Domingo XV do Tempo Comum – ano A – 12 de julho de 2020

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Domingo XV do Tempo Comum – ano A – 12 de julho de 2020

1 – Por mais importante e decisivo que seja um conselho, se não estamos atentos, preparados, disponíveis para acolher, não adianta gastarem latim. Na verdade, como é sabido, não vale a pena explicar o que quer que seja a alguém que não quer compreender. Será tempo perdido, pelo menos aparentemente, pois pode acontecer que alguma coisa fique!

Somos nós e as circunstâncias que nos envolvem (Ortega y Gasset). Haverá momentos em que não temos disposição para escutar, outros momentos em que estaremos demasiado preocupados e ocupados com outras coisas, outros em que não confiamos no mensageiro, outras vezes dizem o que queremos ouvir e não o que precisamos de escutar, ou o inverso, dizem-nos o que precisamos de escutar, mas não o que queremos ouvir! E também a forma como no-lo dizem ou como nós o ouvimos, pois, o que os outros nos dizem quase nunca é o mesmo que escutamos, pois a nossa disposição, o momento, o nosso vocabulário humano pode divergir da linguagem e do tom do emissor da mensagem. Em português, aprendemos que na comunicação há três dimensões decisivas: o emissor, a mensagem e o recetor! Na conjugação dos três elementos, a comunicação pode ser mais assertiva ou mais distante, mais eficaz ou mais impercetível.

Isto vale no nosso compromisso como discípulos missionários. A Mensagem é segura, útil, atual, é confiável e é-nos dirigida. Como nos lembra o Senhor, através de Isaías, «Assim como a chuva e a neve que descem do céu não voltam para lá sem terem regado a terra, sem a terem fecundado e feito produzir, para que dê a semente ao semeador e o pão para comer, assim a palavra que sai da minha boca não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter cumprido a minha vontade, sem ter realizado a sua missão».

2 – Acerquemo-nos de Jesus. Ele sai de casa e vai sentar-Se à beira mar. Aproximemo-nos, juntamente com a multidão. Cheguemo-nos o mais à frente possível para O escutarmos. Ele já subiu para o barco, para que todos O possam ver e escutar e para que Ele possa ver-nos a todos e olhar-nos nos olhos. Não há nada mais sublime que vermos e sermos vistos por alguém que nos quer bem, nos ama e nos levanta. Jesus quer-nos bem, a todos, a mim e a ti. os Seus olhos atraem e impelem-nos a levantar o nosso olhar para O perscrutarmos.

Hoje escutamos uma das Suas parábolas mais belas. «Saiu o semeador a semear. Quando semeava, caíram algumas sementes ao longo do caminho: vieram as aves e comeram-nas. Outras caíram em sítios pedregosos, onde não havia muita terra, e logo nasceram, porque a terra era pouco profunda; mas depois de nascer o sol, queimaram-se e secaram, por não terem raiz. Outras caíram entre espinhos e os espinhos cresceram e afogaram-nas. Outras caíram em boa terra e deram fruto: umas, cem; outras, sessenta; outras, trinta por um».

Podemos intentar várias clarificações, para nos assenhorarmos da parábola e nos inserirmos dentro dela, mas, antes disso, o próprio Jesus explica o sentido da mesma: «Quando um homem ouve a palavra do reino e não a compreende, vem o Maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração. Este é o que recebeu a semente ao longo do caminho. Aquele que recebeu a semente em sítios pedregosos é o que ouve a palavra e a acolhe de momento com alegria, mas não tem raiz em si mesmo, porque é inconstante, e, ao chegar a tribulação ou a perseguição por causa da palavra, sucumbe logo. Aquele que recebeu a semente entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução da riqueza sufocam a palavra, que assim não dá fruto. E aquele que recebeu a palavra em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende. Esse dá fruto e produz ora cem, ora sessenta, ora trinta por um».

3 – Mais do que palavras, Jesus dá-Se por inteiro, comunica-Se, é a Palavra de Deus que Se faz um de nós. Sendo verdadeiro Deus, Jesus é um dos nossos, verdadeiramente Homem como nós. As Suas palavras e os Seus gestos, os encontros e os prodígios que realiza tem como propósito, único, mostra-nos o amor de Deus, a vontade divina que nos humaniza e nos faz irmãos.

No Evangelho de hoje parece que as parábolas têm como objetivo esconder os mistérios do Reino, mas, bem vistas as coisas, sobressai a provocação de Jesus ao povo e aos seus discípulos. «O coração deste povo tornou-se duro: endureceram os seus ouvidos e fecharam os seus olhos, para não acontecer que, vendo com os olhos e ouvindo com os ouvidos e compreendendo com o coração, se convertam e Eu os cure. Quanto a vós, felizes os vossos olhos porque veem e os vossos ouvidos porque ouvem! Em verdade vos digo: muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes e não viram e ouvir o que vós ouvis e não ouviram». Claro como a água… seremos felizes se nos aproximarmos de Jesus ao ponto de O amarmos e O seguirmos, crendo que só Ele nos livra do mal e da morte, do egoísmo e da indiferença, da soberba e da apatia.

4 – A semente lançada à terra, a Palavra de Deus em nós semeada, há de produzir cem, sessenta, trinta por um, se nos tornarmos terra fértil… A um tempo também nós somos terra pedregosa… terra com muitos espinhos, também nós não deixamos que a semente fique a meio do caminho!

As circunstâncias podem ser facilitadoras ou estorvo, podem tornar-nos mais dóceis ou mais ásperos, mais alegres e tranquilos, ou mais sorumbáticos e truculentos, mas o decisivo será a escolha que fazemos, em cada momento, pela bondade ou pela indiferença, pela generosidade ou pelo egoísmo. As preocupações e adversidades podem levar-nos à dúvida ou a colocar em suspenso a fé até que as circunstâncias melhorem. Somos o povo de dura cerviz, com um coração de pedra? Ou discípulos que, reconhecendo a própria fragilidade, se socorrem de Deus?

“Senhor nosso Deus, que mostrais aos errantes a luz da vossa verdade para poderem voltar ao bom caminho, concedei a quantos se declaram cristãos que, rejeitando tudo o que é indigno deste nome, sigam fielmente as exigências da sua fé”.

Peçamos ao Senhor a docilidade do coração, para que, como discípulos missionários, sejamos terra lavrada, arada, preparada para acolher a semente da Palavra de Deus. Tendo em Maria, a primeira discípula de Jesus, que desde o ventre materno O perscruta, procuremos como Ele ter o coração desimpedido para que se gere em nós a Palavra de Deus e dê fruto abundante, como Ele, o fruto bendito é Jesus!

5 – Até à eternidade, estamos a caminho, façamo-nos à estrada, procuremos o que nos aproxima de Jesus e, desse modo, nos aproxima uns dos outros. Parafraseando o então Cardeal Joseph Ratzinger, há tantos caminhos quantos as pessoas, mas com a preocupação que o caminho que percorremos nos vá sintonizado com o Caminho, a Verdade e a Vida que é Jesus.

Haverá ocasiões em que tropeçamos ou que enveredamos por atalhos; haverá situações que nos farão duvidar da proximidade de Deus ou da Sua ação na nossa vida. Porém, garante-nos o Apóstolo, Deus é confiável, Jesus já nos mostrou o caminho da redenção. Não caminhamos sozinhos, não prosseguimos às escuras.

Com efeito, sublinha São Paulo, “Eu penso que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que se há de manifestar em nós”. E logo prossegue, usando uma belíssima imagem, a da gravidez e da maternidade. “Na verdade, as criaturas esperam ansiosamente a revelação dos filhos de Deus. Elas estão sujeitas à vã situação do mundo… Sabemos que toda a criatura geme ainda agora e sofre as dores da maternidade. E não só ela, mas também nós, que possuímos as primícias do Espírito, gememos interiormente, esperando a adoção filial e a libertação do nosso corpo”.

Quando uma mulher está para ser mãe experimenta os maiores incómodos e sofrimentos, numa parte significativa da gravidez mas sobretudo nas horas que aproximam o parto. No entanto, essas dores são toleradas e assumidas em virtude de um amor maior, a geração e nascimento de um filho. O seu nascimento, não isento da apreensão sobre o futuro que terá, reveste-se de alegria, de bênção, de preenchimento. Fará com que todos os sacrifícios valham a pena.

Assim, também a nossa vida! No presente, na história, estamos sujeitos às nossas limitações e insuficiências e às insuficiências e limitações dos outros, sabendo que fomos finitos, frágeis, mortais, mas seguros porque Deus é por nós e se Ele é por nós, nada nos impedirá de sobreviver às coordenadas-espácio temporais e tonar-nos-emos verdadeiramente o que sempre fomos, filhos amados de Deus, de forma plena, perfeita, na eternidade, mas procurando transparecer para o tempo esses sinais de amor, deixando marcas que mostrem a outros o caminho que nos eterniza e que nos faz pessoas felizes.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 55, 10-11; Sl 64 (65); Rom 8, 18-23; Mt 13, 1-23.