Domingo XII do Tempo Comum – ano A – 21 de junho de 2020

Watch Now

Download

Domingo XII do Tempo Comum – ano A – 21 de junho de 2020

1Flexibilidade e firmeza. Na vida e na fé. Não há verdadeira flexibilidade se não houver firmeza!

A maturidade torna as pessoas mais flexíveis. A maturidade torna as pessoas mais firmes, mais decididas, mais sábias. A firmeza da fé e das convicções, torna-nos mais disponíveis para o diálogo… só consegue dialogar, honestamente, quem sabe os limites e as fronteiras, quem sabe o que é possível corrigir, acrescentar, limar e o que simplesmente é raiz e chão e essência. Se não sei que ideias e convicções me identificam, não posso apresentar razões, argumentos, defender um ponto de vista, a não ser que o faça, como alguns dizem quando não sabem o que estão a dizer, por brincadeira, só para chatear! Mas também a tolerância só é possível com convicções e consciência de quem somos, ainda que sejamos seres em construção! Como sói dizer-se a arrogância/intolerância é irmã gémea da ignorância!

O Papa Bento XVI dizia, ainda que numa temática diferente, que os passarinhos voam precisamente pela flexibilidade que têm, porque conseguem facilmente dobrar as patas e dessa forma conseguem dar o impulso para voar.

O Papa Francisco tem falado muitas vezes na flexibilidade dos cristãos, em geral, e dos pastores e das lideranças, em particular. A rigidez não é cristã, a rigidez é como um muro que divide e afasta, isola e ostraciza o outro, exclui e destrói. Jesus flexibiliza, democratiza e humaniza o amor de Deus, sendo Ele mesmo o Amor do Pai que encarna, vivendo, morrendo, entregando a humanidade ao Pai e permanecendo, no Espírito Santo, em Igreja, para sempre! O Deus todo-poderoso e omnipotente flexibiliza-Se encarnando, ajustando-Se à humanidade, às suas dores e sofrimentos, às suas esperanças e fragilidades. Como não lembrar quando Jesus se ajoelha diante dos apóstolos e lhes lava os pés? E que maior flexibilidade do que a ENTREGA por amor, deixando-Se crucificar?

Mas isso nada tem a ver com liquidez de pensamento ou de sentimentos, nada tem a ver com laxismo (Laissez faire = deixar andar).

2No Evangelho deste XII Domingo do Tempo Comum, Jesus apela à confiança e à firmeza que se baseiam no amor de Deus para connosco. Se Deus está por nós, quem estará contra nós?

Jesus desafia-nos: «Não tenhais medo dos homens, pois nada há encoberto que não venha a descobrir-se, nada há oculto que não venha a conhecer-se. O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia; e o que escutais ao ouvido proclamai-o sobre os telhados. Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma».

Discípulos missionários. Aprendamos com Ele, sejamos discípulos! E imitemo-l’O na postura, testemunhando o Seu amor no amor que colocamos em tudo quanto fazemos e sobretudo no trato com o nosso semelhante. Pelo caminho poderemos encontrar obstáculos, tropeços, pedras e pedregulhos. Podemos ser injuriados, caluniados, perseguidos. Jesus é o primeiro a prevenir: o discípulo não é maior que o Mestre, se a Mim me perseguem também a vós hão de perseguir. Levar-vos-ão ao tribunal, à prisão e alguns serão mortos por anunciarem o Meu Nome. Não temais. Eu estou convosco, em todas as tribulações. Aquele que dá testemunho de Mim diante dos homens, também Eu darei testemunho dele diante do Pai. Podem matar-vos, levar-vos à morte, mas não poderão matar a vossa vida, destruir-vos como pessoas, pois esse poder é divino, Deus proteger-vos-á e vos dará a vida eterna.

«Não se vendem dois passarinhos por uma moeda? E nem um deles cairá por terra sem consentimento do vosso Pai. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Portanto, não temais: valeis muito mais do que todos os passarinhos».

3A firmeza da fé baseia-se e enforma-se na confiança em Deus e torna-nos dóceis, atentos, disponíveis para amar aqueles que Deus ama, para seguir Jesus, pois só Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida, procurando agir segundo a mesma batuta: amor e fidelidade à vontade do Pai; cumplicidade e prontidão para o serviço. Não há rigidez em quem ama ao jeito de Jesus, pois quem ama procura ajustar-se, como Deus faz para connosco, torna-se ágil e leve para partir ou para ficar, para escutar ou para proferir palavras de conforto, para dar a mão e dar a vida. Daí que a pobreza seja uma característica de quem ama, pois quem ama é mendigo do outro, do amor do outro, torna-se tudo para o outro, tudo o que tem e tudo o que é está à disposição daquele que se ama. É esta a pobreza de Deus que nos dá o Seu próprio Filho.

A flexibilidade, ao jeito de Jesus, é a que se apoia na firmeza da fé, na força do amor. Há uma expressão muito curiosa que o Papa Francisco já usava enquanto cardeal em relação a cristãos tíbios: “um pouco como diziam as nossas mães: cristãos de rosas”. O próprio Papa explica, é uma água sem consistência, assim alguns cristãos, um pouco de verniz, superficial mas que não se entranha na carne, uma identidade para quando dá jeito, cristãos de meio caminho, mornos, que sabem umas coisas da fé. A fé, contudo, é um dom do Espírito Santo, que é preciso alimentar. Fomos salvos por Cristo santificados pelo Seu sangue, então ajamos como cristãos, convertidos, demos testemunho d’Ele em todas as circunstâncias e situações, sem medo e sem reservas. É como querer o café sem cafeína… venha de lá um descafeinado… ou o sabor do açúcar sem as suas propriedades… venha de lá o adoçante… quer-se o sabor, mas sem “as consequências”, então fica-se no que é parecido, superficial, parece mas não é, é um faz-de-conta, engana o corpo e os sentidos, e os outros… cristãos de trazer por casa, para algumas ocasiões…

«Senhor, fazei-nos viver a cada instante no temor e no amor do vosso Santo nome, porque nunca a vossa providência abandona aqueles que formais solidamente no vosso amor».

Estamos a caminho, com as nossas limitações, mas isso não nos coíbe da firmeza em que fomos redimidos, enraizados na paixão redentora de Cristo, filhos amados de Deus. Não temais… podem matar-vos, mas não podem tirar-vos a vida, não podem destruir-vos, pois Deus, que é Amor, far-vos-á permanecer para sempre.

4Na primeira leitura encontramos Jeremias, um profeta, que tem consciência da sua missão: anunciar a mensagem de Deus, denunciando abusos e desvios. Fá-lo com alegria e com coragem. Sujeita-se a ser injuriado, perseguido, maltratado, mas a consciência da sua missão dá-lhe ânimo para prosseguir.

Ele próprio fala das ciladas que lhe armam: «Todos os meus amigos esperavam que eu desse um passo em falso: ‘Talvez ele se deixe enganar e assim o poderemos dominar e nos vingaremos dele’». O contraponto é Deus, a confiança em Deus. Esta é a firmeza da fé. «O Senhor está comigo como herói poderoso e os meus perseguidores cairão vencidos. Ficarão cheios de vergonha pelo seu fracasso, ignomínia eterna que não será esquecida. Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, que salvou a vida do pobre das mãos dos perversos».

Os profetas têm uma missão ingrata, não são políticos em campanha eleitoral, anunciam o que veem, o que perscrutam do Espírito de Deus. Vivem com alegria em trazer Deus e a Sua mensagem ao povo, muitas vezes como esperança no tempo que está para vir, semeando a confiança nas pessoas. O Deus de nossos pais é fiel. A fidelidade de Deus, experimentada através das gerações, é garantia para o presente e para o futuro, mesmo que por ora os tempos sejam de provação e contrariedade. Mas Deus não desiste de nós.

«Vós, humildes, olhai e alegrai-vos, buscai o Senhor e o vosso coração se reanimará. O Senhor ouve os pobres e não despreza os cativos. Louvem-n’O o céu e a terra, os mares e quanto neles se move». Habitualmente, os profetas são perseguidos, são peregrinos, pobres, mendigos, excluídos das povoações quando denunciam o proceder dos homens, especialmente daqueles que têm (e tinham) a obrigação de cuidar do povo, particularmente dos mais pobres, dos desfavorecidos, do órfão e da viúva, e, pelo contrário, se servem deles, da sua simplicidade e pobreza.

5Não temais! Eu venci o mundo, o poder do mal e da morte! Pequenino rebanho, não tenhais medo, Eu estou convosco até ao fim dos tempos. Eu Sou o Bom Pastor, dou a vida por vós, dou a vida para que tenhais vida em abundância. Perseguir-vos-ão, levar-vos-ão ao tribunal… não vos preocupeis com o que haveis de dizer em vossa defesa, o Espírito Santo vos inspirará. Quem perseverar será salvo.

É este o chão do apóstolo, a firmeza da sua fé corajosa, decidida, amadurecida, mas não isenta de dificuldades e de contratempos, de perseguição e ameaça constante a sua vida. Há uma certeza inabalável, nada nos separa do amor de Deus, que nos confia o Seu Filho para nos resgatar de todo o mal.

“Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte, assim também a morte atingiu todos os homens, porque todos pecaram. A morte reinou desde Adão até Moisés, mesmo para aqueles que não tinham pecado por uma transgressão à semelhança de Adão, que é figura d’Aquele que havia de vir. Mas o dom gratuito não é como a falta. Se pelo pecado de um só todos pereceram, com muito mais razão a graça de Deus, dom contido na graça de um só homem, Jesus Cristo, se concedeu com abundância a todos os homens”.

Oportuna e inoportunamente, Paulo é portador da Boa Nova da salvação. Ele experimenta a salvação em Cristo, na Sua morte e ressurreição. De perseguidor, deixa-se alcançar pela misericórdia de Deus e, uma vez convertido, torna-se para sempre discípulo missionário, próximo, identificado com Jesus Cristo – já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim… Para mim viver é Cristo –, indo por todo o mundo, até onde humanamente é possível, a anunciar a alegria do Evangelho, o dom de Deus dado aos homens, Cristo morto e ressuscitado, reconciliação da humanidade com Deus e dos homens entre si.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Jer 20, 10-13; Sl 68 (69); Rom 5, 12-15; Mt 10, 26-33.