Domingo XVI do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo XVI do Tempo Comum – C – 2022

1 – “Conta-se que um dia um monge se dirigiu ao pai Silvano e, vendo que os seus monges estavam a trabalhar, disse: «Não trabalheis por um alimento que perece» (Jo 6, 27), «Maria escolheu a melhor parte» (Lc 10, 42). O pai Silvano não deu qualquer resposta, chamou um seu discípulo e disse: «Zacarias, dá um livro a este irmão e fecha-o numa sela sem mais nada». Chegada a hora da refeição, o dito monge esperou que alguém o viesse chamar para comer, mas vendo que tal não sucedia perguntou a Silvano: «Pai, os teus irmãos não comem?» Perante a resposta afirmativa de Silvano, perguntou então porque não o tinham chamado e Silvano respondeu: «Porque és um homem espiritual e não necessitas deste alimento, mas nós, que somos carnais, queremos comer e por isso trabalhamos. Em contrapartida, tu escolheste a melhor parte, lês todo o dia e não queres comer o alimento material». Perante tais palavras, o monge prostrou-se por terra pedindo perdão. Silvano disse-lhe então: «Também Maria necessita absolutamente de Marta; e é por mérito de Marta que também Maria é louvada»” (Isidro Lamelas. A Via da Misericórdia. Na sabedoria dos Padres do Deserto).

2 – No Evangelho é-nos servida esta passagem. Jesus entra numa povoação e Marta recebe-O com alegria em sua casa, a Ele e aos apóstolos. A irmã de Marta, Maria senta-se aos pés de Jesus e escuta a Sua palavra. Tão simples como isto! Maria dispõe de toda a atenção para Jesus, ouvindo-O, permitindo que o Mestre fale do que O ocupa e preocupa. Forma dócil, natural e hospitaleira de receber Jesus, perto d’Ele, em modo de escuta.

«Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada». É a resposta pronta de Jesus a Marta, quando esta, atarefada, questiona O questiona: «Senhor, não Te importas que minha irmã me deixe sozinha a servir? Diz-lhe que venha ajudar-me».

Será que Marta não tem a mesma amizade, estima, a mesma doçura por Jesus? Será que o seu trabalho é inútil e dispensável? Talvez não! Jesus não põe em causa a hospitalidade de Marta, mas a ansiedade e desconcentração no que está a fazer: «Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada».

Em Maria e Marta vemos duas dimensões importantes da Igreja e da vivência da fé: a oração, adoração, a escuta da palavra de Deus, a proximidade a Jesus e, por outro lado, o compromisso na transformação do mundo, o empenho pela justiça e pela paz, a construção efetiva da fraternidade, através de gestos concretos de ajuda e serviço.

No fundo, é o duplo mandamento: amar a Deus e adorá-l’O antes e acima de tudo e ao próximo como a si mesmo. Levado a sério, bastaria o primeiro mandamento, pois adorar a Deus implica que queiramos o que Ele quer: que os seus filhos, todos os seus filhos, se deem bem, vivam e sejam felizes, e se entreajudem na atenção aos mais desfavorecidos. É o mesmo desejo dos pais terrenos.

O risco tornar-se-á pecaminoso. Se nos fixarmos apenas em Maria, apenas no espiritual, desligados da vida, dos outros e do mundo, não estamos a ser honestos, pois, na verdade, significa que o nosso coração não está sintonizado com o de Jesus, nem a nossa vontade sincronizada com as Suas palavras. Desligarmo-nos de Jesus, na transformação do mundo, mais tarde ou mais cedo, colocar-nos-emos no centro, pensando que sem nós nada funcionará… endeusar-nos-emos ou instrumentalizaremos os outros para os fins que queremos atingir.

3 – A hospitalidade é própria de homens de fé. Quem teme (ama) Deus é capaz de O ver nos irmãos. A fé e confiança superam a desconfiança, a exclusão, a indiferença. Marta e Maria, cada uma à sua maneira, confiam em Jesus, por Quem têm elevada consideração, procuram fazer o melhor para que Ele se sinta em casa. A Abraão vê, em três viandantes, a visita do Senhor, seu Deus.

O relato sagrado começa por referir, imediatamente, que o Senhor visitou Abraão. Na hora de maior calor, Abraão estava sentado à entrada da tenda, levantou os olhos e viu três homens que se aproximavam, levantou-se e correu ao seu encontro. A narração coloca-nos em movimento e rapidez. Abraão ergueu os olhos, viu, levantou-se e correu! Como não lembrar o mensageiro que corre veloz para anunciar a paz? Ou Maria que se levanta e corre veloz ao encontro da sua prima Isabel?

Abraão não hesita: «Meu Senhor, se agradei aos vossos olhos, não passeis adiante sem parar em casa do vosso servo. Mandarei vir água, para que possais lavar os pés e descansar debaixo desta árvore. Vou buscar um bocado de pão, para restaurardes as forças antes de continuardes o vosso caminho, pois não foi em vão que passastes diante da casa do vosso servo».

A hospitalidade de Abraão não fica nas intenções, pois logo diz a Sara, sua mulher: «Toma depressa três medidas de flor da farinha, amassa-a e coze uns pães no borralho». E ele mesmo correu ao rebanho, a escolher um vitelo tenro e bom e dá-o ao servo para o preparar. Também o servo é envolvido nesta pressa hospitaleira. Quando tudo está preparado, traz-lhes manteiga, leite, pão e o vitelo e coloca-se de pé, diante deles, enquanto comiam! Abraão assume as duas dimensões, apressa-se para lhes proporcionar o repouso e o repasto, e faz-lhes companhia, mantém-se próximo deles, escutando-os.

4 – “Que permaneça a caridade fraterna. Não vos esqueçais da hospitalidade, pois graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos” (Heb 13, 1-2). O que nos diz o autor da Epístola aos Hebreus ajusta-se perfeitamente a Abraão. Ele soube olhar com olhos de ver!

Os seus visitantes questionam: «Onde está Sara, tua esposa?». Ali na tenda, responde Abraão. Então, um deles garante: «Passarei novamente pela tua casa daqui a um ano e então Sara tua esposa terá um filho».

Abraão, como Sara, verá que a hospitalidade não fica sem recompensa.

Peçamos ao Senhor, a mesma urgência em acolher os Seus dons e a multiplicá-los, na partilha e no serviço. “Sede propício, Senhor, aos vossos servos e multiplicai neles os dons da vossa graça, para que, fervorosos na fé, esperança e caridade, perseverem na fiel observância dos vossos mandamentos”.

Não há oração que não se faça vida!

Não há fé que não nos comprometa com os outros!

Também o salmista afina pelo mesmo diapasão, sem surpresas. “O que vive sem mancha e pratica a justiça e diz a verdade que tem no seu coração e guarda a sua língua da calúnia. / O que não faz mal ao seu próximo, nem ultraja o seu semelhante, o que tem por desprezível o ímpio, mas estima os que temem o Senhor. / O que não falta ao juramento mesmo em seu prejuízo e não empresta dinheiro com usura, nem aceita presentes para condenar o inocente. Quem assim proceder jamais será abalado”.

A verdade e o amor revelam, expressam e concretizam a bênção de Deus.

5 – A primeira caridade é o anúncio da Palavra de Deus. Maria está aos pés de Jesus, para escutar as suas palavras. É a melhor parte: a escuta! Só escutando o coração do outro poderemos atender às suas necessidades, perceber os seus anseios e cansaços, acolher as suas insuficiências, prestando-lhe os cuidados que precisa. Marta é a outra face (consequente) da mesma moeda!

São Paulo, depois da conversão, entrega a sua vida, toda, em todo o tempo, ao anúncio do Evangelho. Oportuna e inoportunamente, para nos contagiar com a Palavra de Deus, na certeza que a Graça divina nos resgata do egoísmo, do pecado e da morte, mostrando-nos que a adesão a Cristo, imitando-O, em tons de amor e serviço, nos insere na vida divina.

Diz-nos o Apóstolo: «Alegro-me com os sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta à paixão de Cristo, em benefício do seu corpo que é a Igreja. Dela me tornei ministro, em virtude do cargo que Deus me confiou a vosso respeito, isto é, anunciar-vos em plenitude a palavra de Deus, o mistério que foi agora manifestado aos seus santos. Deus quis dar-lhes a conhecer em que consiste, entre os gentios, a glória inestimável deste mistério: Cristo no meio de vós, esperança da glória. E nós O anunciamos, advertindo todos os homens e instruindo-os em toda a sabedoria, a fim de os apresentarmos todos perfeitos em Cristo».

E o que falta à Paixão de Cristo? Acolhermos o Seu amor, a Sua entrega, procurando que a nossa vida, alimentada nesta dádiva, esteja configurada a Jesus Cristo, para que, nas nossas palavras e ações, se torne visível a paixão de Cristo e quanto Ele fez por nós, dando a Sua vida, para que tenhamos vida em abundância!

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano C): Gen 18, 1-10a; Sl 14 (15); Col 1, 24-28; Lc 10, 38-42.