Domingo XII do Tempo Comum – ano A – 2023

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Domingo XII do Tempo Comum – ano A – 2023

1 – O tom para a celebração da santa Missa, deste XII Domingo do Tempo Comum, é-nos dado pela oração de coleta: «Senhor, fazei-nos viver a cada instante no temor e no amor do vosso santo nome, porque nunca a vossa providência abandona aqueles que formais solidamente no vosso amor».

Contrasta, desde logo, para os mais incautos, o temor e o amor. O temor de Deus é um dom do Espírito Santo, mas atenção, não se trata de ter medo de Deus. Seria, aliás, algo de ignóbil ter medo que Deus nos destruísse quando foi Ele que nos criou, nem mesmo por questões de arrependimento. Essa é, por certo, mais uma daquelas noções antropomórfica, atribuindo a Deus as propriedades que se ajustam às nossas fragilidades, ambições e/ou urgências. Deus como Juiz capaz de fazer justiça onde não conseguimos chegar ou de nos castigar pelas nossas faltas como um patrão que impõe a sua vontade pela força e pelas chicotadas!

Porém, o que prevalece na oração, não é o medo, mas o amor e o temor. Porque se ama, porque que se reconhece e se acolhe o amor de Deus, porque se vive em dinâmica de amor, há o receio de magoar aquele/a que se ama, neste caso, de ferir o amor que Deus nos tem, não Lhe correspondendo na mesma medida. Como dirá são João da Cruz, amor com amor se paga. Ao amor tão grande, tão perfeito e absoluto de Deus, que, em Jesus Cristo, dá a vida por nós, para que a tenhamos em abundância, cabe-nos responder com a mesma paixão, com o mesmo desprendimento, com a mesma entrega, amando aqueles que Deus ama, os Seus filhos, todos os Seus filhos, nossos irmãos. Quem ama, tudo fará para ser bênção e casa para a pessoa amada, tudo fará para lhe ser favorável, para lhe agradar. Como seres limitados, existe o receio de ferirmos o amor da pessoa amada com alguma palavra desacertada, com algum gesto inconveniente, ou pela falta da palavra no tempo certo ou do gesto de gratidão e carinho que nos merece. Mas é um compromisso (um esforço), uma missão.

O temor é dom do Espírito Santo que nos faz tomar consciência da grandeza do amor de Deus e, consequentemente, nos faz compreender que a nossa fragilidade é alcançada pela misericórdia divina. Se levamos a sério este amor, levamos a sério o cuidado para não o desvalorizar ou o desperdiçar.

2 – A abrir o Evangelho, diz Jesus aos seus apóstolos: «Não tenhais medo dos homens».

Jesus coloca-nos a todos ao mesmo nível, o de filhos. Não somos senhores (dos outros). Para ser bem, havemos de nos tornar servos de todos. O que dizemos e fazemos não deve ser por medo ou para assegurar uma honra, um título, uma benesse.

Depois do chamamento, Jesus assegura aos apóstolos a prevalência de Deus além de toda a injustiça, perseguição, de todo o mal perpetrado contra os Seus seguidores. De facto, se houvesse lugar ao medo, este teria de ser referido apenas a Deus, pois só Ele poderá garantir-nos a vida, não apenas na história e no tempo, mas para a eternidade. Para sempre. «Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Temei antes Aquele que pode lançar na geena a alma e o corpo».

Prosseguindo, Jesus relaciona duas imagens com o poder e o amor de Deus, os passarinhos e os cabelos da cabeça. «Não temais: valeis muito mais do que todos os passarinhos».

Percebe-se que Jesus não esconde as dificuldades do caminho. O seguimento exige persistência, sacrifício, capacidade de encaixar as adversidades, podendo envolver maledicência, perseguição e a própria morte. Ele, Mestre e Senhor, foi acusado, condenado e morto. Os que O seguiram não se livram dos mesmos riscos. Ele previne-nos: se assim fazem comigo, também o farão convosco. Não temais, Eu estou convosco até ao fim dos tempos. Aquele que perseverar será salvo.

Ao longo da história da Igreja, muitos cristãos tiveram que optar, cedendo às injúrias, acusações, ameaças, tortura ou mantendo-se fiéis ao Evangelho, a Jesus Cristo, à Igreja e com isso a prisão e a morte. Muitos mantiveram-se firmes e enfrentaram os seus algozes. Outros, perante tanta ignomínia vacilaram. Na atualidade, continua a haver muitos cristãos perseguidos, silenciados, despedidos dos seus trabalhos, expulsos das suas casas e dos seus países, mortos. Como vivemos em ambiente pacífico, cabe-nos acolher o testemunho daqueles que perseveraram, sem, por outro lado, condenar os que vacilaram. Não sabemos da nossa coragem em ambiente adverso! Temos a garantia de Jesus: «A todo aquele que se tiver declarado por Mim diante dos homens, também Eu Me declararei por ele diante do meu Pai que está nos Céus. Mas àquele que Me negar diante dos homens, também Eu o negarei diante do meu Pai que está nos Céus».

3 – O texto de Jeremias é todo ele um grito de fidelidade a Deus, de confiança e entrega. Jeremias experimenta a maledicência, a perseguição, a ameaça à sua vida, as maquinações dos que lideram o povo, dos amigos e da multidão que faz coro com os instigadores: «Denunciai-o, vamos denunciá-lo! Talvez ele se deixe enganar e assim o poderemos dominar e nos vingaremos dele».

Um dia dir-nos-á Jesus que os filhos das trevas são mais espertos, mais argutos, que os filhos da Luz. Jeremias, num tempo de trevas, de crise moral e religiosa, de corrupção e de infidelidade à Lei do Senhor, mantém-se íntegro. Sabe que essa fidelidade lhe custa os amigos, a pátria e a própria vida. Mas entrega-se confiante. «O Senhor está comigo como herói poderoso e os meus perseguidores cairão vencidos. Ficarão cheios de vergonha pelo seu fracasso, ignomínia eterna que não será esquecida. Senhor do Universo, que sondais o justo e perscrutais os rins e o coração, possa eu ver o castigo que dareis a essa gente, pois a Vós confiei a minha causa. Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, que salvou a vida do pobre das mãos dos perversos».

Numa linguagem bastante bélica, sobrevém a grande confiança de Jeremias no Senhor da vida e do tempo. Podem matar o corpo, mas não lhe matarão a vida, a alma, o espírito, esse pertence a Deus e só Deus o julgará, o guardará, para sempre.

4 – O salmo, concordante com a primeira leitura e com a vivência de Jeremias, mostra como o autor sagrado tem enfrentado as dificuldades, ultrapassado os medos, superado as adversidades, apoiando-se na fé e na confiança em Deus.

«Por Vós tenho suportado afrontas… Tornei-me um estranho para os meus irmãos, um desconhecido para a minha família. Devorou-me o zelo pela vossa casa e recaíram sobre mim os insultos contra Vós. / A Vós, Senhor, elevo a minha súplica, no momento propício, meu Deus. Pela vossa grande bondade, respondei-me, em prova da vossa salvação. Tirai-me do lamaçal, para que não me afunde, livrai-me dos que me odeiam e do abismo das águas. / Vós, humildes, olhai e alegrai-vos, buscai o Senhor e o vosso coração se reanimará. O Senhor ouve os pobres e não despreza os cativos».

A fidelidade a Deus e à Sua casa, valem-lhe inimizades, ainda atravessa tempos de provação, mas o seu olhar, o seu coração e a sua vida voltam-se para Deus, de Quem espera auxílio. Desafia-nos a fazer o mesmo, a assumir a nossa pobreza diante de Deus para que Ele nos enriqueça com o Seu amor.

5 – Jesus Cristo, segundo são Paulo, vem para nos relembrar da nossa identidade, da nossa pertença a Deus e do caminho que nos aproxima da vida divina, e nos torna partícipes do Seu reino. Em Jesus, Deus, não apenas nos procura, mas vem em Pessoa, faz-Se um de nós, assume a nossa condição mortal, finita, torna-Se um de nós. Um connosco!

O Apóstolo contrapõe o pecado de Adão à graça que nos é dada por Jesus. «Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte, assim também a morte atingiu todos os homens, porque todos pecaram… se pelo pecado de um só todos pereceram, com muito mais razão a graça de Deus, dom contido na graça de um só homem, Jesus Cristo, se concedeu com abundância a todos os homens».

Esta é a nossa confiança, antes de o merecermos, para lá de todo o merecimento, Jesus Cristo deu a sua vida para nos redimir. A salvação é dom que nos interpela, nos envolve e, se acolhermos, nos compromete com o projeto de Jesus Cristo, sem medos, deixando que o Espírito Santo preencha o nosso coração e a nossa vida.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Jr 20, 10-13; Sl 68 (69); Rm 5, 12-15; Mt 10, 26-33.