Domingo XII do Tempo Comum – B – 2021

12.º Domingo do TC - B

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Domingo XII do Tempo Comum – B – 2021

1 – «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?»

Esta pergunta feita por Jesus aos Seus discípulos, no meio da tormenta, foi repetida algumas vezes pelo Papa Francisco, no dia 27 de março de 2020, quando a pandemia assustava e nos remetia ao isolamento. Foi um desafio para o momento e para o futuro: confiar, rezar, aprofundar a fé em Deus, cuidar da saúde, do luto e do espaço de cada um, sem perder a lógica da fraternidade. Todos debaixo da mesma borrasca, todos dentro do mesmo barco, prevalecendo, muitas vezes, o medo, a desolação e o egoísmo do salve-se-quem-puder.

O desafio do Papa assenta na vida de Jesus, nas Suas palavras, numa postura que nos irmana e nos responsabiliza pelo destino uns dos outros e do mundo em que vivemos.

Jesus faz-nos passar à outra margem. Não basta o aconchego da nossa casa, da nossa rua ou do nosso bairro; não é suficiente o nosso grupo de amigos, o nosso partido ou aqueles que têm os mesmos gostos que nós; não é satisfatório respondermos aos que frequentam os mesmos círculos que nós, têm ideias parecidas com as nossas ou um estilo de vida que se assemelha ao nosso. Passemos à outra margem!

Para Deus contam todos, o tempo todo, em toda a parte. Somos missionários em todos os ambientes e situações. Discípulos missionários, junto de Jesus, junto de cada pessoa que se cruza connosco. É necessário seguir no encalço de Jesus e passar à outra margem, pormo-nos no lugar do outro, até onde é possível, e levarmos Jesus connosco, na nossa barca e na nossa vida. Não estamos sós. Não vamos sós. Valemos porque somos filhos amados de Deus, valemos pela presença que transportamos connosco. Maria leva Jesus no seu ventre… e não lhe pesa, corre, vai ao encontro de Isabel com alegria, levar-lhe bênção e ajuda! Levemos Jesus connosco. Sempre!

2 – Há outras embarcações… algumas à deriva… e outras que seguem de perto a barca de Jesus. Qual o teu barco? Em que barco é que vamos? No de Jesus? Nas embarcações que O acompanham e a aproximar-nos? Ou andamos ainda em busca de direção e de porto?

A tempestade, como em tantas situações da nossa vida, não se faz anunciar, aparece de repente, quando menos contamos. E como reagimos, com medo ou procurando minimizar os estragos?

Quem tem canseiras não dorme! Jesus vai sossegado, à popa, a dormir descansado, com a cabeça numa almofada. Aproveita a passagem à outra margem para repousar. Vai tranquilo. De noite ou de dia, confia em Deus, Seu e nosso Pai. Nada O faz temer. Sabemos que para um bom descanso temos que afastar as preocupações. Como nos diz Jesus, a cada dia a sua preocupação, confiando que Deus proverá os nossos dias. Por um lado, o empenho por darmos o melhor de nós mesmos em cada situação. Por outro, a certeza de que o mundo não acaba em nós. Só Deus não passa, porque também as tormentas passam. Confiar em Alguém que não falha, que não nos abandona, que Se mantém junto de nós, até durante o sono, é o melhor comprimido para dormir.

Por vezes, como nos recordou também o Papa Francisco, nas tempestades da vida, pensamos que Deus vai a dormir, mantendo-Se alheado da nossa vida e do nosso sofrimento. «Mestre, não Te importas que pereçamos?». Durante esta pandemia, já muitos colocaram esta pergunta. Porquê? Porque é que Deus permite o sofrimento? Será uma provação? Um castigo? Um sinal? Quando muito será uma funesta consequência de algumas opções egoístas! Para lá de tudo o que escapa à nossa compreensão ou que está para lá da informação que nos chega.

3 – Precisamos de rezar mais! Precisamos de fé! De aprofundar a nossa confiança em Deus.

Vivemos, numa linguagem muito paulina, num corpo mortal e, portanto, sujeitos às fragilidades do tempo e da história, mas ainda assim com ânsias de eternidade. O que haveremos de ser só será pleno na vida eterna, mas já começou!

Acordemos Jesus. façamos como os Apóstolos. A nossa oração apoia-se em Jesus. Gritemos com Ele. Ele escuta… e rapidamente Se levanta. Se confiamos apenas em nós, nas nossas forças, nas nossas capacidades, logo soçobramos nas primeiras contrariedades. A tempestade chegou e os discípulos contaram que a presença de Jesus na barca era suficiente. E talvez fosse! O medo veio ao de cima e logo chamam por Ele. Façamos o mesmo, pessoal e comunitariamente. A oração acalma o coração, faz-nos repousar a vida, não como quem se alheia das dificuldades e sofrimentos, mas como quem acredita que Deus guia a história, que Deus conta connosco. Mas o descanso também faz parte de uma vida saudável. Não resolveremos todos os problemas do mundo, mas será mais fácil se tivermos saúde para cuidar, ajudar, intervir…

O Deus que nos cria por amor, o Deus que salva, é o Deus que cuida, que domina sobre o mar e sobre a terra. Não Se manifesta tanto pelo poder, mas sobretudo pelo amor. Porém, a ternura não anula a omnipotência. Os discípulos já tinham visto muitos prodígios, sabem que podem confiar em Jesus, mas ainda assim deixam-se paralisar pelo medo. Jesus silencia o mar e o vendaval e também nós precisamos, muitas vezes, de fazermos silêncio e rezarmos para O ouvirmos, para percebermos que Ele não dorme e que segue na nossa barca, desde que deixemos, desde que queiramos. «Senhor, fazei-nos viver a cada instante no temor e no amor do vosso Santo nome, porque nunca a vossa providência abandona aqueles que formais solidamente no vosso amor».

4 – «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?»

Deus sempre nos responde. O aparente descanso de Jesus desafia-nos à fé, à confiança. Cabe-nos confiar e agir, até onde nos é possível, na certeza que Deus tornará possível o que para nós é impossível, se for para nosso bem. É desta forma que se entende o questionamento de Jesus aos seus discípulos, a mim e a ti. O medo contradiz a fé que professamos ou, pelo menos, coloca em causa a sua maturidade. Quando sobrevém a fé, o medo perde força. É como a luz, ainda que seja pequenina ou entre por uma frincha, destrói a escuridão, por maior que seja.

No meio da tempestade, Deus responde a Job: «Quem encerrou o mar entre dois batentes, quando ele irrompeu do seio do abismo, quando Eu o revesti de neblina e o envolvi com uma nuvem sombria, quando lhe fixei limites e lhe tranquei portas e ferrolhos? E disse-lhe: ‘Chegarás até aqui e não irás mais além, aqui se quebrará a altivez das tuas vagas’». No diálogo com os amigos, Job questiona a justiça de Deus. O infortúnio bateu-lhe à porta, os amigos justificam Deus e colocam em causa o justo proceder de Job que, por sua vez, contesta as explicações dos amigos e o silêncio de Deus. Mas, na Sua infinita sabedoria, Deus irrompe entre a tempestade e responde-lhe, lembrando-o da sua pequenez e dos mistérios que envolvem toda a criação.

Também os amigos de Job são chamados à liça, pois enveredam por leituras fáceis e apressadas acerca de Deus e dos Seus mistérios e rapidamente fazem juízos de valor sobre Job apontando-lhe falsidade, injustiça, opções obscuras que terão levado Deus a castigá-lo. No final, não sancionando inteiramente Job, Deus coloca-se do lado dos seus questionamentos, desafiando-o a não se deixar amedrontar pelo mistério, pois em tudo está presente a bondade divina.

5 – Com o salmista, rezamos a nossa confiança em Deus e a certeza de que escuta a nossa súplica, vindo em auxílio das nossas fraquezas, salvando-nos da borrasca em que, muitas vezes, mergulha a nossa vida e/ou a vida do mundo.

“Os que se fizeram ao mar em seus navios, a fim de labutar na imensidão das águas, esses viram os prodígios do Senhor e as suas maravilhas no alto mar. À sua palavra, soprou um vento de tempestade, que fez encapelar as ondas: subiam até aos céus, desciam até ao abismo, lutavam entre a vida e a morte. Na sua angústia invocaram o Senhor e Ele salvou-os da aflição. Transformou o temporal em brisa suave e as ondas do mar amainaram. Alegraram-se ao vê-las acalmadas, e Ele conduziu-os ao porto desejado”.

Do profundo do coração, supliquemos confiantes a Deus, nesta hora da história, por nós, por todos os que passam momentos de tormenta, pelo fim da pandemia, pela coragem de quantos cuidam do seu semelhante, por todos os que tiveram e têm de enfrentar a doença, a perda e o luto. Que em Deus, a nossa alma repouse, serena e tranquila, ao jeito de Jesus, como quem sabe que nada se perde, que ninguém se perde, pois Ele os acolhe, nos acolhe, sempre e para sempre, no Seu coração.

6 – «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?»

Os discípulos presenciaram diversos prodígios realizados por Jesus. Puderam ver a Sua autoridade a curar, a perdoar, a expulsar espíritos impuros. O entusiamo com que os discípulos O seguem não se perde com facilidade, mas, diante das adversidades, a fé parece relegada para segundo plano. Veem o mar encapelado e logo se afundam nas suas incertezas. Sucederá, com mais clarividência, nas últimas horas de vida (histórica) de Jesus. A desolação será quase absoluta. Porém, a manhã de Páscoa inundará de luz, de fé e de confiança aqueles corações indecisos e fechados.

É a mesma luz que ilumina a vida de São Paulo. O Apóstolo move-se pela fé em Cristo morto e ressuscitado. Em tudo o que diz, em tudo o que faz, vive, respira, transparece e anuncia Jesus Cristo.

“Cristo morreu por todos, para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles”. Somos convidados a morrer para nós próprios, para, em Cristo, ressuscitarmos novas criaturas e nos tornarmos irmãos. “Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. As coisas antigas passaram: tudo foi renovado”.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia: Job 38, 1. 8-11; Sl 106 (107); 2 Cor 5, 14-17; Mc 4, 35-41.