Domingo de Ramos na Paixão do Senhor – 2021

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Domingo de Ramos na Paixão do Senhor – 2021

1 – “Foi por amor que um dia Alguém / numa Cruz deu a vida por mim. / Passou na terra fazendo o bem /e amou, amou até ao fim”.

Belíssima música que nos sintoniza com o mistério maior da nossa fé, a morte por amor, que desemboca na ressurreição. Esta terá a última palavra, mas o caminho passa, inequivocamente, pela cruz, melhor, passa, inevitavelmente, pelo amor. Jesus dá a vida por mim. Dá a vida por ti. Jesus dá a vida por nós, pela humanidade inteira.

Ele já o tinha dito claramente: quem guarda a vida para si, perde-a e perde-se; quem perder a vida ganhá-la-á para a vida eterna. A Vida, clarifica Jesus, ninguém ma tira, sou Eu que a dou. Eu vim para que tenhais vida e vida em abundância. Eu Sou o Bom Pastor, dou a vida pelas minhas ovelhas.

“Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”. O mandamento, sempre novo, do amor. Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.

Para dar a vida será necessário morrer? Claro que não. Estamos a falar de dar a vida, não estamos a falar de procurar a morte. Esta faz parte da existência. Em algumas circunstâncias, dar a vida pode significar entregar-se à morte. Por isso, temos mártires. Não quiserem a morte, mas corajosamente não fugiram, escolheram afirmar Jesus Cristo. Jesus gasta a vida no amor, no serviço, no perdão, fazendo-Se próximo de todos, especialmente dos mais pequeninos. É a vida de Jesus. Há de ser também a nossa vida como discípulos missionários. O que fizerdes ao mais pequeno dos irmãos é a Mim que o fazeis.

2 – O amor é pobre. Não em valor ou importância, mas porque implica despojamento, entrega, renúncia. Quem ama, dá-se, gasta-se, não guarda nada para si. Amar leva-nos tudo, porque tudo queremos que o outro tenha e seja. Um dos exemplos paradigmáticos é precisamente o amor dos pais pelos filhos, ao ponto de quererem tudo para os filhos, mesmo que os próprios passem necessidade, ou vergonhas, ou se exponham, tudo para salvaguardar os filhos.

É o que faz Deus connosco. “Cristo Jesus, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz”.

Sendo rico, fez-Se pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza, isto é, com a Sua vida, com o Seu amor. Há mais alegria em dar do que em receber.

Na entrada triunfal em Jerusalém, a cidade santa, vislumbra-se a alegria e a festa, o louvor e a fé. Hossana, hossana, ó Filho de David, bendito o que vem em nome do Senhor. Se os discípulos se calarem, cantarão as pedras. É o tempo da festa e da alegria. Jesus encaminha-Se para o Seu “destino”. A multidão que O aclama não vive em palácios, nem se apoia no poder, são pessoas simples, piedosas, amigas, espontâneas. Não estão sobre o controlo de grupos religiosos ou políticos.

Aquele Jesus, o Filho de Deus, não vem sobre cavalos, protegido por soldados bem armados, caminha sobre um burrito! É o mensageiro da paz. Não tem guardas, mas seguidores, discípulos, pessoas envolvidas pela Sua mensagem e pelo Seu olhar, pela Sua bondade.

O amor nada guarda para si, dá-se por inteiro aos outros. Quando sou fraco então é que sou forte, porque na minha miséria experimento a graça e a fortaleza de Deus. A misericórdia de Deus alcança e transforma a minha miséria e o meu pecado. A minha alma engrandece o Senhor, diz-nos Maria, pois na minha humildade dou lugar a Deus para nascer e para habitar e para Se revelar ao mundo.

3 – Quem ama é mendigo, predispõe-se a dar-se por inteiro, a ficar sem nada, a nada lhe ser dado em troca, a não ser ressarcido pelo investimento feito… O Papa Bento XVI sublinhou que até o amor mais perfeito, mais puro e absoluto, o amor de Deus, espera uma resposta, que pode não chegar.

Amar projeta-nos para alguém, o outro. Irrompemos na sua vida ou ele na nossa. Mesmo uma não-resposta – a indiferença, o desprezo, a recusa em amar, o não querer (cor)responder – acaba por ser resposta.

O Deus que ama, que nos ama, em Jesus, aceita e sujeita-Se a ser recusado, odiado, perseguido e morto.

Durante a Última Ceia, Jesus está em festa com os Seus discípulos. É um momento tranquilo, de grande intimidade, de confraternização. Entretanto, eis que antecipa a Sua entrega, tornando-Se Pão para todos! E logo se vislumbram dissensões, conflitos, dúvidas e afastamentos, em relação a Jesus, mas também entre os discípulos, as suspeitas estão lançadas e as disputas pelos lugares estão latentes.

Quem ama não procura salvar-se si mesmo, mas faz o que está ao seu alcance para salvar a pessoa amada, os outros, para salvar o maior número ou, como Jesus, para a todos salvar. No Horto das Oliveiras, Jesus reza, reza, reza, mostrando que está num momento de grande aflição, vai ter que enfrentar as trevas, o abandono, a traição, vai ter que enfrentar um tribunal parcial e comprado, vai ter que enfrentar a morte. Por momentos, a Sua súplica é para que Deus Pai o livre dessa hora, mas logo prevalece o amor até ao fim, é hora de confiar.

No alto da Cruz, quando O tentam para Se salvar a Si mesmo, Jesus opta por salvar-nos, por entregar a vida para nossa salvação. A dor, o sofrimento atroz, nada podem contra o amor, contra o Pai, contra a vida.

4 – Diante da Cruz, diante do amor de Deus por nós, que Jesus vive, incorpora e comunica, que resposta damos?

Olhando para os discípulos, para Judas e para Pedro, para as mulheres, para Simão de Cirene, para Pilatos e autoridades judaicas, para uma multidão instigada pelos líderes religiosos, como é que nos vemos diante de Jesus? Se tivéssemos estado lá, naquela ocasião, poderíamos ser qualquer um. Fortalecidos pelo testemunho de muitos, pelo encontro com o Ressuscitado, pelo acolhimento de Jesus, vivo, nas comunidades que se fazem Igreja, Corpo de Cristo, por certo estamos mais preparados para Lhe responder.

Ao longo da história da Igreja, muitos foram testados na sua fé. A esta distância, seria fácil julgar aqueles que não tiveram a força suficiente para resistir às ameaças, à perseguição, à exclusão, à tortura. Perante tamanha violência, teremos que reconhecer que não sabemos se resistiríamos ou não. Mas muitos foram capazes de seguir Jesus até à Cruz, até à morte. Na atualidade, continua a haver muitos mártires, pessoas excluídas do emprego, da habitação, expulsas do seu país, a serem torturadas e mortas, mas ainda assim, a persistirem na fé cristã.

Na primeira leitura, o Profeta Isaías mostra como a sua vocação o faz resistir a todas as investidas do inimigo: “O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo, para que eu saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos. Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos, para eu escutar, como escutam os discípulos. O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam”.

Tal como Jesus, no Horto das Oliveiras, ou no Calvário, diante da violência que se aproxima e a que Se sujeita, também Isaías é confrontando com os insultos, com a perseguição, com a tortura, mas confia em Deus. “O Senhor Deus veio em meu auxílio, e, por isso, não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido”.

5 – E como não lembrar a “espada de dor” que atravessará a alma de Nossa Senhora?

Com Maria aprendamos a responder ao projeto de Deus, acolhendo a Sua vida, deixando que Ele nos preencha com a Sua Graça. Maria, mais visível ou mais discretamente, está por perto de Jesus, gerando-O e dando-O ao mundo, nos primeiros passos, ensinando-O a falar e a andar, e a rezar, e, juntamente com São José, mostrando como é importante viver em família, respeitar as pessoas idosas, ajudar os vizinhos, participar dos momentos de festa e dos momentos de dor. Em Jerusalém, Maria e José colocam o Menino sob a proteção de Deus. Mais tarde, Maria participa na alegria das Bodas de Caná e intervém junto de Jesus. Durante a Sua vida pública, os evangelhos mostram-na preocupada com o que d’Ele se diz. Em tantas situações, percebe-se que Maria está com os discípulos e com outras mulheres. Também no caminho agreste, duro, pesado do Calvário, junto à cruz, de olhar firme e coração apertado, Ela permanece diante de Jesus, Filho de Deus, e Seu Filho muito amado. É Mãe, que chora, por todas as mães que perdem os seus filhos, e como discípula, acolhendo a vontade de Deus. E qual a vontade de Deus? Que sejamos felizes, sabendo que a felicidade passa pelo amor, pela entrega confiante, pelo serviço aos irmãos, ainda que exija esforço, dedicação e sacrifícios. Quem se sujeita a amar, sujeita-se a padecer.

Com Maria, confiemos no Senhor, predispondo-nos a acolher o que suplicamos. “Deus eterno e omnipotente, que, para dar aos homens o exemplo de humildade, quisestes que o nosso Salvador se fizesse homem e padecesse o suplício da cruz, fazei que sigamos os ensinamentos da sua paixão, para merecermos tomar parte na glória da sua ressurreição”.

Fixemos o nosso olhar no de Jesus, permitindo que Ele nos guie da Cruz à eternidade, da morte à ressurreição, da sexta-feira da Paixão ao Domingo de Páscoa, das trevas à luz, da tristeza à alegria do reencontro, do desencanto à paz que Ele nos dá. Aguardemos confiantes com Maria e como Ela preenchamos na graça divina.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Is 50, 4-7; Sl 21 (22); Filip 2, 6-11; Mc 14, 1 – 15, 47.