Domingo V da Quaresma – ano A – 25 de março de 2020

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Domingo V da Quaresma – ano A – 25 de março de 2020

1 – O dia vai chegar. Estamos cada vez mais perto, mais perto da Páscoa e, no entanto, parece que a quaresma se alonga, se intensifica, se adensa. As nuvens estão carregadas de solidão e sofrimento e de morte, de medo e de cansaço. Mas há uma certeza que nos vem da fé, que nos vem de Jesus: vai ficar tudo bem na conjugação das contingências do tempo presente. Para nós cristãos, o tudo bem é um projeto, um desafio, um caminho permanente que nos envolve na procura de fazermos o melhor, confiando sempre em Deus e sabendo que a plenitude, que se inicia com a vinda de Jesus, só estará completa, precisamente, na eternidade, no abraço definitivo com o Pai, e aí sim, finalmente, estará tudo bem. Essa certeza, contudo, não nos dispensa de fazer o melhor, cuidando uns dos outros, sendo agentes curativos.

Agora sabemos, melhor que antes, que nem tudo depende de nós. Por conseguinte, uma e outra vez, é necessário rezar como se tudo dependesse de Deus e agir como se tudo dependesse de ti, de mim (Madre Teresa) ou, no dizer de Santo Inácio de Loiola, “Trabalha como se tudo dependesse de ti e confia como se tudo dependesse de Deus”.

Vale a pena recordar, decorar, e encher o coração com as palavras do Papa Francisco, nesta última sexta-feira de março: “O Senhor desperta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na Sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na Sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na Sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do seu amor redentor. No meio deste isolamento que nos faz padecer a limitação de afetos e encontros e experimentar a falta de tantas coisas, ouçamos mais uma vez o anúncio que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso lado. Da Sua cruz, o Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espera, a olhar para aqueles que nos reclamam, a reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós. Não apaguemos a mecha que ainda fumega (cf. Is 42, 3), que nunca adoece, e deixemos que reacenda a esperança”.

A Cruz é uma provocação permanente, a nossa redenção, testemunhando o amor que é levado até ao fim, até ao derramamento de sangue e, como também lembrou o Santo Padre, tantos têm sido aqueles que oferecem o seu tempo e a sua vida para salvar, para cuidar, para sarar a multidão dos infetados desta pandemia.

“Abraçar a Sua cruz significa encontrar a coragem de abraçar todas as contrariedades da hora atual… significa encontrar a coragem de abrir espaços onde todos possam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade. Na Sua cruz, fomos salvos para acolher a esperança e deixar que seja ela a fortalecer e sustentar todas as medidas e estradas que nos possam ajudar a salvaguardar-nos e a salvaguardar. Abraçar o Senhor, para abraçar a esperança. Aqui está a força da fé, que liberta do medo e dá esperança”.

2 – A liturgia deste Domingo faz-nos ver a vida, vida nova, ressuscitada, renascida; faz-nos ver o poder de Deus, manifestado em Jesus Cristo. Melhor, faz-nos ver o poder do amor que gera vida, que transforma e nos devolve à vida.

Fomos ao deserto. Subimos ao monte. Sentamo-nos com Jesus à beira do poço a conversar com a Samaritana. Desertos exteriores e interiores que nos assolam nesta época, mais do que antes, mais do que nunca! Antes, o deserto era um apelo, um desafio, agora, o isolamento social, uma forma de deserto, é uma obrigação. Da Quaresma à quarentena!

No monte, a Luz e a certeza que também nas trevas Deus Se deixa ver, por exemplo, através de médicos e enfermeiros, forças de segurança, religiosos e religiosas, voluntários, os que cuidam da saúde e os que asseguram que os alimentos cheguem às prateleiras do supermercados e mercearias. E, como alertava o Papa, neste sábado, há mais pessoas a passar fome, não podem ir comprar, não têm como…

Junto ao poço, descobrimos que estamos sedentos de água viva e de esperança, não como resignação, mas esperança comprometida com a verdade e com a caridade. Há oito dias, Jesus abriu-nos os olhos, os olhos do coração, com os quais poderemos ver que os outros são nossos irmãos.

«Então Ele, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito que este homem não morresse?». É o questionamento de alguns, sublinhando os laços que unem Jesus a Lázaro. Aliás, é um dos aspetos que o texto deixa entrever, a amizade e cumplicidade de Jesus com a família de Maria, Marta e Lázaro. O amor autêntico assoma-se nas palavras e em gestos concretos, na relação com os outros, em família e em comunidade.

3 – São horas de despertar. Lázaro dorme! Está morto. O sono é uma imagem da morte. Jesus, uma vez mais, corre sérios riscos em voltar à Judeia, quando antes já havia sido constituído um “movimento” que procurava enredar Jesus em contradição para O julgar e para O matar. «Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas, se andar de noite, tropeça, porque não tem luz consigo». Palavras firmes de Jesus que despertam a firmeza dos apóstolos: «Vamos nós também, para morrermos com Ele».

Quando Jesus se aproxima de Betânia, é informado que Lázaro já está morto há quatro dias. Entretanto, Marta mal sabe da chegada de Jesus corre ao Seu encontro com uma certeza: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá». No decorrer do diálogo, percebemos que Marta acredita na ressurreição, mas não “do lado de cá”. «Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia». Diz-lhe Jesus: «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá. Acreditas nisto?». Marta respeita o espaço e o tempo de Jesus: «Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo».

Maria carrega a mesma certeza: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido». Vendo o choro de Maria e dos judeus que vinham com ela, diz-nos o evangelista, Jesus comoveu-Se profundamente e perturbou-Se. E Jesus chorou, transparecendo a proximidade a Lázaro e às suas irmãs. Jesus, na verdade, é verdadeiro homem, não é nem um super-homem, nem um extraterrestre. Faz parte do seu modo de ser a compaixão, a ternura. Intimamente comovido, Jesus chega ao túmulo onde jazia Lázaro, manda retirar a pedra e reza: «Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido. Eu bem sei que sempre Me ouves, mas falei assim por causa da multidão que nos cerca, para acreditarem que Tu Me enviaste». Prossegue, bradando com voz forte: «Lázaro, sai para fora». Lázaro sai, “com as mãos e os pés enfaixados com ligaduras e o rosto envolvido num sudário”.

4 – Perante a ressurreição de Lázaro, muitos dos judeus acreditaram em Jesus. A Páscoa tem marcas na história e no tempo. A ressuscitação de Lázaro faz-nos ver, por antecipação a ressurreição de Jesus, ainda que de outra forma. Lázaro continua a ser mortal, a ressurreição em Cristo é definitiva.

Através de Ezequiel, Deus faz-nos saber: «Vou abrir os vossos túmulos e deles vos farei ressuscitar, ó meu povo, para vos reconduzir à terra de Israel. Haveis de reconhecer que Eu sou o Senhor, quando abrir os vossos túmulos e deles vos fizer ressuscitar, ó meu povo. Infundirei em vós o meu espírito e revivereis».

A promessa cumpre-se em Jesus, com a Sua vinda, com a Sua vida, morte e ressurreição. Com a ressuscitação de Lázaro ou do filho da viúva de Naim, como na Transfiguração, Jesus faz-nos vislumbrar, previamente, a vida definitiva, na glória do Pai, que nos por amor e por amor nos mantém vivos, para sempre!

5 – A pandemia que assola o mundo, pela rapidez do contágio e pelos efeitos nas vítimas, nomeadamente nas muitas mortes, faz-nos temer o pior, assusta-nos a todos, estamos todos no mesmo barco e todos podemos ser contagiados. A morte é certa para todos mas, enquanto não advém, estimemos a vida, cuidemos de nós dos outros. Cuidar é a palavra de ordem. Cuida, servir e amar. É a nossa condição humana, é a nosso compromisso cristão. Seguir Cristo faz de nós Seus imitadores. Sejamos agentes curativos, evitemos ser agentes de contágio, contágio só se for de amor e de bem e de serviço. Logo na entrada da Eucaristia, a oração compromete-nos com o que rezamos: “Senhor nosso Deus, concedei-nos a graça de viver com alegria o mesmo espírito de caridade que levou o vosso Filho a entregar-Se à morte pela salvação dos homens”.

Confiemos no Senhor, que não nos faltará com a Sua presença e com o Seu amor. “Do profundo abismo chamo por Vós, Senhor, Senhor, escutai a minha voz… Eu confio no Senhor, a minha alma espera na sua palavra. A minha alma espera pelo Senhor, porque no Senhor está a misericórdia e com Ele abundante redenção”. O salmista reza com a nossa súplica e sintoniza-nos com a confiança em Deus, na certeza da Sua benevolência.

6 – A cruz faz-nos olhar para o sofrimento daqueles que nos rodeiam, particularmente nesta hora enublada, mas dá-nos o ânimo para prosseguir. Com a Cruz, Jesus abraça-nos e toma sobre Si o nosso sofrimento. Caminhamos para a Páscoa. Há de chegar, não tarda.

A morte caminha connosco, como diria São Francisco de Assis, não como ameaça, não como adversária, mas como irmã. Cada dia, com efeito, há mortes que devem acontecer em nós. Morramos para o pecado e para as trevas, para o egoísmo e para a indiferença. Morramos para a intolerância.

Há muitas pessoas prontas a “sacrificar” a própria vida, ao jeito de Cristo, para que outros tenham vida e vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Mas existe o risco do cansaço e da irritação e mesmo da intolerância. Há pessoas a instigar ódios e violências contra determinados grupos. Em Espanha, 28 idosos, infetados com o Covid 19, foram retirados de um Lar para serem alojados numa residência preparada para o efeito, para aí serem tratado e protegerem os outros idosos. As ambulâncias foram apedrejadas, um carro chegou-se a atravessar, para impedir que entrassem na cidade. A polícia teve que escoltar os carros médicos. E, durante a noite, houve arremesso de engenhos explosivos, obrigando as forças de segurança a formar um cordão de segurança. É um caso, mas têm-se visto outros que deixam vir ao de cima egoísmo, ódio e intolerância. A tempestade mostra a fibra das pessoas e as suas escolhas, para o bem e para o mal. Felizmente são muitas mais as pessoas, imensamente mais, as que cuidam!

Como cristãos, teremos de estar na linha da frente, animando-nos mutuamente e, onde necessários, ajudar. Estejamos atentos para que ninguém fique para trás. Nas palavras do Apóstolo, temos de viver segundo o Espírito. “Se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós”. A ressurreição já nos habita. Vivamos em pleno dia, pratiquemos as obras da luz!

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (ano A): Ez 37, 12-14; Sl 129 (130); Rom 8, 8-11; Jo 11, 1-45.