Domingo XIV do Tempo Comum – ano A – 5 de julho de 2020

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Domingo XIV do Tempo Comum – ano A – 5 de julho de 2020

1 – A humildade, a simplicidade e a pobreza, como estilo de vida e como dinâmica espiritual, fazem-nos crescer, constituir comunidade, fortalecer os laços que nos unem, construir família. A pobreza, mais do que material, é a opção de quem ama e se predispõe a gastar a sua vida a favor dos outros. Eu amo-te. É o mesmo que dizer: quero que tu sejas! Que tu sejas mais! Mais feliz, mais amado, mais saudável. A humildade leva-nos a abrir o nosso coração e a nossa vida aos outros, a querer aprender com eles, reconhecendo que estamos a caminho, que precisamos dos outros e do seu saber, a certeza de que sozinhos valemos menos, valemos pouco, somos nada! A simplicidade facilita o encontro e a proximidade. Uma casa demasiado arrumada e atafulhada de objetos decorativos atrapalha a “circulação”, não se pode andar sem tropeçar em alguma coisa, a atenção vai mais para as coisas do que para as pessoas… assim a nossa vida quando a atenção vai mais para os artefactos que nos vestem do que para os sentimentos que nos ligam.

A prepotência, o egoísmo e a sobranceria afastam, dividem, estupidificam-nos. Só os estúpidos e os sábios não mudam. Não se trata de autoestima que, numa perspetiva cristã, nos faz reconhecer a nossa dignidade de filhos amados de Deus, mas de narcisismo, fechando-nos a tudo o que os outros possam dar-nos, ensinar-nos. Somos os maiores, não precisamos de ninguém, já sabemos tudo, não há nada que possa enriquecer-nos ou contribuir para a nossa sabedoria. Nós… os outros, coitados… tiveram o azar… não nasceram dotados como nós… Eles que se desenrasquem, pois não nos diz respeito a sua vida ou o seu sofrimento. É a vida, quem nasceu para cinco nunca chegará a dez… ou então que façam como eu, lutem sem olhar a meios…

O dinheiro, a riqueza e o poder, a corrupção e a violência fazem girar o mundo. Esta é a convicção de muitos e, em algum ou em muitos momentos, podemos verificar como o poder económico e/ou o estatuto social mexem com decisões importantes. Porém, o que une, solidifica as relações entre pessoas, grupos ou países continua a ser o amor, a vontade de viver em paz e harmonia. A manutenção do poder a qualquer custo leva, mais cedo ou mais tarde, à corrupção e, consequentemente, à violência. Só o amor nos salvará.

2 – Jesus apresenta-Se sem artifícios, sem exército nem poder, sem vestes esplendorosas, mas na simplicidade de um camponês, qual pastor despojado do excesso para andar mais depressa e acompanhar o rebanho, indo à frente, vindo atrás, correndo. Ele dirá aos seus discípulos, quando os enviar: não leveis nada que vos pese e vos estorve; ide leves, nada que vos atrase a passada ou vos impeça de abraçar ou estender as mãos para abençoar.

Hoje, no Evangelho, Jesus bendiz a Deus Pai pela simplicidade do coração: «Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do teu agrado. Tudo Me foi dado por meu Pai. Ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar».

O conhecimento não se compra e não se rouba. Também os sentimentos se não compram, nem se vendem, nem se roubam. Os mistérios da vida só serão acolhidos com um espírito humilde, disponível para captar o que a vida, o que o outro, o que Deus, nos comunica. Quem se arroga como paladino do saber, cheio de conhecimentos, especialista em sentimentos… está cheio, não será capaz de perscrutar os segredos da vida, a beleza das coisas, o essencial das pessoas.

Ninguém é “formado” em sentimentos e emoções ou na fé. Esta, sendo dom, exige, precisamente, humildade, despojamento, abertura, disponibilidade para acolher o que nos é dado por Deus. Se já temos tudo… se já sabemos tudo… não precisamos de ninguém… isso significa que estamos “acabados”, concluídos, finitos!

3 – Para sermos curados, salvos, ressuscitados, precisamos, primeiramente, de reconhecer que estamos em défice, isto é, termos a consciência da nossa fragilidade, da nossa finitude e/ou da nossa doença, sentir-nos a caminho, em busca. Eu vim para os que precisam de médico. Quem está são, não precisa de médico. Quem tem toda a sabedoria do mundo, não precisa de aprender mais. Quem, soberbamente, dispensa os outros, fica encerrado na morte, na sua debilidade e indigência.

Diz-nos Jesus: «Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve».

O convite é d’Ele, a reposta terá de ser nossa. Jesus vem ao nosso encontro. Mais, faz-Se um de nós, Deus connosco. Percorre as diferentes etapas da vida, do nascimento à morte, da aprendizagem em família ao ganha-pão. Não é um estranho. Não é um extraterrestre! Ou um super-herói! É um de nós. É um dos nossos. E, no entanto, Ele aproxima-nos de Deus, torna-O visível nos gestos e nas palavras, na oferta da Sua vida até ao fim, e do fim biológico à abertura à eternidade, na ressurreição.

N’Ele poderemos encontrar a vida que não tem fim, pois culmina em Deus. Porquanto deixemo-nos encontrar por Ele, deixemos que nos abrace, que nos acompanhe pelo caminho, entre em nossa casa, deixemos que Ele seja o nosso descanso, o nosso chão, repousemos n’Ele.

4 – Em tantos momentos, Jesus prega a humildade com gestos. Nas Bodas de Canaã estava por lá como simples convidado, com os seus discípulos. A convidada era a Sua Mãe. Agirá mediante a oração de súplica de Maria. Em outras ocasiões, mantém-se discreto, sem dar muito nas vistas, pede descrição aos que beneficiam da cura, pois a Sua preocupação não é convencer pelo espetáculo ou converter a vida numa encenação de magia, mas percorrer o mesmo caminho que nós, entre alegrias e tristezas, em que prevalece, sempre, o amor, a compaixão e a ternura, o compromisso em dar o melhor em cada circunstância para abençoar, para ajudar, para iluminar a vida de todos, de cada um, que Deus coloca na Sua, na tua e na minha vida.

Na Última Ceia, posta-Se diante dos discípulos e lava-lhes os pés. O discípulo não é maior que o Mestre. Se Eu vos lavo os pés, também o deveis fazer aos outros. O primeiro, na lógica do reino é o último, aquele que serve, mas serve como filho amado de Deus. Os de casa, pais e filhos, servem primeiro os convidados! Nós somos filhos, logo o serviço e o cuidado aos outros bem em primeiro lugar para os fazer sentir em casa!

O Profeta Zacarias vê mais longe, como todos os profetas, não vê somente a árvore que tem diante dos olhos, a adversidade, mas contempla a floresta. Não se deixa enganar pelos tempos presentes, de guerra e conflito, porque sabe que o amor de Deus prevalecerá. «Exulta de alegria, filha de Sião, solta brados de júbilo, filha de Jerusalém. Eis o teu Rei, justo e salvador, que vem ao teu encontro, humildemente montado num jumentinho… Anunciará a paz às nações: o seu domínio irá de um mar ao outro mar e do Rio até aos confins da terra».

Na entrada triunfal em Jerusalém, em Domingo de Ramos, Jesus, Rei e Salvador, vem montado num jumentinho, despojado de poder, para anunciar a paz. Esta não se anuncia com poder, com armas ou demonstrações de força, mas por gestos concretos de bondade e de despojamento. O pobre provoca-nos a socorrê-lo; não se impõe, mas irrompe na nossa vida com a mão estendida e, como diria a nosso Bispo, D. António Couto, faz-se senhor porque nos coloca diante de uma resposta a dar. Do poderoso tendemos a fugir, a temer ou a invejar…   Jesus vencerá pelo amor, mesmo que tenha que enfrentar a morte. Como Seus discípulos, é o que nos cabe também fazer: amar servindo, servir amando, gastando-nos uns a favor dos outros.

5 – Se amanhã morrermos e tudo terminar para nós, terá valido a pena dar o melhor, sacrificar-nos pelos outros, viver em dinâmica de verdade e de amor? Se não há nada além da vida biológica, em sintonia com Nietzsche, o homem, eu e tu, tornamo-nos a medida de todas as coisas. Eu decido o que é bem e que é mal. Tu decides o que é bom ou o que é mau! Então de que adiantará sacrificar-se, esforçar-se para que o mundo seja melhor se está condenado a desaparecer? Porquê, então, seguir as normas sociais?

Ainda assim, dirão alguns, compensa apostar no amor, na bondade, na justiça, pois isso enriquece-nos como pessoas, faz bem ao espírito e ao ego, procurando que permaneça a memória do bem que se faz. E daí também o tríptico de sobrevivência à morte: plantação de uma árvore, geração de um filho, publicação de um livro. Mesmo assim, convenhamos, se a nossa inteligência vai desaparecer para sempre, no final ficaremos sem saber se valeu mesmo a pena, não nos conheceremos na totalidade do que que éramos e do que poderíamos ter sido. Como diz Qohélet, então tudo o que fizemos, será usufruto para outros! Até nos pode parecer justiça, já que também nós usufruímos do que outros produziram! Mas não estaremos “vivos” para ver! Desilusão…

Foi aqui que Augusto Cury se abriu à fé. A ciência não lhe dava abertura para o transcendente, pois não é esse o seu objetivo nem o seu conteúdo. Mas a inteligência, estudada pela ciência, a identidade sublime da pessoa, não pode terminar, não pode estar encerrada em 80 ou 90 anos e desaparecer para sempre. A quem confiarmos a nossas memórias, a nossa vida? A alguém que desaparecerá tão rapidamente como nós?

Diz-nos Jesus: vinde a Mim… e encontrareis descanso para as vossas almas. Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida… por Mim ireis ao Pai…

Garante o Apóstolo: “Vós não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito… Se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós. Assim, irmãos, não somos devedores à carne, para vivermos segundo a carne. Se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito fizerdes morrer as obras da carne, vivereis”.

A nossa fé faz-nos confiar na fidelidade de Deus e no Seu amor por nós, prevalecendo até à eternidade.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Zac 9, 9-10; Sl 144 (145); Rom 8, 9. 11-13; Mt 11, 25-30.