Domingo V da Páscoa – ano A – 10 de maio de 2020

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Domingo V da Páscoa – ano A – 10 de maio de 2020

1«Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim. Se Me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. Mas desde agora já O conheceis e já O vistes». É a reposta de Jesus a Tomé que O tinha interrogado: «Senhor, não sabemos para onde vais: como podemos conhecer o caminho?». 

Diante do sumo-sacerdote Anás, num julgamento feito à pressa, Jesus questiona: «Eu falei abertamente ao mundo; Eu sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada disse em segredo» (Jo 18, 20-21). A clareza, a frontalidade e a simplicidade de Jesus são manifestas, mesmo quando fala em parábolas, procurando envolver os seus ouvintes, discípulos e adversários. No grupo mais restrito dos discípulos, Jesus explica por miúdos, para que não haja equívocos, anunciando e traduzindo, em gestos e obras, a Boa Nova da salvação, sempre como proposta e desafio, nunca como imposição ou proselitismo.

O Evangelho que hoje nos é servido como alimento, aproxima-nos do desenlace da vida histórica de Jesus. Ele vai partir. Não ilude os amigos. Falta pouco tempo. Se olhardes à volta, de onde partimos, o caminho que percorremos e onde nos encontramos, é possível que percebais, como Eu, que o tempo da ceifa está a chegar, o crescente desassossego e incómodo das  autoridades judaicas é cada vez mais notório, aproveitando todas as ocasiões para criar artimanhas e para testar a “fidelidade” do povo, instigando a dúvida, procurando contradições, disseminando boatos ou perigos que se aproximam. Com esta consciência, Jesus prepara os Seus discípulos, avisando ao que vem e o que poderá acontecer, na certeza, porém, que não lhes faltará, pelo contrário, estará ainda mais presente.

2«Não se perturbe o vosso coração. Se acreditais em Deus, acreditai também em Mim. Em casa de meu Pai há muitas moradas; se assim não fosse, Eu vos teria dito que vou preparar-vos um lugar? Quando Eu for preparar-vos um lugar, virei novamente para vos levar comigo, para que, onde Eu estou, estejais vós também. Para onde Eu vou, conheceis o caminho».

Como canta a fadista portuguesa, Amália Rodrigues, “Se não sabes aonde vais, porque teimas em correr, eu não te acompanho mais”, ou o célebre aforismo de Séneca, “nenhum vento é favorável para o marinheiro que não sabe para onde ir”. Ora Jesus diz-nos claramente: «Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao pai senão Mim». Filipe quer perceber melhor e interpela Jesus: «Mostra-nos o Pai e isso nos basta». Então Jesus prossegue: «Quem Me vê, vê o Pai. Como podes tu dizer: ‘Mostra-nos o Pai’? Não acreditas que Eu estou no Pai e o Pai está em Mim? As palavras que Eu vos digo, não as digo por Mim próprio; mas é o Pai, permanecendo em Mim, que faz as obras. Acreditai-Me: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim; acreditai ao menos pelas minhas obras. Em verdade, em verdade vos digo: quem acredita em Mim fará também as obras que Eu faço e fará obras ainda maiores, porque Eu vou para o Pai».

Quando ouvimos alguns políticos ou dirigentes de algum clube ou movimento, sobretudo em eleições, os avisos chegam como ameaças: ou eu ou o caos… quem vier depois, melhor não fará. Jesus, em contraponto, prepara o futuro, assegura que estará presente para ajudar, através do Espírito Santo que enviará de junto do Pai, junto do Qual nos prepara um lugar. Além disso, os que ficam, farão obras ainda maiores do que Ele, se acreditarem. As obras são, em Jesus e em nós, a tradução da fé autêntica.

3Poderá ser ilustrativo a fábula do cavalo-marinho:

“Era uma vez um Cavalo-marinho que juntou sete libras de ouro e foi à aventura pelo mundo fora. Pouco depois de partir encontrou uma Enguia que lhe perguntou:

– Eh! Pá! Onde vais?

– Vou em busca de aventuras – respondeu orgulhosamente o Cavalo-marinho.

– Tens sorte – disse a Enguia – dá-me quatro libras e eu dou-te uma barbatana, de modo que chegarás muito mais depressa.

– Obrigadinho, é esplêndido – disse o Cavalo-marinho; pagou-lhe, montou na barbatana e desapareceu com o dobro da velocidade.

Em breve encontrou uma Esponja que lhe disse:

– Eh! Pá! Onde vais?

– Em busca de aventuras – replicou o Cavalo-marinho.

– Tens sorte – disse a Esponja – por pouco dinheiro dou-te esta mota a jato e tu viajarás muito mais depressa.

Assim o Cavalo-marinho comprou a mota com o restante dinheiro e atravessou os mares cinco vezes mais depressa.

Em breve encontrou um Tubarão que lhe disse:

– Eh! Pá! Onde vais?

– Em busca de aventuras – replicou o Cavalo-marinho.

– Tens sorte; se tomares este atalho – disse o Tubarão apontando a sua boca aberta – pouparás imenso tempo. – Obrigadinho – disse o Cavalo-marinho e enfiou-se rapidamente na boca do Tubarão sendo prontamente devorado”.

4Na segunda leitura, São Pedro reafirma o CAMINHO a seguir para sermos conformes ao Evangelho e sintonizarmos a nossa vida com a de Deus. A imagem é diferente, mas é muito luminosa, senão vejamos: “Aproximai-vos do Senhor, que é a pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus. E vós mesmos, como pedras vivas, entrai na construção deste templo espiritual, para constituirdes um sacerdócio santo, destinado a oferecer sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo”.

São Pedro recorre à Sagrada Escritura (Antigo Testamento) para nos mostrar como Cristo é, realmente, a Pedra angular, o verdadeiro alicerce de toda a construção. Rejeitado, condenado à morte, morto na Cruz, Jesus volta para nós, ressuscitando, tornando-Se o centro a partir do qual irradia o amor, o bem, a vida eterna.

Como toda a pedra, também Cristo pode ser pedra de torpeço, quando O recusamos, quando preferimos as trevas, quando optamos por seguir alguém mais líquido, mais moldável aos nossos interesses. Ele é a Luz que nos ilumina e nos chama das trevas à luz. A luz da fé torna-O visível como Caminho, Verdade e Vida. É o Bom Pastor que nos guia aos prados verdejantes. É Ele que toma a iniciativa, que vem ao nosso encontro e, em Emaús ou em Tabuaço, cola-Se ao nosso lado e caminha connosco, nas nossas lutas e cansaços, nas nossas esperanças e tristezas. Se O convidarmos, se deixarmos, Ele entra em nossa casa, no nosso coração e na nossa vida, e senta-Se à nossa mesa, partilhando do que tivermos para Lhe oferecer, tornando-Se, Ele mesmo, alimento, para esta vida, enxertando aqui a vida eterna, em mim e em ti.

Ter fé, dir-nos-á Santo Agostinho, “ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que Deus escreva nela o que quiser”. Vale a pena, mais uma vez, reter as palavras do Santo Padre: “a fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho”.

5E ainda no mesmo número (57) da Lumen Fidei (A Luz da Fé), Encíclica escrita a quatro mãos pelo Papa Bento XVI e seu sucessor, o Papa Francisco: “O serviço da fé ao bem comum é sempre serviço de esperança que nos faz olhar em frente, sabendo que só a partir de Deus, do futuro que vem de Jesus ressuscitado, é que a nossa sociedade pode encontrar alicerces sólidos e duradouros”.

A fé basta-nos! Mas, a fé não está desligada da vida, das pessoas, do mundo, não é algo de espiritualizante que nos eleve acima dos simples mortais para vivermos como anjos alados, pois também Deus Se abaixou, encarnando numa realidade concreta e determinada. Assim também nós e a Igreja a que pertencemos, Corpo de Cristo do qual somos membros.

Os apóstolos, logo no início trataram de tornar palpável o Evangelho na prática do bem. Tendo consciência da missão primordial, os Doze convocam os discípulos e decidem: «Não convém que deixemos de pregar a palavra de Deus, para servirmos às mesas. Escolhei entre vós, irmãos, sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, para lhes confiarmos esse cargo. Quanto a nós, vamos dedicar-nos totalmente à oração e ao ministério da palavra».

Os Apóstolos asseguram que a oração e a Palavra de Deus não são relegadas em função do serviço, mas asseguram também que a caridade não pode ser colocada de lado. É, neste contexto, que surgem os diáconos: “Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Parmenas e Nicolau, prosélito de Antioquia”.

Vale para os Apóstolos, para os discípulos, para a primeira comunidade, vale para nós, para mim e para ti: a oração, o ministério da palavra e o serviço aos irmãos. Quanto possível, agreguemos outros que possam ajudar, mais dedicados a uma ou a outra dimensão, mas com o mesmo propósito de seguir Jesus, amar Jesus, viver Jesus, anunciar Jesus, testemunhar Jesus, pelos desejos, pelas palavras, pelas obras, com a vida toda.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Atos 6, 1-7; Sl 33 (34); 1 Pedro 2, 4-9; Jo 14, 1-12.