Domingo XI do Tempo Comum – ano A – 14 de junho e 2020

Watch Now

Download

Domingo XI do Tempo Comum – ano A – 14 de junho e 2020

1 Chamados e enviados. Discípulos missionários. É a nossa dupla condição de batizados; seguidores de Jesus Cristo, com tudo o que isso implica. O seguimento não é, primeiramente, físico, não vamos geograficamente atrás de Jesus, é um seguimento espiritual e total, implica-nos por inteiro em tudo o que somos e em tudo o que decidirmos fazer, sem pausas nem bemóis, não às prestações ou quando tivermos mais disponibilidade, mas nas mais variadas circunstâncias e situações.

Jesus. Sempre Jesus, como modelo, como ponto de partida, origem, como caminho, como ponto de chegada, meta. Ao ver as multidões, Jesus “encheu-Se de compaixão, porque andavam fatigadas e abatidas, como ovelhas sem pastor”.

A ternura e a compaixão, a misericórdia e o amor. A postura de Jesus é permanente, amar, gastando-Se por inteiro, por ti e por mim, por todos, sem reservas nem condições. Não vem para quem é bom. Vem para todos, chamar a todos, a começar por aqueles que mais precisam, que se sentem mendigos do amor de Deus, necessitados que se querem “preencher” de Deus. Só reconhecendo a nossa pequenez é possível que nos abramos à graça, à vinda de Deus até nós. Quem está cheio de si não tem e não cria espaço para mais ninguém, nem para Deus nem para os outros.

2 – «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara».

Humanamente falando, Jesus está submetido às coordenadas espácio-temporais, não chega a todo o lado ao mesmo tempo e teria que ter várias vidas ou “múltiplos” para chegar a mais pessoas, com “vidas” mais duradouras. Claro que a Deus tudo é possível, mas criou-nos por amor, criando-nos livres, levando-nos a sério e respeitando as nossas escolhas. Ao assumir-Se Deus-connosco, em Jesus, sujeita-Se às nossas limitações, o que não é nem entrave nem dificuldade, mas oportunidade, pois conta connosco.

Com esse propósito, Jesus chama alguns para conviverem com Ele mais de perto. O Povo Eleito é Luz para se revelar a todas as nações. É uma eleição instrumental, missionária. O Universal, Deus, concretiza-Se e manifesta-Se no concreto, no particular, ora num povo, ora encarnando. Tudo o que é difuso, geral, acaba por se diluir, não se perceber, não se tornar legível, palpável. O concreto está ao nosso alcance, pode ver-se, ouvir-se, sentir-se… E, então, do particular e concreto, a disseminação, expandindo-se para todo o mundo. Jesus é o concreto, a visibilidade de Deus no tempo e na história. Chama alguns, não por serem melhores ou os mais competentes, mas cuja humildade os torna moldáveis à graça de Deus, disponíveis para acolherem Deus e para se deixarem enviar, com todas as fragilidades que os caracterizam.

Dá-lhes o poder de curar, de expulsar os espíritos impuros. O anúncio do Evangelho não é uma profissão com horário marcado ou delimitado. É vocação e missão. É uma constante. É para sempre. É um compromisso que se faz com tudo, com todos, em todo o tempo, em palavras e obras.

3 – É Jesus que nos chama e envia. É Ele o conteúdo da Mensagem. Não nos anunciamos a nós. Se procurarmos inovar na mensagem acabaremos por nos perder. Inovar na forma de comunicar, utilizando uma linguagem simples, percetível, capaz de iluminar o tempo presente, é meritório e é expressão da missão evangelizadora. São Paulo, o maior missionário de todos os tempos, é clarificador: fiz-me tudo para todos, para ganhar alguns para Cristo. Paulo procurou perceber os contextos e inculturar o Evangelho, tornando-O luz. Em nenhum momento, Paulo perdeu o horizonte, o chão, a rumo: Jesus Cristo, sempre Jesus Cristo, Cristo Jesus sempre. A determinada altura, os gregos queriam aclamá-lo como Deus, a ele e a Barnabé, o que motivou uma altercação. Paulo e Barnabé rasgam as vestes e protestam. Não tinham conseguido passar a mensagem, pois os ouvintes fixaram-se neles e não em Jesus Cristo e no Seu evangelho. É o risco de nos fixarmos no dedo que aponta e não na direção apontada… o céu, o horizonte, as estrelas… Deus!

Com certeza que os evangelizadores não são apenas uma caixa de ressonância vazia. Olhamos para uns e para outros e são todos diferentes, mas chegarão a ser autênticos quando neles operar a graça de Deus. Uma vez convertidos, iluminados pelo Espírito de Deus, poderão transparecer Jesus. Somos embaixadores de Cristo, dir-nos-á o mesmo Apóstolo. O Embaixador expressa a opinião, os princípios e os valores do povo que representa. Assim, como cristãos, somos de Cristo, é Cristo que havemos de revelar com a nossa vida, em palavras e obras. “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”.

As recomendações de Jesus aos Apóstolos são clarividentes: «Não sigais o caminho dos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos. Ide primeiramente às ovelhas perdidas da casa de Israel. Pelo caminho, proclamai que está perto o reino dos Céus. Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, sarai os leprosos, expulsai os demónios».

Neste envio, Jesus coloca o ponto de partida nos círculos mais próximos, a Casa de Israel. No envio último e definitivo, já depois da ressurreição, Jesus enviá-los-á a ir por todo o mundo. Mas não se vai para longe, deixando a casa a arder, primeiro deixemo-nos transformar e então partamos a levar o Evangelho a outros lugares.

4 – «Recebestes de graça, dai de graça».

As palavras movem, os testemunhos arrastam. No dizer de São Paulo VI, o nosso tempo precisa, não tanto de mestres, mas de testemunhas, ou mestres que sejam testemunhas (santos). A missão consta das palavras proferidas, mas enformadas pela caridade, pelas obras: curai os enfermos, expulsai os demónios, sarai os leprosos, ressuscitai os mortos. A missão engloba-nos totalmente e abarca todas as dimensões da vida, espiritual e material, pessoal, familiar e socialmente, cultural, económica e politicamente. Onde quer que esteja, o cristão anuncia Cristo, vive os critérios do Evangelho, expressa os ideais das Bem-aventuranças, na prossecução da verdade e da justiça, da paz e da concórdia.

Anunciar o Evangelho implica vivê-lo e assumir-se curador de feridas e mazelas. Novamente, o pão e o conforto, o alimento corporal e espiritual, o coração, o corpo e a mente. Somos um todo, convertemo-nos integralmente, levamos a Palavra, a fé, a vida, a cura, a salvação; exorcizamos o mal, responsabilizamo-nos por todos, especialmente os mais vulneráveis, trazemos à vida os que andam perdidos, cansados e desiludidos.

Quando nós próprios estivermos receosos, alquebrados, titubeantes, então confiemo-nos a Ele, para que nos inspire e preencha com a Sua graça. “Deus misericordioso, fortaleza dos que esperam em Vós, atendei propício as nossas súplicas; e, como sem Vós nada pode a fraqueza humana, concedei-nos sempre o auxílio da vossa graça, para que as nossas vontades e ações Vos sejam agradáveis no cumprimento fiel dos vossos mandamentos”.

5 – Deus aponta o caminho. Em todos os tempos e lugares, há sinais e mensageiros que nos dão a conhecer a vontade de Deus.

No longo caminho do deserto, Moisés guia, orienta, conduz o Povo do Senhor. É o porta-voz dos Mandamentos divinos. «Assim falarás à casa de Jacob, isto dirás aos filhos de Israel: ‘Vistes o que Eu fiz ao Egipto, como vos transportei sobre asas de águia e vos trouxe até Mim. Agora, se ouvirdes a minha voz, se guardardes a minha aliança, sereis minha propriedade especial entre todos os povos. Porque toda a terra Me pertence; mas vós sereis para Mim um reino de sacerdotes, uma nação santa’».

As palavras de Deus são encorpadas pelos feitos a favor do Povo: transportei-vos sobre as asas da águia, trouxe-vos até Mim. Quem se sente agradecido predispõe-se a ouvir. Se reconhecemos o que o Senhor fez por nós, prontifiquemo-nos a ouvir a Sua voz e a viver os Seus mandamentos.

6 – Jesus Cristo leva a misericórdia de Deus à plenitude. Encarnando, Jesus “democratiza” Deus, trá-l’O até nós, tornando-O próximo, Deus-connosco, Deus entre nós. As maravilhas que outrora Deus realizou através de profetas e reis, juízes e sacerdotes, através do Povo da primeira Aliança, realiza-o, agora, em perfeição, em Jesus Cristo.

“Quando ainda éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios no tempo determinado. Dificilmente alguém morre por um justo; por um homem bom, talvez alguém tivesse a coragem de morrer. Mas Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores… Se, na verdade, quando éramos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, com muito mais razão, depois de reconciliados, seremos salvos pela sua vida”.

Somos salvos na morte e na ressurreição de Jesus, trazemos em nós as marcas do amor de Deus. No Batismo mergulhamos, por ação do Espírito Santo, na morte de Jesus, e pelo mesmo Espírito, tornámo-nos novas criaturas, cabe-nos, agora, contagiar outros com a abundância da vida que d’Ele recebemos e que nos habita, sem perdermos a identidade, discípulos, nem vacilarmos no anúncio, missionários.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Ex 19, 2-6a; Sl 99 (100); 2 Rom 5, 6-11; Mt 9, 36 – 10, 8.