mais contagioso que o próprio coronavírus. Para lá das nuvens, o sol continua a brilhar. Depois da Quaresma, a Páscoa. Depois da quarentena, a vida primaveril.

Vem-me à lembrança uma bela página de Jeremias, na qual o nosso Bispo, D. António Couto, inspirou o seu lema episcopal: “Vejo um ramo de amendoeira” (cf. Jeremias (1, 11-12) e que pode inspirar-nos neste momento. “A amendoeira é uma das poucas árvores que floresce em pleno inverno. Ao responder: «Vejo um ramo de amendoeira», Jeremias já ergueu os olhos da invernia e da tempestade e do lodo e da lama e da catástrofe e da morte que tinha pela frente, e já os fixou lá longe, ou aqui tão perto, na frágil-forte-vigilante flor da esperança que a amendoeira representa. É de presumir que, se Jeremias tivesse respondido: «Vejo a tempestade, a ruína, a morte, a crise», que era que que tinha mesmo diante dos olhos, em vez de «Viste bem, Jeremias, viste bem!», Deus tê-lo-ia reprovado, dizendo: Viste mal, Jeremias, viste mal»” (D. António).

É esta a esperança que nos acalenta além da Quaresma, além da quarentena. A Primavera já iniciou e com ela tudo à nossa volta ganha vida, cor, a natureza enche-se de festa. É bem uma parábola da Quaresma que caminha para a Páscoa, da quarentena que tem o fito de preservar e cuidar da vida!

2 – Em caminho… Jesus encontra um cego de nascença e logo começam as interrogações: quem é que pecou, ele ou os pais? Jesus desliga a deficiência de qualquer valoração moral. Por outro lado, sendo a Luz do mundo, ficamos a saber que também precisamos da Sua Luz, para vermos bem, para vermos mais longe. E, por conseguinte, pedindo as palavras ao nosso Bispo, rezamos “Senhor, afina o meu olhar pela flor que Tu quiseres. Faz-me ver sempre bem, belo e bom. Faz-me ver com olhar com que me vês, e com que olhas a tua criação”.

Jesus cospe no chão; com a saliva faz um pouco de lodo, unge os olhos do cego e ordena-lhe: «Vai lavar-te à piscina de Siloé». Ele foi, lavou-se e ficou a ver. A palavra “Siloé” significa “enviado” e o Enviado, por excelência, é Jesus.

Depois do encontro com Jesus, e uma vez curado, o cego, que agora vê, passa a sentir-se testemunha, dizendo o que lhe aconteceu e afirmando que Jesus é o Profeta.

Há cegos que veem! Mais cegos, porém, são aqueles que não querem ver, apesar das evidências. Há vizinhos, do homem que antes era cego, que, agora, não o reconhecem, apesar de ele dizer que é o mesmo. E as perguntas continuam. Tal como alguns vizinhos, outros judeus não querem ver e interrogam os seus pais que confirmam que o filho era cego e que agora vê. E para não verem, para não reconhecerem Jesus como o Profeta, o Enviado, logo lançam a suspeita: «Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado… Como pode um pecador fazer tais milagres?».

3 – A cegueira dos judeus, entenda-se dos dirigentes religiosos, aprofunda-se nos seus preconceitos, ao ponto de insultarem aquele que foi curado da cegueira, que, entretanto, lhes perguntara se eles queriam fazer-se discípulos de Jesus. «Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés. Nós sabemos que Deus falou a Moisés; mas este, nem sabemos de onde é».

O homem mostra de que lado está afinal a cegueira: «Isto é realmente estranho: não sabeis de onde Ele é, mas a verdade é que Ele me deu a vista. Ora, nós sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aqueles que O adoram e fazem a sua vontade. Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer».

Sentindo-se acossados, os judeus expulsam-no, culpabilizando-o pela cegueira anterior. Afinal, vê-se quem é que não quer ver!

Entretanto, Jesus reencontra-se com o homem que tinha sido cego…

Tu acreditas no Filho do homem?

Quem é, Senhor, para que eu acredite n’Ele?

Já O viste: é quem está a falar contigo.

O homem prostrou-se diante de Jesus e exclamou:

Eu creio, Senhor.

Eu vim a este mundo para exercer um juízo: os que não veem ficarão a ver; os que veem ficarão cegos.

Alguns fariseus que estavam com Ele, ouvindo isto, perguntaram-Lhe:

Nós também somos cegos?

Se fôsseis cegos, não teríeis pecado. Mas como agora dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece.

Para vermos, e vermos com o coração, precisamos da Luz de Jesus, para n’Ele nos reconhecermos como irmãos e nos cuidarmos uns dos outros. São as obras do dia e da luz.

4 – Como é que poderemos deixar que a Luz cure a nossa cegueira? Como nos tornarmos luz uns para os outros? Como sabermos que a Luz vem de Cristo e não de nós?

O Apóstolo São Paulo esclarece-nos: “O fruto da luz é a bondade, a justiça e a verdade”, desafiando-nos a ser luz: “Procurai sempre o que mais agrada ao Senhor. Não tomeis parte nas obras das trevas, que nada trazem de bom«Desperta, tu que dormes; levanta-te do meio dos mortos e Cristo brilhará sobre ti»”.

Só se vê bem com os olhos do coração, pois só este olhar nos faz irmãos, só este olhar nos entrelaça, nos compromete e nos faz ver além das aparências, ao jeito de Jesus.

5 – Luz, água e unção; e a vida refeita, convertida, nova! Os Domingos da Quaresma apresentam-nos textos para a liturgia batismal: Transfiguração e a luz e a voz que vem do alto; diálogo de Jesus com a Samaritana, sobre a água viva; cura do cego de nascença em que sobressai a unção, a água da piscina de Siloé (Enviado), e a luz da fé. O que se segue: vidas transfiguradas pelo encontro com Jesus.

Jesus é o Ungido, por excelência, é o Enviado do Pai que vem ao mundo para nos libertar do domínio das trevas, tornando-nos, com Ele, novas criaturas, prontas a construir um mundo mais humano e fraterno. Ele é o Bom Pastor que nos guia, por verdes prados, às águas refrescantes e reconforta a nossa alma, a nossa vida. E bem precisamos neste tempo de pandemia! Bem precisamos da ajuda de todos, mas também de esperança, também de luz que nos faça resistir, amar e servir.

A oração alimenta a nossa fé e convoca-nos para a caridade em relação a todos, concretizada em cada pessoa que podemos ajudar. «Deus de misericórdia, que, pelo vosso Filho, realizais admiravelmente a reconciliação do género humano, concedei ao povo cristão fé viva e espírito generoso, a fim de caminhar alegremente para as próximas solenidades pascais». Sem perdermos, como se percebe, o foco da meta, a alegria que nos leva à Páscoa, mas, porquanto, vivamos como caminhantes que se entreajudam no bem e no ânimo, e na comunhão de propósitos e ações.

6 – Deus age através de mim e de ti. Vale a pena, uma vez mais, recordar as palavras de Madre Teresa que uniu a adoração a Deus no serviço diligente aos mais pobres dos pobres. “Reza como se tudo dependesse de Deus e age como se tudo dependesse de ti… A verdadeira santidade consiste em fazer a vontade de Deus com um sorriso… fruto da oração é o aprofundamento da fé. O fruto da fé é o amor. E o fruto do amor é o serviço ao próximo. Isso nos conduz à paz”. Quando cuidamos das feridas de alguém, é de Cristo que cuidamos, são as Suas chagas que tratamos.

O povo de Israel, em cada tempo, descobriu os enviados de Deus, ainda que em alguns momentos tenha sobrevindo a dúvida e a infidelidade. Na primeira leitura, vemos como o próprio Profeta Samuel se deixa impressionar pelas aparências: «Não te impressiones com o seu belo aspeto, nem com a sua elevada estatura, pois não foi esse que Eu escolhi. Deus não vê como o homem; o homem olha às aparências, o Senhor vê o coração». Os filhos de Jessé apresentam-se diante do profeta e este deixa-se impressionar pelo que vê, o aspeto, a estatura, o exterior, as potencialidades. Todavia, o escolhido é David, que “não se vê”, pois é novo, imberbe, pastor, precisamente aquele que não contava, do qual não se entrevê futuro. Mas Deus vê o coração. David tornar-se-á um maior/melhor Rei de Israel.

Para agirmos ao jeito de Deus, cabe-nos ver com o coração, cabe-nos amar os irmãos, cabe-nos cuidar sobretudo dos mais frágeis, dos esquecidos e dos desfavorecidos. Isto vale em todas as épocas, e também vale neste período de pandemia. Somos responsáveis uns pelos outros. Façamos o que está ao nosso alcance. Antes dos juízos de valor, ajudemo-nos. Não deixemos ninguém para trás. A pergunta não é o que os outros fazem, mas o que eu posso fazer, como posso concretizar a minha identidade batismal?

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (ano A): 1 Sam 16, 1b. 6-7. 10-13a; Sl 22 (23); Ef 5, 8-14; Jo 9, 1-41.