Domingo da Divina Misericórdia – ano C – 2022

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Domingo da Divina Misericórdia – ano C – 2022

1 – «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei».

No primeiro dia da semana, Domingo de Páscoa, pela tarde, Jesus apresenta-Se no meio dos discípulos, estando as portas fechadas, surpreendendo-os. A ressurreição supera e ultrapassa a compreensão humana, sai dos parâmetros temporais e históricos, mesmo que incida na história e no mundo. Morrer é natural, faz parte da condição humana. Ressuscitar não depende da condição humana, mas do poder divino. Deus ama-nos, Deus é Amor e o amor pressupõe e exige duração, permanência, eternidade. O amor supera o medo, os limites, o sofrimento e a morte (eterna). Jesus morre por amor e, por amor, Deus Pai O ressuscita. Aquele primeiro dia faz história, a eternidade irrompe em definitivo no tempo, mostrando que nada nos separará do amor de Deus, nem sequer a morte.

A aparência de Jesus é diferente, mas é o mesmo Jesus, traz as marcas da paixão. A mensagem também é a de sempre: «A paz esteja convosco». Paz que há de vir da conversão a esta vida nova que nos é dada por Ele, através do Espírito Santo, em Igreja, desde logo pelo sacramento do Batismo, no qual, morremos com Ele e com Ele ressuscitamos. Paz tão necessária nestes dias, tantos são os lugares em que predomina a violência, a guerrilha, as lutas fratricidas!

«Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos». A tónica remete-nos para a paz, para a conciliação, para a construção de fraternidade. O que nos une e nos aproxima, o que fundamenta a nossa fraterna comunhão, é Jesus Cristo. Estando Ele no MEIO, a presidir, atrai-nos para Ele. Quando mais perto d’Ele, mais perto estaremos entre nós. Quanto mais longe d’Ele, mais distantes entre nós. E o contrário também se verifica, o distanciamento entre nós afasta-nos de Jesus Cristo, nosso irmão.

2 – Com os seus limites e fragilidades, a comunidade é o espaço privilegiado para nos encontrarmos, para nos descobrirmos como irmãos, partilhando a mesa, a palavra e o pão, partilhando a fé e a vida. E comunidade mais facilmente reconhecemos Jesus.

Nesse primeiro dia, Tomé não está na comunidade. Não faz a experiência do encontro com o Senhor. Por conseguinte, quando lhe dizem que viram Jesus, ressuscitado, coloca dúvidas, pois também para Ele a ressurreição não é uma evidência científica, mas há ser um dom que acolhe com o coração e com a vida toda. Ao aparecer, Jesus responde às dúvidas dos outros discípulos, mostrando-lhes as mãos e o lado. A questão levantada por Tomé seria a mesma dos outros discípulos se não tivessem visto Jesus, com as marcas da paixão, e ouvido a Sua voz com a mensagem que lhes comunicou ao longo de três anos.

Oito dias depois, estando as portas fechadas, Jesus apresenta-Se, novamente, no MEIO deles, dizendo-lhes: «A paz esteja convosco». Desta vez, Tomé está presente e Jesus diz-lhe: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente».

O tempo que nos é dado viver, coloca-nos dúvidas e levanta questões. A fé é um dom e um caminho de amadurecimento permanente. Como dom, teremos de rezar para que nos seja concedido em cada momento, em todos os instantes. Não basta pedir a fé, precisamos de dispor do nosso coração para a acolher. A fé confronta-se com as adversidades. No tempo da bonança é fácil acreditar que a vida é bênção, ainda que nos esqueçamos, com frequência, de agradecer. Nos contratempos, questionamos a fé e, sobretudo, a utilidade da mesma.

Também a nós, Jesus nos mostra as mãos e o lado, as chagas e as feridas dos nossos irmãos. Neles, Cristo é crucificado, maltratado, escravizado, desumanizado. Temos a responsabilidade de rezar e de agir.

3 – «Meu Senhor e meu Deus!». É a resposta de Tomé a Jesus. Será possível que as feridas dos irmãos nos permitem ver Jesus crucificado e ressuscitado? O que fizestes ao mais pequeno dos meus irmãos, a Mim o fizestes, diz-nos Jesus, uma vez mais e sempre.

«Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto». A fé não é algo de banal, superficial, um sentimento, uma emoção, uma sensação. É, como dizíamos antes, um dom e como tal depende de nós, mas depende, antes de mais e sobretudo, de Deus. Mas se é dom de Deus, porque é que uns têm e outros não? A resposta a esta pergunta é complexa e talvez só Deus possa responder. A nós cabe-nos insistir, rezar, fazer com que a nossa fé seja testemunho e vida. No meio da hesitação, confiemo-nos a Deus, e não deixemos de fazer o bem, pois nessa medida, temos a garantia, veremos Jesus. Ele dá-nos oportunidades para O vermos, O amarmos e O ajudarmos. Como em outras situações da vida, em vez de paralisarmos nas perguntas, à espera de resposta, vivamos, agindo em favor dos outros. À medida que nos envolvemos, também percebemos como o amor de Deus, a presença de Deus, vai agindo em nós.

São Tiago dir-nos-á: mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras te mostrarei a minha fé. A fé implica este movimento de compromisso com os irmãos, especialmente os mais desfavorecidos. Como nos recorda Santa Teresa de Calcutá, quando tocamos e cuidamos das feridas dos irmãos, cuidamos de Jesus. Podemos não O ver de imediato no rosto sofrido, no corpo desfigurado, mas Ele está lá. Felizes os que acreditam sem terem visto, pois lhes é dado ver com o coração.

4 – A misericórdia de Deus vem em auxílio das nossas fragilidades, cura as nossas feridas, liberta-nos do nosso egoísmo, predispõe-nos a amar como Ele nos ama, em Cristo Jesus. O amor cria coragem e dá-nos força para prosseguir, apesar das tempestades, pois sabemos que não estamos sós. Sermos misericordiosos como o Pai, permitir-nos-á compreender o nosso semelhante. Na medida em que nos reconhecemos pecadores, pessoas falíveis, sujeitos às limitações espácio-temporais, seremos tolerantes diante das falhas dos outros. Quem se assume como perfeito, sem falhas, sem brechas, dificilmente aceitará que os outros falhem. Como dirá Jesus, perdoa mais facilmente a quem muito lhe foi perdoado, e que muito ama. Pois esta é uma condição essencial, só perdoa quem ama (verdadeiramente).

Como a fé, também o amor é um dom que devemos pedir, rezar, acolher. “Deus de eterna misericórdia, que reanimais a fé do vosso povo na celebração anual das festas pascais, aumentai em nós os dons da vossa graça, para compreendermos melhor as riquezas inesgotáveis do Batismo com que fomos purificados, do Espírito em que fomos renovados e do Sangue com que fomos redimidos”.

Sintonizados com a Palavra de Deus, secundamos a prece confiante do salmista: “É eterna a sua misericórdia. A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. Tudo isto veio do Senhor: é admirável aos nossos olhos. Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria… O Senhor é Deus e fez brilhar sobre nós a sua luz”.

5 – As aparições de Jesus aos Seus discípulos confirmam as palavras que previamente lhes tinha comunicado. Morreria, mas não os deixaria sós. Depois da tristeza, natural e inevitável, a certeza do regresso, da vida nova, da ressurreição e de uma Presença visualizável e antecipada em quinta-feira santa.

Ninguém assistiu ao vivo à ressurreição de Jesus. A ressurreição não é passível de ser demonstrada com provas físicas e materiais, nem com argumentos filosóficos. Na verdade, o que há de mais importante na vida não é demonstrável. A fé, o amor, os afetos! Não se definem. Vivem-se, expressam-se, concretizam-se. Os frutos da ressurreição são visíveis nos discípulos, no anúncio destemido e alegre do Evangelho. Nada será como dantes. Não o era pela morte de Cristo, encerrando-os em casa; não o é com a ressurreição, libertando-os de medos e de prudências desconfiadas.

O livro dos Atos dos Apóstolos traz-nos os prodígios e milagres que Deus continua a realizar, agora, pela mão dos apóstolos, unidos nos mesmos sentimentos. “Uma multidão cada vez maior de homens e mulheres aderia ao Senhor pela fé, de tal maneira que traziam os doentes para as ruas e colocavam-nos em enxergas e em catres, para que, à passagem de Pedro, ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles”.

Como prometido por Jesus: se tiverdes fé fareis os milagres que Eu faço e ainda milagres maiores. Jesus não falta à Sua promessa e os Apóstolos atualizam o ministério e e missão de Jesus.

6 – São João revela como Jesus Se lhe manifestou, também no Dia do Senhor. «Não temas. Eu sou o Primeiro e o Último, o que vive. Estive morto, mas eis-Me vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e da morada dos mortos».

O livro do Apocalipse contextualiza as adversidades, as guerras, as perseguições. Foi assim no passado e assim no presente. Será assim no futuro. No meio das tribulações, o apóstolo expressa a confiança em Deus, na Sua vitória sobre o mal por mais destrutivo que seja. A fé faz-nos persistir na bondade, respondendo à maldade com o bem. Ele não nos faltará com a Sua luz e com a Sua proteção.

7 – O sofrimento (atroz) muda a vida de pessoas, de famílias e de povos, para sempre. De forma definitiva, positiva ou negativamente. Para uns, a desolação, o cinismo, o desencanto da vida; para outros, o encontro, a descoberta e a fé. Os discípulos ficam desolados com a morte de Jesus. A seguir vem o reencontro, a alegria e a festa, Cristo vivo aparece-lhes e reúne-os como comunidade.

A este propósito fazemos a sugestão de uma leitura: “Escada para o Céu”. Testemunho impressionante de Sónia Alves e Nuno Alves, cuja filha, Inês, foi uma bênção, ao nascer e viver, na doença e na morte que vislumbrou como passagem, como Páscoa, no encontro feliz com Jesus Cristo, o mesmo que estava no crucifixo do terço! Com a filha, estes pais perceberam que a vida se estende para lá da morte e, pela fé, torna-se percetível no dia a dia, ainda que num plano diferente.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano C): Atos 5, 12-16; Sl 117 (118); Ap 1, 9-11a. 12-13. 17-19; Jo 20, 19-31.