Domingo VI da Páscoa – ano A – 17 de maio de 2020
1 – “Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 35).
O mandamento do amor é claro: “que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei” (Jo 13, 34; 15, 12). É a referência fundante para os cristãos e para as comunidades cristãs, seguir Jesus, amar e imitar Jesus, transparecer Jesus.
Na parábola do Bom Samaritano, Jesus mostra o ideal do discípulo. Podemos ver como Deus, visível em Jesus, é comparável ao Bom Samaritano, que não passa ao largo e ao longe, mas aproxima-se, sem medo e sem preconceito, vê e age, ajudando, tratando das feridas, cuidando para que aquele homem maltratado tenha as condições para recuperar. Não importa perguntar pela identidade ou pelos rostos do amor, se a intenção não for para o viver e expressar. “Vai e faz tu o mesmo” (Lc 10, 37). Ama, aproxima-te, vê (com olhos de ver, com os olhos do coração), cuida, limpa as feridas, ajuda a levantar, não deixes ninguém para trás, envolve outros nesta missão. Ou como no lava-pés, no decorrer da Última Ceia: “Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu vos fiz, vós façais também” (Jo 13, 15). Esta postura é válida para sempre e, por maioria de razão, para este tempo de pandemia.
Podemos passar uma vida inteira a perguntar o que é o amor, como podemos amar, como é que o amor se manifesta, mas, por mais corretas que estejam, as nossas definições só valem se traduzidas, concretizadas, transformadas em serviço aos outros, àqueles que Deus coloca na nossa vida para cuidarmos.
É célebre a expressão de Santo Agostinho: ama e faz o que quiseres! Amar é gastar-se pelos outros, é entrega aos outros, é cuidar, ajudar, procurar que o outro se sinta confortável, amparado, protegido. O contrário do amor não é, de todo, o ódio, mas o egoísmo. O ódio é, talvez, uma reação ao amor não correspondido ou ao amor traído ou também resultado do preconceito e da ignorância. O egoísmo inverte a dinâmica do amor, tudo em função do eu, tudo centrado em mim. O amor descentra-nos, liberta-nos de nós, liga-nos e projeta-nos para os outros. Claro que não se menospreza nem a autoestima nem a necessidade da correspondência, da resposta, pois, de uma ou de outra forma, todos precisamos de nos sentir amados. Mas não esperemos, tomemos a iniciativa. Melhor, Deus já tomou a iniciativa, criou-nos por amor e, por amor, nos faz sentir a Sua presença, de forma plena, em Jesus Cristo, mas também através das outras pessoas e dos sinais da criação.
2 – O Papa Francisco tem dito, várias vezes, que a fé é concreta. E o amor, mais que uma definição, também é concreto. Eu posso dizer que amo muito alguém, mas preciso de tornar visível a afeição pelo tempo que dedico a essa pessoa. O Principezinho, de Antoine Saint-Exupéry, no diálogo com a raposa, percebe que o tempo que dedicou à sua rosa é que a tornou especial, única no mundo.
Madre Teresa de Calcutá sublinhava que se ajuda uma pessoa de cada vez, isto é, na concretude. Podemos ter boas políticas, como as que existem para a erradicação da pobreza, porém, se não forem levadas à prática, de pouco adianta. Se eu não ajudo, já, esta pessoa que está a morrer à forme, procurando ensinar-lhe como sobreviver ou dizer-lhe que há bons programas a serem implementados a nível global para a situação dela, ela morrerá antes da concretização de tais políticas. Claro que estas são fundamentais, a médio e longo prazo, e, obviamente, que todos devemos propugnar para que as pessoas não subsídio-dependentes, mas adquiram as ferramentas para “se defenderem” e viverem a partir do seu próprio trabalho. Também aí se trata de concretizar. São níveis distintos. Contudo, à espera das medidas estatais ou de organismos oficiais, não deixemos auxiliar a pessoa que, agora, diante de mim, diante de ti, precisa de ajuda, material e espiritual.
Há momentos, que podem ser simultâneos, de dar o peixe e ensinar a pescar.
3 – «Se Me amardes, guardareis os meus mandamentos. Se alguém aceita os meus mandamentos e os cumpre, esse realmente Me ama. E quem Me ama será amado por meu Pai e Eu amá-lo-ei e manifestar-Me-ei a ele».
Como eu posso dizer que gosto muito de alguém sem lho demonstrar? Os pais fazem essa experiência, mas também os namorados, os casais, os amigos: dizes que me amas, mas não me escutas, não sabes o que eu gosto, não fazes o que te peço/mando? Sabes qual é a minha cor preferida, a minha refeição predileta? Como podes dizer que me amas, se não tens tempo para estar comigo, se não me lês, se estás sempre a contradizer-me e a fazer o contrário daquilo que eu gosto?
Não é por mal! Por certo! Mas gostar é conhecer, é escutar, é saber do outro, estar a par dos seus gostos, do que o sossega e lhe faz bem, é fazer com que o outro se sinta em casa. Voltemos a Madre Teresa: faz com que todo aquele que se aproxima de ti, ao sair de junto de ti, vá mais feliz, a sentir-se melhor, mais animado, com a certeza que é importante.
4 – Cumprir os mandamentos não é um peso, uma obrigação imposta, é uma grelha para atestar o amor a Deus, para avalizar a fé que nos irmana a Jesus. Guardar os mandamentos, sintetizados no mandamento do amor, é responder a Jesus. A poesia declama o amor. A música canta o amor. A vida traduz e torna palpável o amor. A garantia da nossa comunhão com Jesus e com o Seu Evangelho é verificável pela vivência das palavras de Jesus, dos Seus pedidos que se resumem em amar. Amar ao jeito de Jesus, sabemo-lo, é gastar-se por inteiro a favor dos outros.
As leis, normas e regras são superadas pelo amor. O amor aperfeiçoa a lei, levando-a à plenitude. Se eu amo ao jeito de Jesus não preciso de me perguntar por leis, pois vou fazer tudo para respeitar o outro e o ajudar em tudo o que está ao meu alcance. As leis servem para harmonizar a vida das sociedades, para ultrapassarem atropelos e egoísmos, assegurando que o outro tem direitos e tem o seu espaço. Se amo, antes do dever regulado, eu procurarei, tanto quanto possível, que não falte nada ao outro.
Por outro lado, amar Jesus e guardar os Seus mandamentos dá-nos a certeza da Sua proximidade. «Não vos deixarei órfãos: voltarei para junto de vós. Daqui a pouco o mundo já não Me verá, mas vós ver-Me-eis, porque Eu vivo e vós vivereis. Nesse dia reconhecereis que Eu estou no Pai e que vós estais em Mim e Eu em vós… Eu pedirei ao Pai, que vos dará outro Paráclito, para estar sempre convosco: Ele é o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não O vê nem O conhece, mas que vós conheceis, porque habita convosco e está em vós».
Se Me amardes permaneceis em Mim e Eu e o Pai permaneceremos em vós. Só o amor nos faz permanecer na vida dos outros. Só o amor nos faz conhecer verdadeiramente. Só se conhece bem com o coração (Principezinho). Se olhamos para os outros enquanto desconhecidos, só os veremos na aparência, continuarão a ser estranhos.
Além disso, vê-se claramente nas palavras de Jesus, o amor exige vida, eternidade. Amar é a fidelidade no tempo, como disse Bento XVI, em Fátima, há 10 anos. Amo-te, logo quero que tu vivas e vivas para sempre.
5 – Ao longo da história do cristianismo, há uma multidão de pessoas que soube fazer de Jesus a Sua vida, guardando os Seus mandamentos. Já referimos Madre Teresa de Calcutá, os Papas Bento XVI e Francisco, Santo Agostinho, em épocas distintas e com carismas diferenciados, pessoas de Deus que traduziram em gestos, em palavras e em obras o mandamento novo do amor.
Neste tempo de Páscoa, um dos discípulos em evidência é Pedro. Vemo-lo espontâneo, titubeante, entusiasta, calculista. Segue Jesus com alegria, responde-Lhe, interroga-O, repreende-O. Pedro tem o coração ao pé da boca, é daquelas pessoas de quem se gosta com facilidade por ser direto, simples, mas com as suas falhas, hesitações, medos e ambições. Parece-se, digo eu, muito connosco ou com alguns de nós, nos avanços e recuos, no entusiasmo e na dúvida, e com a necessidade permanente de conversão. Quem o viu e quem o vê. Caminhou com Jesus durante três anos, negou-O publicamente, por três vezes, mas foi salvo, foi resgato pela morte e ressurreição de Jesus, deixando-se marcar pelo Espírito de Deus. Vemo-lo agora a anunciar destemidamente Jesus, com palavras inspiradoras.
“Venerai Cristo Senhor em vossos corações, prontos sempre a responder, a quem quer que seja, sobre a razão da vossa esperança… com brandura e respeito, conservando uma boa consciência, para que, naquilo mesmo em que fordes caluniados, sejam confundidos os que dizem mal do vosso bom procedimento em Cristo”.
6 – “A Igreja cresce, não por proselitismo, mas por atração” (Bento XVI), pelo testemunho de vida. A argumentação pode ser importante, pois também a fé recorre à inteligência, para que sobrevenha a luz e não as trevas, a superstição, o medo. Como dizia São Paulo VI, o nosso tempo precisa não tanto de mestres, mas sobretudo de testemunhas, ou de mestres que sejam testemunhas. A santidade continua a ser o caminho mais atrativo para evangelizar.
Vede como eles se amam. É uma expressão referida aos primeiros discípulos, às comunidades primitivas. As palavras são acompanhadas de gestos e atitudes, e de prodígios. Filipe anuncia a alegria do Evangelho, na Samaria, libertando, curando, expulsando demónios. Faz-nos falta expulsar alguns demónios que nos habitam e nos dominam, para nos deixarmos preencher de amor, preencher pelo Espírito de Deus.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano A): Atos 8, 5-8.14-17; Sl 26 (27); 1 Pedro 3, 15-18; Jo 14, 15-21.