Domingo X do Tempo Comum – ano A – 2023

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Domingo X do Tempo Comum – ano A – 2023

1 – A salvação é dádiva, não é conquista, não resulta do mérito, não é comprável nem vendável. Deus cria-nos por amor e por amor nos salva, não porque sejamos melhores do que outros, redime-nos antes de o merecermos ou de fazermos por isso. O mistério pascal é dom gratuito, Deus, em Cristo Jesus, dá a vida para que tenhamos vida em abundância. Deus dá-nos o Seu Filho, antes de Lho pedirmos. Jesus, entre nós, assumindo a nossa condição finita, frágil, mostra-nos que a salvação acolhe-se, vive-se e expressa-se pela fé. A fé faz-nos reconhecer como peregrinos, como irmãos de Jesus, reconhecendo-o como filho amado de Deus; a fé irmana-nos, pois se temos Jesus como Filho de Deus Pai e Ele nos assume como irmãos, cabe-nos, na volta, reconhecer os outros como irmãos.

Antes dos méritos, vem a graça de Deus, antes das obras, o que as motiva, a fé, a nossa pertença comum ao reino de Deus. A fé salva-nos, o amor de Deus, a graça divina, Deus-Amor cria-nos e recria-nos para integrarmos a Sua vida divina.

Todos somos destinatários da salvação de Deus. Todos somos chamados a integrar a Sua família. Por isso, Jesus é Deus connosco, vem para nos revelar a ternura e a misericórdia de Deus, não apenas, como promessa ou insinuação, mas como presença e rosto, como concretização e plenitude. Ninguém está excluído, que o diga Mateus. Não importa a cor da pele, a riqueza ou a pobreza, o género feminino ou masculino, a nacionalidade, o estatuto social ou religioso, não importa a saúde ou a doença, não importam os desertos que nos queimam ou os vazios que nos preenchem, não importa a luz que nos habita ou as trevas que morem em nós, Deus ama-nos, como filhos (de primeira), quer-nos bem, quer que sejamos felizes, criou-nos para a beleza e para a grandeza.

No posto de cobrança, Mateus ouve a voz de Jesus, que o chama: «Segue-me». Imediatamente, sem hesitar, Mateus levanta-se e segue Jesus. Parece que estava à espera!

Como se vê, uns dias depois, Jesus está à mesa em casa de Mateus e com eles muitos publicanos e pecadores. O impulso inicial tem prosseguimento, pois Mateus dispõe da sua casa para que Jesus e os seus discípulos, e quem se quiser juntar, possam tomar aí uma refeição.

2 – A reação dos “puros”, dos “bons”, dos “merecedores”, dos fariseus, faz-se ouvir.  «Por que motivo é que o vosso Mestre come com os publicanos e os pecadores?» Como é que Alguém que se diz Profeta pode misturar-se com a escumalha da sociedade? Não temos nós na ponta da língua o aforismo: diz-me com quem andas e eu dir-te-ei quem és? Ou, acompanha com os bons e serás como eles, acompanha com os maus e serás pior do que eles?

Os ditados populares são preenchidos pela experiência e sabedoria dos povos, que os formulam como uma chamada de atenção, um aviso, um testemunho ou um desafio. O caminho feito, a experiência vivida, pode apontar para as consequências futuras resultantes de escolhas semelhantes. Porém, Jesus não se enfaixa nas tradições, não se deixa envolver em superstições, não se fia so costumes que excluem pessoas, protegem os poderosos, espezinham os pobres, ostracizam os publicanos e pecadores.

Ao ouvir-lhes tal, Jesus responde, sem equívocos ou hesitações: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Ide aprender o que significa: ‘Prefiro a misericórdia ao sacrifício’. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores».

3 – O profeta Oseias, na primeira leitura, convoca-nos para conhecermos de perto a misericórdia do Senhor. Ele virá, virá para salvar. «A sua vinda é certa como a aurora. Virá a nós como o aguaceiro de Outono, como a chuva da Primavera sobre a face da terra».

As palavras de Deus, que faz saber através do Profeta, denotam a nossa fragilidade – «O vosso amor é como o nevoeiro da manhã, como o orvalho da madrugada que logo se evapora» –, sobressaindo, no entanto, a fidelidade de Deus e a sua misericórdia – «Eu quero a misericórdia e não os sacrifícios, o conhecimento de Deus, mais que os holocaustos».

Não são os ritos, os sacrifícios, os holocaustos que comovem a Deus, mas a misericórdia, a bondade, a ternura. Identificamo-nos com Deus pela compaixão. A fé há de preceder as obras precisamente porque nos coloca na sintonia com o amor de Deus. Acreditas em Deus, conheces a Sua vontade, tanto quanto é possível, respondes ao Seu amor, amando e servindo o semelhante. A fé também é consequente, está ligada à vida e à transformação do mundo. Não podemos dizer que confiamos numa pessoa sem que a nossa conduta mostre isso mesmo. Assim a fé, assim o amor.

4 – Na oração inicial da Eucaristia, pedimos ao Senhor Deus que nos inspire à verdade e retidão, ajudando-nos a colocar em prática aquilo em que acreditamos. «Senhor nosso Deus, fonte de todo o bem, ensinai-nos com a vossa inspiração a pensar o que é reto e ajudai-nos com a vossa providência a pô-lo em prática».

Deus ouve a nossa oração. A pergunta que teremos de fazer é se nós O escutamos e se estamos dispostos a prosseguir a nossa vida segundo os Seus desígnios de paz, de amor e de justiça.

No salmo, vê-se bem como Deus sabe de nós, não está desatento, mas, simultaneamente, relembra que os sacrifícios que Lhe agradam são o louvor e a confiança.

Diz o Senhor Deus, «não é pelos sacrifícios que Eu te repreendo: os teus holocaustos estão sempre na minha presença. / Oferece a Deus sacrifícios de louvor e cumpre os votos feitos ao Altíssimo. Invoca-Me no dia da tribulação: Eu te livrarei e tu Me darás glória».

Deus escuta e age, a nosso favor. E da nossa parte? Dispostos a colaborar com a inspiração e a graça do Senhor?

5 – Abraão, reafirma são Paulo, tornou-se nosso Pai na fé, porque acreditou contra toda a esperança, confiando plenamente nas promessas de Deus. «Sem vacilar na fé, não tomou em consideração nem a falta de vigor do seu corpo, pois tinha quase cem anos, nem a falta de vitalidade do seio materno de Sara. Perante a promessa de Deus, não se deixou abalar pela desconfiança, antes se fortaleceu na fé, dando glória a Deus, plenamente convencido de que Deus era capaz de cumprir o que tinha prometido».

Deus tinha feito a promessa a Abraão que ele iria ser pai de um grande número de nações». A fé confiante foi-lhe atribuída como justiça. É esta a interpelação do apóstolo para nós, em relação à ressurreição de Jesus. «Acreditamos n’Aquele que ressuscitou dos mortos, Jesus, Nosso Senhor, que foi entregue à morte por causa das nossas faltas e ressuscitou para nossa justificação».

A nossa esperança funda-se nesta certeza da Páscoa, da ressurreição de Jesus. Aquele que pode devolver a vida, também pode guiar-nos pelo caminho do bem e da verdade. Ele vem em nosso auxílio, assim nós Lhe abramos a nossa casa, a nossa vida, para que Ele venha, entre e se sente à mesa connosco, até ao dia em que nos sentemos com Ele na casa do Pai.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Os 6, 3b-6; Sl 49 (50); Rom 4, 18-25; Mt 9, 9-13.