Domingo XIV do Tempo Comum – ano A – 13 de setembro de 2020

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Domingo XIV do Tempo Comum – ano A – 13 de setembro de 2020

1 – «Se meu irmão me ofender, quantas vezes deverei perdoar-lhe? Até sete vezes?»

Na semana passada ouvíamos a insistência de Jesus para não desistirmos de ninguém e que não colocássemos de parte quem nos ofendeu, pelo menos até fazermos o possível por recuperar a amizade e restabelecer a verdade e a justiça. Entretanto, cai a pergunta de Pedro: quantas vezes deverei perdoar? Pedro quer tirar a limpo, para que não haja dúvidas e para saber com exatidão a justiça de perdoar, para não perdoar a menos, mas também para não perdoar em demasia!

As receitas fáceis e concretas para as diferentes situações da vida: para ser feliz, para descobrir a pessoa certa a amar, para eliminar a ansiedade, para ser bem-sucedido no emprego, para preservar uma amizade, para emagrecer, para reconquistar o amor perdido!

Só que a vida não encaixa em perfis predefinidos, a vida é multicolor e não apenas a preto e branco. Os sentimentos e emoções, os afetos não são produzidos em laboratório, com uma dose certa para cada situação A vida é simples, mas muito mais complexa nas ligações entre pessoas. Cada pessoa é diferente. E mesmo em situações similares, a mesma pessoa, com intervalo de minutos, de horas ou de dias, pode reagir de forma diversa. Não há receitas, há caminhos, desafios e escolhas.

Porém, a lógica de Jesus é só uma: amar sem medida, o que implica, perdoar sempre. Não desistir de ninguém, não deixar ninguém para trás.

2 – «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete».

Como temos visto, para Jesus é tudo ou nada. Ele aceita o caminho de conversão. Basta lembrar o encontro com o jovem rico. Num primeiro momento, os mandamentos foram o ponto de partida, para depois colocar um desafio mais elevado: vai, vende o que tens, dá aos pobres, e depois, vem e segue-Me. Quem quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, pegue na sua cruz e siga-Me. Quem quiser ganhar/guardar a vida, perdê-la-á, mas quem gastar/perder a vida por Minha causa, ganhá-la-á para a vida eterna. Quem não Me amar mais do que à mãe, ao pai, aos irmãos, ao filho e à filha, e à própria vida, não é digno de Mim.

Mas vejamos: pode amar-se a prestações, na condicional, com reservas, a ver se dá, deixando partes guardadas para si? É certo que em alguns relacionamentos, as condições são colocadas, consciente ou inconscientemente: em tudo… mas nesta situação não abdico, por exemplo, sair todas as noites com os amigos! Salvaguarda-se naturalmente o espaço “emocional” de cada um, que pode precisar de tempo para digerir ou para lidar com uma ou outra situação em silêncio; salvaguardam-se as convicções pessoais, religiosas, políticas, a não ser que contradigam e impeçam em absoluto a relação a dois.

Contudo, amar a prestações, nos intervalos dos meus interesses ou quando dá jeito ou que não altere a vida anterior ao compromisso, não serve, pois nesse caso seria dar apenas as migalhas, as sobras, e não a vida por inteiro. Amar a meias não é amar, é apenas encostar-se, e trazer alguém encostado é um peso desumano.

3 – Não se ama abstratamente.

Todos sabemos isso. Dizer que se ama o mundo inteiro, que se é amigo de toda a gente, são verbos de encher. A pessoa, evidentemente, pode e deve ter uma predisposição para amar todas as pessoas e basear a sua vida e postura na bondade para com todos. Há pessoas assim, estão sempre disponíveis para dar o melhor de si e descobrirem nos outros o melhor que têm e são. Concretizam essa bondade com a família e com a vizinhança.

Amar o mundo inteiro e viver em guerra com os que estão em casa ou com os quais nos cruzamos todos os dias, convenhamos, é uma contradição, admitindo que pode haver momentos mais difíceis ao nível da compreensão e da aceitação dos outros. Também acontece, infelizmente, com muitos, que são as melhores pessoas do mundo, simpáticas e atenciosas, para os de fora, mas autênticas “bestas” para os de casa.

4 – Então, Jesus exemplifica com uma parábola:

Um rei decide ajustar contas com os seus servos. Um deles deve-lhe uma fortuna, mais do que a dívida portuguesa em tempo de crise. O não pagamento, implicaria ser vendido, com a mulher e os filhos, e com tudo quanto possuía. Ainda hoje em dia acontece assim: uma pessoa endividada pode ter que abdicar do que tem para fazer face a uma hipoteca, ficando sem os bens e sem os meios que permitiam continuar a produzir “riqueza”. Este servo pede ao patrão, por tudo quanto há de mais sagrado, que lhe dê mais tempo. “Cheio de compaixão, o senhor daquele servo deu-lhe a liberdade e perdoou-lhe a dívida”.

É um gesto magnânimo, extraordinário. É um exagero, o esbanjar de uma fortuna. Neste quadro é visível o amor de Deus que esbanja, connosco, a misericórdia e o perdão. Perdoa-nos mesmo antes de nós verbalizarmos arrependimento. Deus não regateia o perdão. Às vezes custa a entender um Deus assim, um Deus que é Pai, incapaz de virar os olhos, de virar o coração para os pedidos dos filhos.

Aquele servo foi altamente beneficiado, mas, tal como Pedro, fixou-se na quantidade e não no gesto, não na bondade do seu senhor. Não se deixou comover. Pelo caminho, encontra um dos seus companheiros, que lhe devia uma ninharia comparada com a soma astronómica que o próprio devia ao seu senhor. O seu companheiro usou as mesmas palavras e o mesmo gesto, prostrando-se e suplicando mais um tempo para pagar a dívida. Todavia, em vez da compreensão e do perdão, até porque tinha acabado de ser favorecido em 10 mil talentos, não foi capaz de estender o prazo por 100 denários, mandando prender o companheiro.

Ao verem esta atitude e a contradição entre o perdão recebido, antes, e a intolerância, agora, os seus companheiros informam o seu senhor, que o manda chamar: “Servo mau, perdoei-te tudo o que me devias, porque mo pediste. Não devias, também tu, compadecer-te do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?”

A conclusão de Jesus é óbvia: somos devedores do amor magnânimo de Deus e do Seu perdão, por conseguinte, somos credores em relação ao nosso semelhante. O amor de Deus que nos preenche extravasa no amor aos outros. Como diria São Paulo, não devais nada a ninguém a não ser o amor. E, como na oração do Pai-nosso: perdoai-nos as nossas ofensas (dívidas) assim como nós perdoámos a quem nos tem ofendido.

5 – Errar é humano (ou será que é desumano?), perdoar é divino.

Não é fácil perdoar, quando nos ofendem, colocando em causa a nossa honorabilidade. Sentimo-nos ofendidos sobretudo em relação àqueles de quem somos mais próximos, pois se são estranhos, ou meramente conhecidos, então já não esperamos muito ou pelo menos a mágoa não nos atinge tão profundamente. Perdoar não é fácil. Mas é libertador. Quem perdoa liberta-se do poder que o rancor e o desejo de vingança provocam. Como diria Augusto Cury, quando não perdoámos levamos o outro para a mesa e dormimos com ele, não nos sai da cabeça, nem do coração, inquieta-nos, adoece a nossa disposição, tira-nos do sério, provoca-nos ansiedade e stress, destrói-nos interiormente e acaba com a nossa saúde e alegria.

O Profeta lembra-nos que “o rancor e a ira são coisas detestáveis… Quem se vinga sofrerá a vingança do Senhor, que pedirá minuciosa conta de seus pecados. Perdoa a ofensa do teu próximo e, quando o pedires, as tuas ofensas serão perdoadas. Um homem guarda rancor contra outro e pede a Deus que o cure? Não tem compaixão do seu semelhante e pede perdão para os seus próprios pecados? Lembra-te do teu fim”.

Perdoar é o único caminho dos que seguem Jesus, que perdoa mesmo aos que O matam. Perdoar, não esqueçamos, é uma iniciativa que depende de nós, da nossa vontade e decisão, não precisa de um pedido de perdão do outro, que pode até nem saber que nos ofendeu. É também um mandamento, mas que nos faz bem à alma. E sabendo que nem sempre é fácil, pedimos ao Senhor que lance “sobre nós o vosso olhar; e para sentirmos em nós os efeitos do vosso amor, dai-nos a graça de Vos servirmos com todo o coração”.

6 – A medida do nosso amor, e do nosso perdão, é Jesus, Deus encarnado.

Com efeito, como rezámos no salmo, “Ele perdoa todos os teus pecados e cura as tuas enfermidades. Salva da morte a tua vida e coroa-te de graça e misericórdia. Não está sempre a repreender, nem guarda ressentimento. Não nos tratou segundo os nossos pecados, nem nos castigou segundo as nossas culpas. Como a distância da terra aos céus, assim é grande a sua misericórdia para os que O temem. Como o Oriente dista do Ocidente, assim Ele afasta de nós os nossos pecados”.

Somos devedores do perdão de Deus, da Sua misericórdia infinita. O melhor agradecimento é perdoar aos outros como Ele nos perdoa, sempre, sem limites. Haverá momentos em que aceitar o que os outros nos fizeram é um fardo demasiado pesado. Rezemos, então, a Deus e peçamos-Lhe que Ele perdoe em nosso nome até que o nosso coração o consiga fazer. Vale também a certeza que gostaríamos que os outros nos perdoassem de todo o coração se tivéssemos as mesmas falhas… e vamos tendo!

7 – Como síntese da liturgia da Palavra, o desafio de São Paulo, na segunda leitura: “Nenhum de nós vive para si mesmo e nenhum de nós morre para si mesmo. Se vivemos, vivemos para o Senhor, e se morremos, morremos para o Senhor. Portanto, quer vivamos quer morramos, pertencemos ao Senhor. Na verdade, Cristo morreu e ressuscitou para ser o Senhor dos vivos e dos mortos”.

O amor sem limites é visível na entrega total de Jesus até à Cruz, ressuscitando o amor até à eternidade.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Sir 27, 33 – 28, 9; Sl 102 (103); Rom 14, 7-8; Mt 18, 21-35.